terça-feira, 8 de junho de 2004

A China e o Ocidente: três tópicos



1 - Foi já há década e meia e parece que foi hoje. Estava quase a regressar a Portugal (fi-lo em 1990) e a China transbordava então o campo noticioso. A esperança de uma mudança no comunismo parecia possível. Mas não foi. Quando o ritmo alucinante do actual crescimento económico determinar o aparecimento de uma classe média, então sim, será possível. E inevitável.
Nessa altura, não apenas o comunismo tenderá a ruir como o capitalismo sem regras de algumas cidades do sul tenderá a equilibrar-se com valores progressivamente democráticos (a mão-de-obra escrava e uma total ausência de mediações democráticas nos mega-investimentos em curso não são coisas que durem para sempre).
Provavelmente, sendo realista, a transição demorará mais uma década e meia, embora, já hoje, a China lance cartas no mundo nomeadamente na procura de petróleo e no desmedido recurso ao aço (a crise planetária do aço deve-se ao nível exponencial da construção civil na China).
2 - Seja como for, a transformação democrática da China virá a constituir-se, a prazo, como um factor fundamental do equilíbrio estratégico do planeta. A própria noção histórica de Ocidente precisa de se reenquadrar gradativamente com novos pilares sólidos e consistentes que recusem a via do hiper-terrorismo e da cultura da morte.
A curva democrática e a redistribuição dos fluxos de poder globais (incluindo a nível do know how tecnológico) obrigam a um reenquadramento mais activo do Ocidente no mundo. Nesse âmbito, na era actual pós-09/11 e pós-11/03, o papel da Europa parece-me muito importante. Sobretudo se entender o quadro de motivações que conduziu os EUA a um certo isolamento e unilateralidade (o qual, historicamente, acabará por aparecer enquadrado no campo da necessidade conjuntural).
Não consigo, pois, isolar um julgamento sobre esse mega-continente que é a China de um processo altamente dinâmico que, a curto ou médio prazo, poderá ser de relevância maior para a humanidade. E isto apesar da denúncia permanente que um regime feroz deve merecer por parte dos democratas de todo o mundo.
3 - O caso da China não deixa de ser emblemático, sobretudo se o contrastarmos com os desígnios que vigoraram em grande parte do século passado. Ou seja, o caso chinês permite-nos compreender o pior de modo muito nítido: de um lado, a opressão e a miséria em nome de uma pretensa igualdade futura (no presente, o homem surge aí sempre hipotecado na sua felicidade e iniciativa); do outro lado, o aproveitamento do capitalismo mundializado, mas desligado das matizes que ligam a crença na liberdade e na expressão do mercado à paridade democrática das regras, à responsabilidade social e à concorrência justa.
A recusa terminante destes dois flancos em nome da articulação entre a liberdade, a iniciativa e um figurino social (cuja matriz inicial se situou na Europa do norte no pós-Segunda Grande Guerra Mundial), no quadro de uma sociedade aberta, transnacional e em guerra aberta com o hiper-terrorismo, definem o parâmetro da contemporaneidade e da nova sociedade da comunicação.
É aí que claramente me situo.