quinta-feira, 18 de março de 2004

O dominó de Paul Auster - 3


Sigrid Estrada

Paul Auster sempre explorou com mestria as semelhanças entre os acontecimentos mais diversos e mais diferenciados entre si. Este ponto de partida, baseado na equivalência do improvável, parece às vezes sobrepor-se a tudo. Veja-se, no romance Música do Acaso, os paralelismos entre as infâncias de Pozzi e de Nashe e entre os destinos de Flower e Willie. Veja-se o paralelismo formal que se desenha entre os desaparecimentos de Sachs e de Dimaggio, em Leviathan, e, por outro lado, o tipo de simulação praticado por Quinn/Auster na Trilogia de Nova Iorque e por Maria/Lilian em Leviathan. Vejam-se ainda as semelhanças que são propostas entre o ponto de partida da própria vida de Nashe (em Música do Acaso) e o que acontece na vida de Walter, no final da segunda parte de Mr Vertigo. Vale a pena seguir as pistas.
As sucessivas e extravasantes semelhanças (que atravessam a superfície lisa ou enrugada dos acontecimentos) narradas por Paul Auster não andam muito longe da interpretação que os média e os governos da actualidade levam a cabo em situações-limite. A tentação de relacionar o não relacionável faz parte de um modo de entender o mundo no qual o desejo se transforma em esteio de serenidade, ou em pura estabilidade augurada.
Só que o mundo não é estável, nem sereno. Tal como a literatura.