sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Local vs. cultural: as dificuldades

Pede-me a Marta do Corpo Veloz que escreva acerca do estado da cultura numa região como o Alentejo. E eu tenho sinceramente muita dificuldade em fazê-lo, porque sou anti-regionalista - na medida em que não consigo dissociar o local do global e a mobilidade do sedentarismo. Seja como for, e para corresponder minimamente à reiterada solicitação - apesar do meu cepticismo de raiz -, deixo em aberto algumas pistas para discussão. Mais concretamente dez (cinco de cada cor):
Positivas:
A-Mobilidade e reinvenção de públicos. Dada a sua localização e presença de factores de mobilidade, certos eixos do Alentejo têm capacidade para dinamizar uma procura cultural que pode exceder a interna, propriamente dita, desde que criem ofertas de muita qualidade (sobretudo o eixo longitudinal Lisboa-Évora).
B-Espaços adequados à rentabilização de circuitos. As cidades do Alentejo, como todas as outras, podem e devem planear os seus espaços culturais, tendo em vista o aproveitamento de circuitos de qualidade a nível nacional, e não só (o projecto ‘Percursos’ que, a partir do CCB, liga Coimbra, Viseu e Évora, entre 2002 e 2004, é disso um óptimo exemplo).
C-Tradição e investimentos em curso. A cultura tradicional do Alentejo é rica e adequa-se a um vasto leque de potencialidades que advêm dos grandes investimentos (de incidência turística, ambiental e rural) que se estão, neste preciso momento, a fixar no Alentejo. Este é um ponto positivo e que tem futuro económico, no curto e no médio prazo.
D- Iniciativa e permutas com Espanha. Os projectos transfronteiriços com a Estremadura espanhola continuarão no próximo quadro comunitário, embora agora com uma vocação muito mais virada para a sociedade da informação. É uma oportunidade a estudar, desde já, por parte das indústrias culturais.
E-Potenciar situações extraordinárias. Há no Alentejo alguns pólos culturais relevantes que podem e devem potenciar a sua acção em áreas alargadas de influência. Exemplos: A Fundação Eugénio de Almeida (Évora), algumas bibliotecas Municipais (com a de Beja), o Centro Coreográfico de Rui Horta (Montemor), A Universidade de Évora (nomeadamente os cursos de artes) e ainda algumas livrarias de iniciativa (como a ‘Vemos, Ouvimos e Lemos’ de Serpa, a ‘Fonte das Letras’ de Montemor, etc).
Negativas:
A-Sem públicos da cultura não há cultura. É normal que, numa área tão vasta e (na sua maioria) tão pouco urbana, seja complicado imaginar a oferta e a procura de manifestações culturais a partir de exigências contemporâneas. Daí que a criação de públicos (variados) deva ser das primeiras tarefas de quem está no terreno (sobretudo de quem se ocupa das programações);
B-A conjugação dos recursos culturais existentes parece longe de ser sequer desejada. No dia em que diferentes concelhos cooperem os seus orçamentos na programação cultural e saibam colaborar com instituições privadas, com a Universidade, com os Politécnicos e com a própria Delegação Regional do Ministério da Cultura, então a situação poderá melhorar significativamente.
C-Os patrocinadores locais. Com excepção de alguns da área dos vinhos e do caso emblemático do café, os patrocinadores da região reflectem o mercado e são em número muito reduzido.
D-A iniciativa. O Alentejo é uma região que prima, infelizmente, por uma baixíssima capacidade de iniciativa. Essa é uma das razões, entre outras, pelas quais as Câmaras acabam por ser as maiores - e às vezes as únicas - produtoras de eventos culturais.
E-As politiquices. Nas últimas três décadas, em muitos concelhos do Alentejo, a cultura foi amiúde utilizada como forma de afirmar determinados agires de natureza política. Em alguns casos, através de práticas desproporcionadas e de fachada, sem grande controlo de custos, esquecendo mesmo o investimento em equipamentos (exemplo: o ex-Viva a Rua de Évora).
Creio que esta dezena de factores explica o que explica. Ou, pelo menos, suaviza as expectativas dos mais insatisfeitos, ou seja, daqueles que não devem lembrar-se do Portugal rural de há quarenta anos, onde colocar uma questão como esta era o mesmo que supor uma tangerina transformada em melancia numa noite de Inverno.