quinta-feira, 28 de agosto de 2003

Aforismos servidos noite



Escrever um romance é permanecer no seio de homologias resguardadas pela interpretação contingente e nunca definitiva. Sem abismo não há romance. Com programa, há livro, há história, há verosímil fabricado, mas não romance. Um romance implica um salto. Um romance implica sempre inventar e predizer a literatura, assim como metaforizar e retrodizer a vida.



Tocar com o polegar no céu. Andar lentamente pelo abismo, mergulhar aos antípodas imprevistos da água. Da água da vida, sobretudo. Voltar a pensar, no momento em que pensar já não é um acto que se pense. Caminhar, então, pelo bosque mais silvestre da imaginação. Encontrar aí a luz que pareceria insondável, esquecida, ou mesmo impenetrável. Tocar em todos as árvores já libertas de fruto e podadas por mão antiga. Andar lentamente ao longo da preguiça desejada. Esquecer o trabalho, a inércia, a vista aérea do planeta já desafogado de vida e de nós mesmos. Encher os pulmões, entrar na água da vida, baptizarmo-nos com o corpo todo. Voltar a pensar nesse dia em que nos desvendaremos. Hoje, talvez.