sábado, 14 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 22


(I wait, Julia Margaret Cameron, 1872)

O indefinido tem a marca da serenidade. Foi por isso que se associou às aves e desafiou as sete aventuras coloridas a que a leveza do ar convidaria. Ficou consternada quando chegou ao cume, ao ponto-ómega, ao limite, já que a ancestral expectativa da luz e dos cometas em círculo pedia muito mais. Não saberia depois o que contar de tanto que vira, mas é certo que o olhar refluíra até àquele ponto incerto onde a certeza e o desapego pactuam de vez. E por isso colocou as asas no parapeito do limbo e afagou os braços cruzados sobre o ardor que a memória entretecia e que a indecisão já ia arrefecendo. E assim ficou à espera. Indefinidamente. À espera dos deuses, à espera de Ulisses, à espera de Godot, à espera do paraíso, à espera talvez apenas da serenidade. Ainda lá está. E eu vejo-a, noite e dia, dia e noite, a coloquiar com as aves acerca da grande dúvida: que dizer e que contar, afinal?