terça-feira, 9 de dezembro de 2003

Fotografiando - Dez Histórias de Cristais
Quinta


(Durante alguns dias, continuo a publicar Histórias de Fotografiar)



A aura é um manto que cobre e navega sobre tudo o que já foi esquecido, dizia o mago da luz, o alquimista. Prova provada de que representamos, de que somos actores de nós próprios, de que coreografamos o rosto diante do espelho de água da vida.

A aura, continuava o mago a sonhar em voz alta, é uma memória que foi ordenada, mas sem a vontade de uma razão que estivesse disposta a organizar o seu próprio mapa. É talvez uma película quase invisível, mas que se aproxima do olhar que aprendeu a olhar.

É até provável que a topografia do olhar só se contemple de fora do olhar e, por isso mesmo, o olhar se confunda com uma rede, com um movimento, com um rizoma, com um vaivém que se espalha, tal como as ervas, por dentro e por fora da paisagem. Em todo o lado, desordenado.

O olhar pertence ao fulgor das aves que já foram anjos e ao brilho das carroças incandescentes que já foram além da luz dos sete céus, há muitos, muitos séculos, movidas por cavalos de ouro e luz. Foi por isso que, naquele tempo, se desvelou a pura imaginação dos céus, ou a luz dita primeira, e, cá em baixo, à superfície da terra, como diz o mago, se desvelaram apenas os resíduos praticamente invisíveis da aura.

O filósofo concorda que a aura existe, embora seja absolutamente inefável e, até mesmo, infiel à razão. Pensa ele, o filósofo, que a aura é como uma candeia a deambular no amotinado magma das origens; como uma miragem a vaguear através da câmara-escura, através do óvulo da visão, através do nitrato de nada; ou, ainda, como um fogo-fátuo a navegar no oceano da simples reminiscência e a reflectir-se no vidro encurvado da infância.

Aura, essa bola de cristal que ainda nem é esfera e que já se sonha cristalina.