sexta-feira, 7 de novembro de 2003

Tópicos e correntes

Afirma hoje o Contra a Corrente que gosta de discutir com uma "esquerda que sabe ouvir com cabeça limpa opiniões antagónicas, que sabe pensar sem o peso da tralha ideológica, que sabe respeitar o próximo, que é tolerante. Uma esquerda com a qual gosto de trocar ideias, argumentos, discutir, e porque não, de vez em quando, concordar. É essa a esquerda que encontro no Memória Inventada, n' A Praia, no Blog de Esquerda, no Miniscente, no Ford Mustang, entre tantos outros."
O texto merece-me alguns comentários:
A)Numa sociedade que passou a ser policentrada, globalizada e sem perímetros para aquilo que já foram as suas formações clássicas (modernas), hoje cada vez mais interpenetradas de modo múltiplo e capilar, é evidente que "as opiniões antagónicas" só podem ocorrer circunstancialmente e sem serem sequer regidas por referências mais ou menos pesadas (de esquerda ou de direita).
B)O ideológico foi um "grande código" (N. Frye) totalizante e programático, hoje transformado em coisa documental e datada, que alimentou e foi fonte do agir de universos diferenciados e, aí­ sim, antagónicos (de esquerda ou de direita). Convocá-lo, hoje em dia, é como integrar Aljubarrota na discussão sobre as relacões entre a Índia e o Paquistão.
C)Ser livre e viver para a liberdade como facto número um da vitalidade democrática é, como uma espécie de resí­duo da coisa pública, a minha última crença. Isto significa que creio ainda numa utopia que, por paradoxo, apenas se pode pragmaticamente cumprir no presente, abandonada que está a mordaça para-científica da estriagem manipulada do passado e do futuro.
D) Não consigo dissociar a liberdade, elle même, do mais genuíno poder da iniciativa individual e, por outro lado, do respeito que a sociedade, no seu todo, deverá aos que menos a têm. Daí­ que a solidariedade é uma inevitável dádiva política que, numa proporção justa, deverá ser cumprida. Sem demagogias e sem paternalismos. Tendo apenas em conta o mí­nimo equilí­brio.
E) As culturas estão celeremente a passar do territorial ao não territorial. As comunidades que sempre discutimos como órgãos mais ou menos fechados (e que foram os laboratórios do estudo das ciências humanas e políticas) estão a cruzar-se em todo o planeta. A democracia é uma invenção da história do Ocidente e, no contexto da grande omniurbe para que caminhamos, torna-se decisivo preservá-la a todos os ní­veis, sob pena de perdermos a própria liberdade com que, neste preciso momento, estamos a reflectir.