sexta-feira, 10 de outubro de 2003

Da literatura à literatura

A era da reprodutibilidade que Benjamin evocou e caracterizou há muito que deixou de encontrar na realidade uma ancoragem sólida. Hoje em dia, a experiência do sujeito face ao mundo já não depende apenas da reprodutibilidade versus perda de autenticidade. Em vez de autenticidade, o mundo está celeremente a desdobrar-se em “hiper-realidade” (Baudrillard), ou em “hiperespaço” (Jameson), o que quer dizer que a figura da reprodução se está a transformar sobretudo numa experiência radical de um novo tipo de sujeito que se globalizou e que se está a virtualizar. Esta mudança dramática a que tranquilamente assistimos na contemporaneidade está a pôr em causa os fundamentos do próprio sistema de pensamento que instituiu o “intertexto”, o “dialogismo” ou a “paródia”. Por outro lado, a literatura que se criou, refinou e desenvolveu em concomitância com a crítica dialógica do séc. XX já não encontra, hoje em dia, o terreno hermenêutico e a fertilidade criativa do período que a viu crescer e amadurecer. O sujeito que intervinha nessa literatura, mesmo no seu rasgo anti-heróico mais radical, desconstrutor e fragmentário, já em nada se parece com esse espectro que se avizinha e que se vai incorporando cada vez mais no nosso imaginário colectivo, isto é, o sujeito global e potencialmente virtual.
Abre los ojos.