quinta-feira, 11 de março de 2004

Não notícia, ou o terror irrespirável


via El Mundo

O que faz do terrorismo de massa uma não notícia? Precisamente o facto de ultrapassar o horizonte de compreensão que se tornou habitual a produtores e receptores de notícias em mais de dois séculos. O terrorismo de massa não trata daquilo que faz uma notícia ser uma notícia, tal como a entendemos, ou seja, o excesso (massacre em contexto bélico, por exemplo), a falha (insuficiência que conduz a factos algo inesperados), os acidentes naturais (que escapam ao leme humano) e as inversões (acções praticadas por agentes imprevisíveis). Seja por excesso, falha, acidente ou inversão, a notícia estatui sempre, à partida, um perímetro de possíveis onde os factos acabam depois por emergir. No terrorismo de massa, este perímetro de possíveis - ou este horizonte de compreensão - esvai-se radicalmente e o que fica à mostra é apenas um aparato caótico e desconjuntado de violência pura que perde o sentido, a plausibilidade e a referencialidade. No terrorismo de massa visam-se as multidões de modo discricionário, independentemente de valores, motivações políticas ou convicções. Aconteceu há pouco tempo no Iraque, em meio shi´ita, e aconteceu hoje, dia 11 de Março de 2004, em Madrid. Um e outro destes factos reforçam os atributos da nova era que o 11 de Setembro veio indiciar no ocidente pós-guerra fria. Uma era que está a construir novos horizontes e condições de possibilidade. Pior: estas tendências terríveis que ultrajam já a tradição democrática e a liberdade ameaçam amanhã a própria iminência apocalíptica do hiperterrorismo tecnológico. Hoje somos todos madrilenos. Hoje comungamos todos o mesmo pranto irrespirável e inconsolável. Hoje cerramos fileiras contra a barbárie.