sábado, 13 de setembro de 2003

Há cem anos.

Há cem anos, já com uns quatro de tarimba a mexer e a truncar imagens, o talvez primeiro cineasta do mundo, George Méliès, ensaiava ainda a passagem do ilusionismo ao cinema. Filmava através de aquários, propunha velhos truques prestidigitadores projectados e, no seu teatro de Montreuil, recorria a alçapões, pontes e cabos para fazer voar fadas, deusas e austronautas a caminho da lua. O espaço de Méliès era uma roda viva de planetas e estrelas de onde sorriam meninas encantadas em direcção ao rosto escafandrista dos então austronautas. As imagens criavam a feliz euforia da metamorfose do homem, mas ainda não a ansiedade ou a angústia de um domínio quase total, iminente e virtual. Há cem anos, transmitia-se apenas em directo a voz, ou melhor, o silêncio do mundo a partir de onde ela se propaga. Hoje em dia, por trás de tanto directo, fica-nos a esperança das euforias, a ansiedade (ou a máscara de salvação) criada pelo instantanismo e ainda a posteridade como momento esgotado.