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sexta-feira, 28 de julho de 2006

Descanso do guerreiro (act.)

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Férias à porta. O blogue continuará activo, mas lacónico, espaçado e sobretudo despreocupado. Levo comigo umas duas mil páginas para ler (já agora: A Possibilidade de uma ilha de Michel Houellebecq, À Primeira vista de Nicholas Sparks, Shallimar o palhaço de Salman Rushdie e O Pequeno amigo de Donna Tartt). Só ficção. À porta da livraria, vi um rosto que devo ter conhecido noutra vida: às vezes, há hiatos que evidenciam a alma (e eu que não sou nada de fantasmas…). Deixo as metaescritas, deixo as análises do mundo, deixo quase tudo para trás. Levo também um bloco-notas vazio e esqueço-me em casa do portátil. Espero entrar, de vez em quando, num cibercafé para pregar partidas e regressarei à base, intermitentemente, uma e outra vez. A rota vai ser inesperada, imprevisível, por definir. Até já.
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Próximas crónicas "Blogues e Meteoros" (no Expresso on-line): de 14/8 a 16/8 e de 30/8 a 1/9 com destaque na homepage e, a qualquer altura, no link "opinião". Atenção, pois irei aconselhar como leitura de praia cerca de trinta blogues nessas próximas duas crónicas.

O clero, o povo e a nobreza

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Maria João Pires foi-se embora de Portugal, porque não gosta de certos malefícios lusos e do impacto de Morangos com açúcar. Na sua nova terra, na Bahia, uma coisa é certa: ali nunca houve, nem há qualquer vestígio de telenovela.

A indignação de seda pura


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Monitorizado e fiel a um conjunto bastante estável de “personalidades”, tem persistido ao longo do tempo em Portugal um micro-espaço público que os próprios dizem ser votado à indignação. Já lá vai o tempo em que a causa foi particularmente sensível ao defunto Conselho Mundial (e brejneviano) para a Paz e para a Cooperação. Seguindo as névoas da história, os alvos seguintes passaram a identificar-se mais com a “cultura” e não tiveram em boa conta, nem certos escritos de Maria Filomena Mónica, nem, claro está, os excessos dos “americanos” após o 09/11. É evidente que a guerra sempre inundou a noblesse desta lustrosa indignação. Bastante menos em certos casos, como aconteceu com a Chechénia, com o Congo, com os Balcãs ou com Darfur (há dias de menor atenção!), mas muito (com lágrimas e faixas brancas de linho) no compreensível caso da Indonésia vs. Timor e, sobretudo, no magno e antigo troféu de estimação: Israel. Há dias, cerca de sessenta personalidades lá subscreveram o esperado abaixo-assinado. Em nome da paz, é evidente. É como sorvete em tempo de Verão. Tal como nas perfumadas prosas de Chomsky, sabe bem e oculta desígnios mais finos e delicados. Este micro-espaço público, bem estudadinho, até dava um óptimo romance. Talvez vivido em ambiente de policial ali pelas vielas que ligam o S. Carlos e o S. Luís ao Chiado. O que a liberdade dá a ver!

O mito de Katsouranis

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Para um bom benfiquista como eu, aquele golão do grego Katsouranis salvou-me o dia (e o jogo). Coisa mitológica, não achas Carla?

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Um artigo do escritor Amos Oz

LA Times
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No passado, o movimento israelita pela paz tem criticado inúmeras vezes as operações militares de Israel. Desta vez não. Desta vez não se trata de expansão ou colonização israelitas. Não há território libanês ocupado por Israel. Não há disputas territoriais de qualquer dos lados.O Hezbollah lançou um ataque, malicioso e não provocado, em território Israelita. Foi também um ataque à autoridade e integridade do governo libanês eleito porque, ao atacar Israel, o Hezbollah sequestrou a prerrogativa do governo libanês de controlar o seu território e de tomar decisões de guerra e paz.O movimento israelita pela paz opõe-se à ocupação e colonização da Cisjordânia. Opôs-se à invasão israelita do Líbano em 1982 porque ela se destinou a distrair o mundo do problema palestiniano. Desta vez, Israel não está a invadir o Líbano. Está a defender-se de tormentos e bombardeamentos diários a dezenas das nossas cidades e vilas, tentando esmagar o Hezbollah onde quer que ele se esconda.O movimento israelita pela paz deve apoiar a tentativa de autodefesa de Israel, pura e simplesmente, enquanto o alvo desta operação for o Hezbollah e ela poupar, o quanto for possível, a vida de civis libaneses (o que não é uma tarefa fácil, porque os lança mísseis do Hezbollah usam muitas vezes os civis como escudos de protecção).Não pode haver uma equivalência moral entre o Hezbollah e Israel. Os alvos do Hezbollah são civis israelitas, onde quer que eles se encontrem, enquanto o alvo de Israel é o Hezbollah. Os mísseis do Hezbollah são fornecidos pelo Irão e pela Síria, inimigos jurados de todas as iniciativas de paz para o Médio Oriente.A verdadeira batalha devastadora destes dias não é entre Beirute e Haifa, mas entre uma coligação de países que procuram a paz – Israel, Líbano, Egipto, Jordânia e até a Arábia Saudita – e um islamismo fanático alimentado pelo Irão e pela Síria.Se, como todos nós esperamos – “falcões” e “pombas” israelitas da mesma forma – o Hezbollah for derrotado em breve, Israel e o Líbano serão os vencedores. Além do mais, a derrota de uma organização fundamentalista islâmica apostada no terror pode aumentar grandemente as possibilidades de paz para a região.
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Tradução de Nuno Guerreiro.

Uma guerra em tempo real?

LA Times
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Ontem, o José Pimentel Teixeira do saudoso Ma-Schamba fazia eco, em comentário aqui no Miniscente, que tinha crescido entre “a venda do Moshe Dayan (lendária, pelo menos a venda, talvez a personagem) e o lenço do Arafat (menos lendário o adereço)”. Escrevia depois, com a sua habitual graciosidade estilística, que se lembrava “do telejornal (ainda do globo a circular no genérico a preto-e-branco)” que via em casa do seu avô paterno. Por ter nascido em 1954, acompanho em pleno o fio desse cronograma algo nostálgico: Nasser, Golda Mair, as gordas do Século e do Diário de Notícias (ninguém pronunciava “DN”), os “locutores” que, na televisão e na “telefonia”, respiravam as palavras uma a uma, os heroísmos, a saga da Guerra Fria e a ordem dicotómica do mundo (apenas no backstage). Entre a magnitude da emissão e a apertada normalização do auditório havia uma distância imensa, a maior parte das vezes povoada pela imaginação, pela dúvida pouco metódica, pelo solilóquio anónimo, pelo folclore, pelas “Melodias de sempre”, pela deriva passiva e, em alguns meios restritos (fica mal dizer isto em certos sectores), pelo agir político - e pelo rock. Não é inteiramente verdade que esta minha geração (existirá tal coisa?) tenha sido apenas - e redutoramente - uma escrava do salazarismo, do marxismo e da posterior ditatura do entertainment. Muita ‘terra de ninguém’ foi, pelo meio, fazendo o sentido que as coisas hoje têm, de tal modo que, vistos retrospectivamente, a revolução, o marcelismo, o salazarismo, os eighties e o high-tech contemporâneo constituem, nos nossos dias, territórios cumulativos que se equivalem e que acbam por perspectivar, de modo (aparentemente) pouco abismado, o presente.
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No entanto, na última década fez-se sentir uma diferença fundamental: a interacção. Não apenas a emissão perdeu a sua magnitude e se pluralizou, como os auditórios se aproximaram e, por vezes, passaram a coincidir com a própria emissão (quando aqui escrevi, entre Abril e Junho, “O Tom dos Blogues”, referi-me com assiduidade a este aspecto nevrálgico). Os blogues são interfaces que estão na linha da frente da nova interactividade global, de tal modo que há já quem diga que a guerra em curso no Médio-Oriente é “The most blogged war”. Vale a pena dar uma volta pelos blogues portugueses, que se mantêm particularmente activos neste momento, para verificar esta realidade e esta tendência. Não é a discussão que ‘resolve’ a guerra e nos devolverá a paz, embora, tal como outras linguagens noutros conflitos e épocas acabaram por ter influência no decorrer dos acontecimentos (Vietname, por exemplo), também o ‘agora-aqui’ que os blogues veiculam - instante a instante – possa vir a ter impactos hoje ainda pouco antecipáveis. Seja como for, a interactividade, a disputa de argumentos, a discussão aberta e livre mesmo em condições difíceis (no teatro da guerra) são instrumentos de uma novo tipo de democracia que está a germinar no mundo. Já lá vai o tempo dos heróis e das causas que quebravam estriadamente a sociedade em dois rostos petrificados. Os novos maniqueísmos tendem já a conter em si sementes de dúvida, de pluralidade e de inquietação (com excepção, talvez, para os fanatismos religiosos). No velho noticiário que dava a ver “o globo a circular no genérico a preto-e-branco” estavam ainda à mostra as raízes de uma sociedade que sonhava e falava através da espessura das tradições orais. A guerra, nesse tempo, era ainda um diferido distante que ancorava nas lendas e narrativas. A guerra hoje passou a ser um vórtice, ou uma estesia tecnológica, que está dentro da nossa casa (e que está dentro do frémito compulsivo do nosso corpo).

“Como Tito na Jugoslávia”

Kiryat Shmona (Israel), LA Times
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(Texto da autoria de Carmo da Rosa sobre a actualidade do Médio-Oriente. Expedido de Amesterdão)
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A existência de Israel é tão importante para os países do Médio-Oriente como o petróleo para os americanos.
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Por outras palavras, Israel está para o Médio Oriente, assim como Tito para a Jugoslávia. Sem Israel, então é que estaria o caldo entornado. Seria o pandemónio total entre sunitas e chiitas, entre sunitas moderados e wahabitas, entre alavitas e chiitas da linha khomeinista, salafistas e tablequistas, entre o Hamas e o Fatah.
O que faz com que haja uma ‘união’ (periclitante, muito temporária e constantemente ameaçada) entre todas estas franjas, é a existência de ‘Eretz Israel’, o inimigo comum. E em torno deste tema afirma Dirk Vlasboom que, apesar de ser communis opinio que os políticos árabes elevaram a manipulação da religião até ao último requinte, a verdade é que a religião não é no Médio Oriente propriamente o motivo, mas antes um meio de mobilização muito eficaz.
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Efraim Karsh remete para ‘o mundo das fábulas a popular opinião de que a crise no Médio-Oriente é apenas uma reacção à política do Ocidente.’ E lembra que enquanto ‘Jesus falava no Reino dos Céus, Maomé servia-se do nome de Deus para criar um Reino Terrestre.’ E que nas décadas posteriores a 1948 ‘os países árabes manipularam a questão palestina para os seus próprios objectivos. Nem o Egipto, nem a Jordânia concederam autonomia aos palestinos nos territórios da Palestina que ocuparam na altura, respectivamente a Cisjordânia e a faixa de Gaza. Os palestinos foram guardados durante anos em campos de refugiados miseráveis apenas para que a situação pudesse ser atirada à cara de Israel e, naturalmente, para alimentar o panarabismo.’
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Nasser, o presidente do Egipto, ‘foi em 1956 franco demais para um jornalista ocidental: “Os palestinos são necessários para os estados árabes”; “temos que fazer com que eles nunca se tornem muito poderosos”. Ainda em 1974 dizia o presidente da Síria Hafez el Assad que os palestinos não somente fazem parte da pátria árabe, mas incontestavelmente do sul da Síria. E até à sua morte, em 2000, nada indica que tivesse mudado de opinião. É lamentável que a esquerda pro-palestina não queira ver esta realidade

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Tragédias de uma guerra intemporal (act.)


A (ex)posição de Israel no Médio Oriente
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Entre 2004 e a Primavera passada, várias vezes reatei o tema do 500º centenário do “Progrom” de Lisboa (o grande massacre de 1506 contra a comunidade judaica). Nunca fiz um balanço de toda essa intervenção, nem farei, pois há desígnios que não cabem nesse tipo de epílogos. Mas é curioso como o tema foi sempre um tema difícil, profundamente incómodo, em certos meios exótico e desnecessário, noutros ainda motivo para três linhas de breve e fugidia memória.
Como se Portugal não fosse parte da carne dessa diáspora que, ao mesmo tempo, partiu e por cá se disseminou com outros nomes e ecos. Há regimes que quiseram à força apagar partes da sua história e conseguiram-no. Aliás, toda a história moderna é, passe a cientificidade da causa, uma calculada sintaxe de factos que cada presente posiciona de acordo com perspectivas geralmente pouco inocentes (lembro-me da imagem de Portugal com que fui educado desde tenra idade). Os casos mais extremos dessa instrumentalização de eventos parecem sempre pertencer aos outros (a outros regimes, a outras eras, a outros países, etc.) e não a nós (imaginariamente sempre centrados sobre a nossa férrea identidade). O curioso é que, no caso do “Progrom” e da sedimentação da cultura judaica no magma português, a matéria do tabu se tornou intemporal e quase se transformou, até aos dias de hoje, num mito invisível e intocável.
Se o caso dos “mouros ocupantes” foi sendo deslindado na Academia, nas últimas duas décadas (hoje entende-se melhor o significado do Califado Omáiada ibérico nas relações entre ocidente e oriente e superou-se, de algum modo, a ideia romântica da ocupação vs. reconquista cristã), já o caso judaico se foi impondo persistentemente através de uma indiferença e de um silenciamento que, em meu entender, denotam sinais evidentes de intolerância. Existe uma clara má fé (não pronunciada, não dita, não discutida) na relação entre a auto-imagem dos portugueses e aquilo que é a sua especularidade história. Como se essa relação apenas se mantivesse sã, se depurada de alguns dos seus episódios. O pior é que, quando tais episódios são parte do próprio corpo – de uma matéria que é íntegra à cultura e à memória colectivas -, o vestígio manter-se-á vivo faça-se-lhe o que se fizer: nada o poderá eliminar. O nosso lado judaico – todos somos, de alguma maneira também, judeus (queiramo-lo ou não) – é essa parte de um corpo que a má consciência lusitana tende a remover e a elidir há séculos, de tal modo que o gesto que procede a esta insistente remoção já se tornou num gesto quase imperceptível e até involuntário.
Quando vivi na Holanda (durante uma década) e quando estive em Israel, lembro-me do modo como os judeus encaravam Portugal: uma espécie de nostalgia comovente a que faltava a carne do objecto de amor. Uma memória feita de uma experiência de séculos a que se juntavam amiúde evocações surpreendentes, sintomas de uma convivialidade perdida, indícios de uma saudade ainda pouco partilhada e até algumas marcas da língua. Este outro lado do mesmo fenómeno – um desencontro histórico que apenas uma tragédia sem explicação pode explicar – é tão revelador da intensidade da ligação entre o judaísmo e Portugal quanto o é o violento propósito de apagar e diluir parte de nós próprios.
Um estranhíssimo – e, repito, muitas vezes involuntário – incómodo persegue a conduta com que o nosso país se digladia com o seu passado de influência e ainda não de periferia. A questão judaica vive e respira precisamente aí, no coração dessa ferida: é no momento em que os judeus são ameaçados, perseguidos e expulsos que o corpo português também começa a fenecer. Uma tragédia arrastou a outra, ou foi, pelo menos, dela o sinal maior e mais gritante. Os frequentadores da sinagoga de Amesterdão, os Coutinhos, os comerciantes de Antuérpia e os fundadores de Nova Iorque sabem que assim foi. Um corpo fragmentado é sempre um corpo trágico. Do lado de cá, em Portugal, apagou-se essa imagem a pouco e pouco; do lado de lá, no mundo judaico, foi-se antes vivendo o fruto da nostalgia embora sem qualquer âncora.
Nos últimos 48 anos, sempre que Israel precisou de recorrer à guerra (desde o ‘Dia Um’ da sua independência), e apesar de todos os excessos e erros que são próprios da sobrevivência, nunca houve em Portugal um entendimento cabal e minimamente racional do facto (refiro-me ao “mainstream”). Israel foi quase sempre mal visto, foi quase sempre analisado como a parte a diabolizar, foi quase sempre percebido como a parte que constituía o problema. Afinal, já o constituía há muito, como vimos. O fenómeno, aliás, atravessa a direita e, mais recentemente com uma rara acuidade, a esquerda. Até quando?
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p.s. - Na casa dos afectos à esquerda, o Bruno Sena Martins é um caso de elevação, de raciocínio rico e de real capacidade de relativação de dados. Quando a "interpretose" se sobrepõe à "interpretação" (a guerra de Sontag), nem sempre é fácil esta atitude cuidada. Tenho acompanhado, naturalmente, os seus textos (de referir especialmente este) e as polémicas em curso no Avatares (com muitos vasos comunicantes com as que se têm revelado aqui no Miniscente). Gostava de saber o que ele pensa desta radiografia à nossa carne (quer quanto à intensidade histórica - tímica e fórica -, quer quanto às "derivas rizomáticas" da identidade). Abraço.
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p.s. - E eis como as polémicas no Miniscente se tornam em base de uma "síntese" de cariz "astrológico " (ver análise em Postais de Novalis).

terça-feira, 25 de julho de 2006

Os "raides" do caso Abrupto

Tenho aconselhado alguma razoabilidade no caso Abrupto. Ou seja, tenho-me manifestado contra o “desproporcionado” sentido de negatividade que o caso fez – e faz - despertar face ao Blogue de JPP (nuns casos, devido a uma alegada indignação excessiva do próprio; noutros casos - bem mais abundantes - devido à habitual projeccção mediana da invídia).
No entanto, o final de um
post como o que se segue apenas fará crescer (e “atiçar”, para sublinhar o “devir-animal” de Shaw) a “mediocridade da lama” (concordo). Eu sei que quem se sente é filho de boa gente, mas o boomerang, esse, também faz sempre das suas.
E é assim que a razoabilidade acaba por perder força, função e eficácia:
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Basta ler alguns blogues, entre a pura má fé, até ao enorme contentamento e festejos pela "morte" anunciada. Não terão muita sorte, mas é uma atitude reveladora do incómodo que a mera existência de um blogue como o Abrupto traz à mediocridade invejosa. O mundo para eles seria muito mais aceitável se tudo fosse medíocre, igual na lama. Compreendo bem, mas sigo a regra de George Bernard Shaw: "Never wrestle with a pig. You get dirty and besides the pig likes it".

Leituras sobre a guerra (act.)

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Sobre a relação - nem sempre linear - entre o Irão e o Hezbollah, ler este artigo de Azadeh Moaveni (na Time).
Sobre o preço a pagar por esta guerra - e as suas tão faladas proporções -, ler este artigo de Anshel Pfeffer (no The Jerusalem Post).
Independentemente dos juízos, o mundo nunca é a preto e branco. Em tempo de guerra, é difícil partir diariamente desse ponto de vista (às 16h.05, a SIC Notícias descrevia, na guerra, “o lado judaico e o lado árabe”. Este tipo de reducionismo tem acompanhado sistematicamente um outro: a separação clara, em ambos os campos, dos militares e civis no número de feridos e de vítimas).
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Recuperando vozes dos últimos comentários (post de baixo):
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"Quem é que não quer um cessar-fogo? Quem é que não quer a paz, entre os falantes? Há um mainstream que imputa a responsabilidade do que se passa (e tem passado) na região a Israel (na prática o mal é Israel). Há gente que acha que não, que não vê bons e maus simplesmente - daí a sanguinários israelitas nem um passo vai. Eu, francamente, muito me angustia esta forma de pensar." (José Pimentel Teixeira)
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"Já leram a discussão entre o (ex)ministro israelita Shlomo Ben Ami e o professor Norman Finkelstein? Vá lá, façam esse esforço. Olhem que vale a pena...Podem encontrá-la (aqui)". (Rui Mota)
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"Outro dia um judeu perguntou a um amigo comum de Utreque: "Que aconteceria se Portugal permitisse que a ETA atacasse a Espanha com mísseis e bombas a partir do território português?"
Morro de curiosidade pelas respostas." (Carmo da Rosa)
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"Uma sugestão (caso não tenham ainda visto): um debate entre "Fmr. Israeli Foreign Minister Shlomo Ben Ami Debates Outspoken Professor Norman Finkelstein on Israel, the Palestinians, and the Peace Process" (aqui)" (MP-S)
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p.s.- 1 - Toda a razão do mundo, Henrique!
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p.s.- 2 - "Em Portugal, como provavelmente noutros sítios, o ódio a Israel tem muitas causas. O ódio ao povo perde-se na noite dos tempos. O ódio ao Estado começou há 60 anos. Há nisto muito de ignorância e futilidade. Mas nem toda a gente é ignorante ou anti-semita. Argumentar com a soi disant “desproporcionalidade” não deixa de ser uma infantilidade. Insistir nessa tecla é uma forma naïf de dizer o indizível. Podiam assumir de uma vez por todas o anti-semitismo larvar." (Eduardo Pitta).
Amanhã, tentarei aprofundar este tema essencial.
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segunda-feira, 24 de julho de 2006

Retórica com cauda de fora

para aprofundar a tese há sempre soluções
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É já fim de manhã quando, de repente, descubro os braços da ameixoeira a instigar a brancura do muro. Pura desproporção.
Há dois anos, a propósito do genocídio de Darfur, onde estava a acutilância feérica dos que hoje quase silenciam o Hezbollah e diabolizam o que designam por "desproporção"?
Há olhares que se moldam ao seu objecto. A minha ameixoeira sabe-o bem. A má-fé e a hipocrisia de muitos outros também.

domingo, 23 de julho de 2006

Melancolias recentes (act.)

Man Ray
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a) Os males de uma geração resumem-se, mais tarde ou mais cedo, a tudo. E porquê? Porque a própria ideia de geração é frágil e corresponde a um êxtase que havia de cortar inelutavelmente o tempo (e o vivido) em dois: um antes e um depois. Tal nunca acontece, daí a hemorragia, a dor e a estranha inquietação do olhar ao espelho. Pas grave.
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b) Uma pessoa detecta factos, ausculta tendências e coloca algumas dúvidas. Há realidades anteriores à experiência que têm o peso da sobrevivência, eu sei. Há matérias que são tabu, eu sei. Mas a violência reactiva e jocosa pode entrar na arena e comer essa pessoa. Sem mais. Na guerra deixa de haver interpretação, eu sei. Quem o disse sabia bastante de fotografia, eu sei. Durante a guerra, saímos da interpretação e entramos na interpretose. Só depois da guerra é que os nomes voltam a ocupar o vazio deixado por essa pessoa. E quem a deglutiu, por suave necrofagia, tomar-lhe-á o espírito e compreenderá algumas das dúvidas. Uma pessoa nasce e morre muitas vezes durante a vida.
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c) O que se diz, quando se diz “desproporcionado”? Diz-se que não se há-de dizer. Eu, por exemplo, creio que a palavra teria preenchido melhor alguns olhares que ficam exaustos sempre que se fala do 09/11.

sábado, 22 de julho de 2006

Cadernos da guerra (act.)

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("The biggest mystery of this conflict so far is the reaction of the Arab street ... the Arab leaders. The silence resounding around the Middle East is deafening. For the first time, there is no phalanx of Arab leaders lined up to condemn Israel" - Anderson Cooper Blog)
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Ontem. O telejornal abre com a voz ofegante do jornalista que avança pelo terreno entre escombros. A câmara é móvel, a imagem flutuante e a voz cheia de perigos. Quando a notícia é a notícia do jornalista que acabou de chegar e o telejornal reata o que a Sky e a CNN repetiram a tarde toda. Quando. "Isso ontem único", como escreveu António Maria Lisboa.
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Não deve haver ninguém que deseje a guerra pela guerra, mas isso não pode impedir a análise fria dos factos. A guerra pode ser sempre mais cirúrgica e protética, é verdade (esse foi um dos temas da guerra do Iraque, há três anos: mas existirão mesmo 'guerras à Suíça'?). Uma guerra limpa seria sempre tão utópica quanto uma 'não-guerra' (não confundir com ”guerra santa”), embora não deixe de ser curioso que, a par da guerra tecnológica sempre tão visada e denunciada, quase ninguém refira a miserável 'guerra de escudos' que usa habitações e hospitais como locais de arremesso (há sempre, nesses casos, uma ”compreensão” muito europeia, ou mesmo de cariz ”anti-animalesco”, para utilizar a expressão de
Ana Gomes).
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Ao lado de correntes acríticas (espalhadas pelo espectro político, se é que esse arco-íris ainda tem sentido), a larga maior parte da esquerda doméstica (PC, BE, PS da Causa Nossa, etc.) parece influenciada por um mal disfarçado anti-semitismo que sempre foi apanágio das direitas radicais. Uma fatia substancial dos analistas prefere, por sua vez, um conjunto partilhado e estável de denominadores comuns (os chamados 'horrores pré-estabelecidos') que diaboliza, à partida, uma das partes do conflito. Estamos diante de uma unilateralidade que se vai tornando congénita, repetitiva e que constrói consensos fáceis. O terrorismo não tem que temer tudo e todos por igual, já se sabe. A Europa acaba por fazer eco - e de que maneira - desta cadeia de indiferenças e de facilitismos: sem qualquer influência no teatro da guerra, envia como representante o senhor Solana que monologa a sós entre paredes e sem destinatários. É uma diplomacia tão risível e triste quanto o são os consensos imediatos do primeiro grau que vão fazendo a vaga do actual maintsream. Ambos falam de si e para si. Ambos se acomodaram discursivamente à retaguarda do mundo. Onde dantes havia metafísica – bastidores versus palco –, há agora hipocrisia e correcção: realidade versus acomodação.
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Às vezes, muitas vezes, o 11 de Setembro continua a ser rotundamente esquecido.
A verdade é que o panorama mudou, a armadura dos factos transformou-se e os centros de irradiação de conflitos problematizaram-se. Nada é já como dantes: a dispersão de conflitos (Afeganistão e Iraque) veio alterar o carácter pró-activo dos aliados tradicionais de Israel; as práticas suicidárias tornaram-se normais nos últimos cinco anos entre os radicais palestinos (e massificaram-se); e a emergência do arco Irão-Síria-Hezbollah-Hamas veio intencionalmente desestruturar os panos de paz da região, preenchendo vazios, isolando moderados e transpondo para o devir eleitoral do Hamas o não reconhecimento de Israel (e até o espectro do seu aniquilamento).
Neste contexto complexo, o último Sharon chegou a quebrar o formato do quadro político israelita de décadas e iniciou em Gaza (há quase um ano) um processo que visava a paz. São factos que, quer se queira quer não, acabam por provar alguma boa-fé de Israel (sem contrapartida na súbita ausência dos seus interlocutores locais). A provocação calculada que acabou por gerar a presente guerra – não sejamos, portanto, inocentes - surge nesta esquadria de dispersão externa, de radicalização interna e de afirmação (quase trans-regional) do arco estratégico iraniano.
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sexta-feira, 21 de julho de 2006

Uma questão de tomates

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As imagens suscitam o acontecimento. A intrusão faz parte do mundo que faz a imagem. Tudo nela entra até àquele momento. Há um instante em que a adequação se desfaz e em que a expectativa como que é defraudada (a metáfora do ”murro no estômago” sempre traduziu esse facto). Não fosse a calculada provocação do Hezbollah-Irão junto às fronteiras de Israel e este acontecimento estaria ainda a dominar a história do verão. O terrorismo passou a viver da televisão, da propagação, da contaminação, ou seja, da mais profunda inversão. Já lá vai o tempo da guerra de 1967 que vinha no Século do dia seguinte (que chegava a casa à hora do almoço) e onde eram visíveis os campos que se digladiavam: estados, caras, blocos, causas. Zidane não existia ainda nessa altura e tudo estava por acontecer. Ficou agora perante tudo e todos como o mau da fita, mas o rosário está ainda por provar. O ser humano traz consigo uma nuvem de sobrevivência. Nem sempre é bonita, nem sempre a apreciamos em nós. E somo-la secretamente com o mesmo afinco com que a detestamos. É por isso que, nas imagens, uma bomba ou uma cabeçada é sempre uma coisa do diabo, do outro. Que interessa que o dito se defenda, ou que o mal lhe ”esteja já no sangue” (os ditames populares tradicionais são amiúde tão cruéis quanto realmente ilusórios). Olhamos as imagens e o que soa a falso é sempre maior do que nós: o abismo perfilha o coração que move a imagem. O ”mainstream” acaba por resolver o assunto, coordenando uma resposta, serenando a turbulência e repondo a tanquilidade (há muitas pombinhas subitamente impressionadas com aquilo que sempre foi o cenário da guerra). Quem não o aceita deixa a correcção a navegar entre imagens e tenta acomodar o incómodo no espaço da dúvida. Estrada sem fim. Estrada sem explicações arrumadas. Uma questão de tom. E de tomates.

Uma memória de Haifa (act.)

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Estive em Haifa há duas décadas e lembro-me que a cidade foi construída para ser observada de cima. Melhor: para que a vista se alcandorasse diante do mar mitológico e azul que a envolve. Dormi em casa de amigos que não temiam a guerra permanente que se iniciara no dia da fundação do novo país, há quase sessenta anos. Lembro-me de uma rua inclinada onde havia galinhas brancas, lembro-me de um pão circular e entrançado, lembro-me de uma águia esculpida num jardim suspenso, lembro-me do ascensor avermelhado, lembro-me afinal de sonhar e visitar o monte que me dá o nome e que significa ”Videiras de Deus” (Carmelo).
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p.s. - "On the way down we heard a large boom, my neighbor phoned his daughter across town as soon as the radio announced that Haifa was hit. Up until now he seemed to me the calmest person down there, but his expression changed. "It hit near you? The windows exploded?" His arm unknowingly touches the wall to support himself, "don't cry, don't cry.. Are you ok?". He hangs up and with resolve says that he's going down there, no tears but he's already changed. With shaking fingers he calls somebody else about the car." (do blogue Live from an Israeli Bunker)
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p.s. - Vale a pena ler e ver este hino ao "(...) range of fire of the fighters and lion cubs of Hizbullah" em empolgado discurso de Gholam-Ali Haddad 'Adel no parlamento iraniano.
Haverá ainda ilusões de que o objectivo do terrorismo é claramente aniquilar (neste caso Israel) e impedir qualquer solução pacífica para a região (a Liga Árabe sabe muito bem o que significa a influência directa do Irão nos Hezbollahs que iniciaram planificadamente esta guerra)?
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p.s. - Ler este excelente post no Kontratempos.

Custa muito alimentar o bom senso? (act.)

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O caso da reduplicação do Abrupto tem merecido reacções e até polémicas desnecessárias e inesperadas. É verdade e razoável o que o Contrafactos & Argumentos refere, embora o fundo da questão seja, em meu entender, o que leva pessoas a apropriarem-se indevidamente daquilo que não é delas. Puro divertimento, ou algo mais? Eu creio, seguramente, que é algo mais. Bastante, ou mesmo muitíssimo mais. Não entendo, com sinceridade, tanta indignação face ao legítimo alarme de José Pacheco Pereira, independentemente das incorrecções (sobretudo de cariz tecnológico) de quem é atingido e também de quem comenta ou noticia (nos próprios média tradicionais). Argumentar com uma índole especificamente técnica (espelhando, aliás, um saber legítimo que se saúda) e quase silenciar, ao mesmo tempo, o significado real do que está aqui em causa – voluntária ou involuntariamente, uma forma de terrorismo – não é lá de muito bom senso. Será o Abrupto um alvo tão desejado apenas por ser um dos blogues mais visitados da blogosfera? Não sou advogado de ninguém, podem crer; mas há momentos em que a mais essencial das objectividades requer que ponhamos os pés em terra. Custará assim tanto?
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p.s. - Eis aqui mais um (suave?) enigma a somar a este caso.

Bloguear de modo clássico

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Nas últimas páginas do London Review of Books que me chegou ontem pelo correio (de 20/07/06), surge o diário de John Lanchester. No dia 1 deste mês, escrevia o autor, decerto imbuído pela literariedade estival do universo: ”I don´t thing I´ve ever seen a keeper move the right way on five consecutive penalties”.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Quotidianos - 20

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Canta agora no meu pátio um daqueles ralos que dominam Atenas. À volta do arquipélago de folhagens, sobrará o silêncio. Nada mais. É tempo para beber uma cerveja preta e olhar a penumbra, essa mancha de jarros, heras, troncos imersos na relva e ainda o focinho do meu cão Ulisses a deambular em fantasias (teve hoje um osso para compensar a perda de cálcio).

Estranhamente (act.)

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É verdade: durante toda a intervenção de koffi Annan, secretário-geral da ONU, realizada há minutos no Conselho de Segurança, não foram pronunciadas uma única vez as palavras: "terror" (ou terrorismo), "Síria" e "Irão".
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p.s. - "In a stunning development, the 22-member Arab League criticized Hezbollah for provoking the current crisis. It is unprecedented for the Arab League to criticize any Arab party while it is actively engaged in hostilities with Israel. But the Arab states know that Hezbollah, a Shiite militia in the service of Persian Iran, is a threat not just to Lebanon but to them as well. Egypt, Saudi Arabia and Jordan have openly criticized Hezbollah for starting a war on what is essentially Iran's timetable (to distract attention from Iran's pending referral to the Security Council for sanctions over its nuclear program). They are far more worried about Iran and its proxies than about Israel. They are therefore eager to see Hezbollah disarmed and defanged." (Charles krauthammer)
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p.s. - "Face à premência da situação Israelo-Libanesa não seria suposto a RTP fornecer algum tipo de reflexão mais aturada, um debate, um documentário de enquadramento histórico? No fundo qualquer coisa que acrescentasse àquelas reportagens patetas de contagem diária de rockets, feridos e mortos." (Avatares de um Desejo)
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p.s. - "(...) ontem vi no telejornal uma reportagem cnn absolutamente inenarrável, o jornalista com um hezbollah que se queixava da cobardia israelita (queria lutar cara a cara, como na porrada de liceu) e que desatava a correr porque vinham aí os aviões (e o jornalista corria, não sem antes dizer para a camera que vinham aí os aviões) - mas esta gente já alguma vez viu um ataque de caça? anda tudo maluco?" (José Pimentel Teixeira em comentário a "Modos de vida -4")

Reminiscência do "tom" dos blogues (act.)

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Durante 4 minutos, entre as 14.23 e as 14.27, a CNN deu conta da importância que os blogues e livejournals estão a ter neste momento no Médio Oriente (há quem diga que estamos já perante "the most blogged war"). O uso de vídeo quase em tempo real a partir dos locais de edição (algo sublinhado pelo especialista da CNN como "novo"), o simples registo de ocorrências, os relatos factuais da guerra e a discussão entre civis sobre o que fazer foram alguns dos pontos ilustrados e bastante bem documentados no curto (mas significativo) espaço de emissão. Independentemente dos juízos (pelo meu lado, é óbvio que a estratégia agressiva do Irão planificou cuidadosa e provocatoriamente a deriva terrorista junto à fronteira de Israel), estamos seguramente face a uma nova dimensão dos papéis expressivos (do ”tom”) da blogosfera. Tive dificuldade em registar alguns dos links referidos, já que me foi totalmente impossível anotar o que vi e ouvi. Apesar de tudo, deixo aqui dois links (este e este) que creio ter conseguido memorizar.
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p.s. - Interacções entre bloggers dos dois lados da fronteira (ler mais aqui):
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"(...) Hey.I'm an IDF soldier stationed at the Lebanon is border, but got back home for a funeral of someone I knew."
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"(...) Hi, I think I must first mention that i am lebanese, and second that I really appreciate the fact that there are reasonable people on both sides of the border (...)"

O futuro anunciado do "Eduquês"

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Seja qual for a razão, seja qual for a ordem dos detalhes, seja qual for a complexidade das questões em jogo, não deixa de ser uma vergonha repetir exames por causa das notas. Um dia destes, os alunos passarão a entrar na Academia por uma porta e sairão por outra (um, dois, três anos, tanto faz). Pelo meio, apenas lhes será pedido que gritem.

Quotidianos - 19

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Olho para as paredes imobilizadas do meu pátio. No meio deste ringue de espécies tórridas, o corpo há-de levitar para pedir aos deuses que se acamem em águas revoltas, longe do céu, longe da palavra, longe da tenra respiração dos mortais. As paredes, essas, persistirão.

Modos de vida - 4 (act.)

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A tentação actual (de um certo mainstream) de relativar o terrorismo, ousando compreender-lhe com complacência as origens e a quase razoabilidade e até generosidade dos seus fundamentos últimos, equivale a diluir ao nível das várias barbáries os valores da democracia e da liberdade que se sedimentaram - nos últimos dois séculos e meio - em muitos lugares e culturas do mundo (embora a caminhada e a descoberta desses valores e da sua praxis tivessem acontecido no Ocidente).
Ver o 11 de Setembro à luz de uma mistificação "norte-americana", perceber a guerra contra os Hezbollahs deste mundo apenas como agressão unilateral "em nome de nada"; discutir a Europa à luz de um paternalismo multicultural que chega a iludir o tabu Theo van Gogh, ou entender com normalidade processual a duplicação terrorista de blogues (o caso Abrupto não é inocente)... é caminhar realmente para o abismo, ou seja, para a própria relativação da praxis da democracia e da liberdade, esteios importantíssimos que atingimos após séculos de pesada superação.
Modos de vida, dir-se-á.
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p.s. - Não é verdade que a CNN trate a guerra com um óculo apenas. Os vídeos que passam no site da CNN são amplamente abertos a todo o tipo de perspectivas do que está a ser vivido. Independentemente dos juízos e análises, que muitas vezes perdem a frieza e eficácia devido ao cariz impressivo das imagens, vale a pena seguir essas reportagens.
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quarta-feira, 19 de julho de 2006

Modos de vida - 3

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Já aconteceu ao Bomba Inteligente da Carla e está agora a acontecer ao Abrupto de José Pacheco Pereira. Sem aviso, blogues duplos (quase iguais) entram em cena e ostentam-se subitamente a si próprios como peças de um fetichismo primário. Não acreditarão numa fulminante entrada no paraíso, depois de se fazerem explodir no meio da multidão; mas acreditarão no prazer efémero, às vezes apenas de instantes, que é tentar reduzir o outro a nada. O terrorismo visa sempre o mesmo: aniquilar em nome de uma imagem, seja ela qual for. Na atmosfera como na blogosfera.

Blogues e Meteoros - 2*

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Durante os quase vinte anos em que leccionei uma cadeira de introdução à semiótica, acenei muitas vezes aos alunos com a imagem de "um boi a voar de costas" para melhor fazer compreender a importância do tema da significação. De facto, na maior parte das vezes, a significação dilui-se diante dos nossos olhos com tal naturalidade que chega a lembrar o modo como os lábios de Marilyn Monroe se adequam à fotogenia do desejo, ou como a paixão de Ingrid Bergman por Rosselini se terá adequado à mais pura das inevitabilidades. A adequação pela adequação tem destas coisas: vale por uma divindade onde tudo bate certinho e que acaba por dividir o mundo entre o que 'deve ser' (o que está à vista) e o que é rotundamente "banal".
Também houve, no seu tempo, quem apenas entrevisse banalidade em Marilyn, ou no casal de Stromboli.
Não partilho da angústia dos que encaram as novas expressões como formas de banalidade. Nas últimas décadas, um horizonte fixo de referências com mais de dois séculos de idade foi-se descolando da experiência do dia a dia, do mesmo modo que a tecnologia e a rede vieram atribuir ao presente novos entendimentos. A banalidade de que hoje tanto se fala é sobretudo o resultado dessas reordenações.
A blogosfera é uma das áreas que cresceu na turbulência comunicacional do nosso tempo. Subitamente, quebraram-se as paredes que limitavam os géneros e passaram-se a ouvir vozes que antes não dispunham de meio para enquadrar a sua expressão. Todos conhecíamos já a tradição espistolográfica, enciclopédica e opinativa (ou os modelos do diário, da crónica, das memórias, etc.). Contudo, a blogosfera, está hoje a proporcionar a enunciação de tipos expressivos que não se coadunam com nenhum destes moldes clássicos.
Do quase nada, uma nova e súbita vaga encarnou, encorpou e descobriu-se no vertiginoso papel de autor e editor, nessa confluência de olhares que ainda ontem dividia o imenso fosso entre auditórios e emissores. Desaparecido o palco que os afastava, removida a crisálida que envolvia a voz, transposto para a rede o desejo de "dizer", eis que a novíssima panóplia desabrochou. E com ela, é certo, emergiu alguma banalidade. Mas não se reduza a blogosfera à banalidade. A 'dessacralização expressiva em curso' (DECU) é comum, por exemplo, à actualidade da arte dita "pobre".
Depois de um longo tempo em que as referências eram autores, vias consagradas e valores pesados ou centrais, hoje cada post encarna por si uma referência, a sua própria referência: perdida e ganha no novo éter de expressões ainda à procura de rosto.
A "consciência do nosso tempo" é uma ideia moderna que tem atrás de si uma longa história. Perceber a sua adequação nos nossos dias significa entender o instantanismo tecnológico e as múltiplas formas paródicas com que as novas vozes traduzem uma - também - nova visibilidade do mundo. Tal como o poeta Vasco Gato escreveu: "não tem anatomia,/ olhos apenas". Estamos, pois, num novo patamar. Confundi-lo com banalidade seria quase um crime.
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*Publicado desde ontem na secção de opinião do Expresso on-line.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Modos de vida - 2 (act.)

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Na questão do Médio-Oriente, um leitor ("antonior") pede-me que me centre mais nos factos do que na linguagem. Dir-lhe-ei que a grande base de toda a disputa milenar naquela região tem a ver com as linguagens. Por outras palavras: a crença das religiões do Livro, segundo a qual uma linguagem revelatória é interpretada como decisiva (e exclusiva) para a salvação e para a compreensão do mundo, está na base de grande parte das intolerâncias que se move ainda hoje no mundo. A diferença é que, em analogia com a lenta aprendizagem do Ocidente dos últimos três séculos (a convivência democrática e a liberdade como matrizes), o estado de Israel, nascido enquanto tal na sequência do Holocausto - facto amiúde esquecido -, enquadra e legitima no seu espaço público (por exemplo) manifestações contra a guerra, o que no Irão, na Síria e em todos os Hezbollahs deste mundo é no mínimo impraticável. Independentemente dos factos em jogo na guerra que está em curso, o que ontem sublinhei foi o facto de uma certa boa consciência ocidental parecer pactuar com mais espontaneidade, facilidade e (alguma) má-fé com o terrorismo do que com a afirmação dos valores que possibilitam a sua própria expressão livre. É a partir desta truncagem, ou desta nova “ideologia global” como lhe chamava o saudoso Fernando Gil, que as análises muitas vezes se viciam. Ver tudo ao mesmo nível, a partir dos efeitos criados pelo fluxo global de imagens, gera esta distorção. Eu diria: esta falta de liberdade e de isenção. É, aliás, uma tendência - ou um modo de vida displicente e perigoso - que se vem construindo desde o 11 de Setembro de 2001.
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p.s. - "O facto de alguns governos árabes criticarem publicamente o Hezbollah -- coisa rara, refira-se -- e, indirectamente, o Irão, deveria ser suficiente para fazer pensar aqueles que insistem que o programa nuclear iraniano não é um problema." (Bloguítica)

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Eye on Africa

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Por razões óbvias tenho passado algum tempo diante da CNN. E acabei por descobrir uma óptima reportagem sobre África que está a ser permanentemente actualizada em directo: Eye on Africa. A não perder (hoje: África do Sul e Nigéria).

Modos de vida - 1

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Hoje em dia, a má-fé e a boa consciência parecem andar de mãos dadas. O terrorismo passou a ser visto com uma raríssima tolerância histórica, enquanto o devir democrático passou a ser envolvido pelo manto do "excesso", da "desproporção" e até da "tirania". O caudal doméstico de imagens e o discurso dos peritos extremam as posições e alimentam a quase cegueira (tudo parece posicionar-se ao mesmo nível - aparentemente reivindicativo e denunciador -, sem que os valores correspondam a uma linguagem própria no meio da amálgama). O Ocidente há-de desaparecer um dia, não pela força do que foi descobrindo nos últimos dois a três séculos da sua vida (um novo tipo de convivialidade livre e democrática), mas antes pela determinação do uso autofágico da liberdade. Os Hezbollahs deste mundo ficarão eternamente agradecidos aos nossos revoltados de boa consciência. E não sejamos demagógicos e patéticos, no meio das injustas derivas da violência: bem sabemos que a guerra é sempre terrível e abominável. Mas é mais modo de vida de uns e mais meio de defesa de outros.

Obrigado (bastante actualizado)!

Mccullagh
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Agradeço sinceramente os votos de parabéns que surgiram nas caixas de comentário, nos mails, via technorati ou directamente em alguns blogues (já que nem sempre os links são referidos no technorati, o que permite conjecturar que não terei localizado todas as mensagens). Face a face, agradeço desde já à Carla (uma feijoada é sempre uma feijoada!), à Cláudia (haverá uma beca da cor do template?), à Isabel (todas as ruas vão dar à luz!), à Zazie (a mais endiabrada das empatias), ao Roteia (a grande paixão pela fotografia), ao José Pimentel Teixeira (e à vista discreta do Índico), à Sílvia (aquela amizade carioca), à Maria Alexandra Duarte (o Brasil é um continente!), ao Eduardo Pitta (a voz do terceiro Barthes sempre era a mais aliviada!), ao Miguel (insurjamo-nos!), ao gémeo Bruno (a quem aproveito para saudar com uma dança cosmogónica), ao Américo (com um abraço), ao Bruno Gonçalves (com um aceno lunar!), à Sabine (com um gladíolo), ao Nuno (com um aceno de humor), ao Evaristo (desejando força!), ao amigo Avatar (com um viva ao SLB!), à Gisela (com muita simpatia), ao Gabriel (com cumplicidade), ao Mário Almeida (três anos aqui são três séculos off-line!), ao Leonel Vicente (on the road!), à Cristina Melo (a voz é sempre um dom!), ao Rui (sem perder um segundo!), ao Jorge Ferreira (há sempre efemeridade na solidez!), a António Costa Amaral e Adolfo Mesquita Nunes (a fuga é um brilho!), ao Gonçalo Rosas (as linhas de fuga unem-nos na blogosfera!), ao João (um momento pode ser uma vida), ao Impensável (um cometa pode ser tudo), ao Davi Reis (sempre a tempo, afinal!) a L.N.T. e C.M.C. (do Tugir que sigo com diária leitura e atenção), ao António Rosa (a vida nem sempre é um lapso), ao Paulo Gorjão (a blog is just a blog!), ao Desnorte (para quê uma bússola?) e ao José Nunes (para quem a mão é uma galáxia). Agradecimentos ainda ao Francisco Trigo de Abreu (com renovada amizade), ao João Miguel Almeida (devolvendo a simpatia) e à Leonor (com um beijinho). Por fim, um abraço muito especial ao João Nogueira, sem o qual o design deste blogue seria um zero.
Não sei em que direcção, nunca o soube bem (um metatexto virado apenas para este blogue seria um diagrama sem saída), mas a verdade é que o Miniscente vai continuar. Gosto do tempo em que a escrita é blogada, gosto da rede que torna imponderável o cruzamento de leituras. Gosto de ser surpreendido ao dizer o que talvez nunca diria. Gosto da lua cheia mesmo quando a não vejo.
Mais: adoro estes dias insuportáveis de Verão.
Obrigado a todos. A todos, sem qualquer excepção.

sábado, 15 de julho de 2006

ANIVERSÁRIO: ANO IV

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É verdade: o Miniscente faz hoje três anos. Ano IV. Obrigado a todos os interactores e leitores.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

III ANIVERSÁRIO: fraquezas freudianas


Três anos de Miniscente
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Hoje no Público (sem links), Eduardo Prado Coelho continua a alimentar o que eu designaria por paradoxo dos blogues. Haverá algumas parecenças no excurso do Eduardo com a 'síndrome do futebol' de José Pacheco Pereira (apesar do brilhantismo da crónica do Público de ontem): uma espécie de atracção tímica, uma fragilidade algo denunciada, uma tentação meio subliminar. Um e outro falam do seu objecto (como mal disfarçadas perdições) sem o querer conhecer ou realmente testar (o futebol no caso JPP, os blogues no caso EPC). Neste último, o jogo é mais fecundo e ambíguo, já que o conhecimento dos blogues - para mais no caso de um exegeta e habitué às coisas do texto - exigiria tão-só uma consulta de duas a três horas. Não mais. Escusava de continuar a dizer o que diz com aquele ar assertivo e insofismável que aparece a par da sempre confessada ignorância do meio. Há persistências bizarras. O mundo é assim mesmo: um carrossel de exíguos pactos e divórcios, a maior parte deles por explicar.

III ANIVERSÁRIO: tradição metabloguística

Três anos de Miniscente
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O Miniscente faz amanhã três anos. Para o comemorar, deixo aqui um conjunto de posts de índole metabloguística, escritos entre Julho e Setembro de 2003.
Já nesse tempo, os tons navegavam por aqui:
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“Se para S. Tomás de Aquino a poesia ocupava o "ínfimo lugar entre todas as doutrinas", é caso para dizer que, hoje em dia, os blogues ocupam o íntimo lugar entre todas as rotinas.” (28/09/2003)
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“De que falamos quando falamos com o outro, quando o veículo e a estrada que nos ligam são imateriais? Meta-discurso, dir-se-á. Falamos das linguagens com que e de que somos falados (...)” (15/7/2003segundo post do Miniscente)
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“Discordo do que diz JPP hoje no Público. Geralmente concordo com ele em muitas coisas, mas desta vez não. Pensar o ciberespaço com a mentalidade preservadora e musial que teve a sua origem no pós-Iluminismo moderno é colocar lado a lado o que não pode ser colocado lado a lado. As estruturas descentradas ou policentradas e rizomáticas como são as da rede contemporânea estabelecem uma relação com o par 'efémero - não efémero' que é completamente diferente daquela relação que as redes centradas e delimitadas estabeleciam durante o alvor moderno, i.e., desde o final do século XVIII até às últimas décadas do século xx. Falar de memória e de arquivo em tempo de rede aberta, espontânea e descentrada não é o mesmo que falar de memória e arquivo no tempo em que a fotografia foi ao parlamento francês pela mão de Arago (1839), ou no tempo em que o fotojornalismo invadiu os salões políticos da Alemanha entre guerras. É preciso rever o modo como os metadiscursos abordam o nosso tempo.” (17/7/2003)
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“(…) É essa multiplicidade que faz o ser do blogue, aquele que o enuncia e que, queira-se ou não, é uma pessoa. E, por isso mesmo, a sua indecibilidade, a sua procura, a sua dúvida persistente.” (20/7/2003)
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“Aqui o jogo não é um jogo exposto, é antes um jogo jogado. E se a opinião que surge na blogalização é uma opinião de "mainstream" - pelo que tenho lido, na sua maioria (sobretudo pela reprodução da agenda) -, diga-se que tenta contornar, pelo menos, o ensimesmamento que pulula nos nossos jornais diários e nos sacos pesados de fins-de-semana. Nem que fosse por isso, e pela expansão da subjectividade mais hilariante (que nem sempre se dá bem com o perfil quasi-institucional dos sites e com o que tende para o prefiguradamente correcto dos chats), já esta blogalização exponencial teria valido a pena.” (22/7/2003)
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“Na maior parte dos blogues que vou lendo, existe um desfasamento entre a ciberlógica que é, naturalmente, caracterizada pelo instantanismo e pelo efémero, e, por outro lado, por um certo sentido nem sempre disfarçado de projecção na posteridade. Como se cada palavra escrita aqui, neste jogo-limite de aquários, tivesse o secreto condão de, amanhã, poder ser finalmente escutada e reconhecida. Então, este cibermomento, em que o génio único ditava a suprema alegoria, entraria no reino da eternidade.” (…) “Como se fossem directores de jornalecos de província, no início do século XX, grande parte da rapaziada que dirige e alimenta os seus blogues ainda pensa em tornar-se no Hermes imortal. É evidente que existem mares e mares de excepções. Mas fora deles, muitas vezes encapelados, tudo é igualmente honroso. Fecundo como as cornáceas.” (26/07/2003)
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“É a própria actualidade da rede que convida a semiótica a dialogar insistentemente com a neurobiologia, com a zoologia, com a arquitectura, com o cibermundo e com a artefactualidade digital que está, hoje em dia, a reenquadrar a própria noção de realidade. Creio que muito em breve, a semiótica irá iniciar uma fase completamente nova e inovadora da sua já longa vida.” (10/08/2003)
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“Foi António Damásio quem o disse em O Sentimento de Si (1999): toda a tradição, baseada na filosofia da consciência e que sublinha o importante papel da intencionalidade (Husserl, Sartre, Merleau-Ponty, Lévinas, etc), não é senão o resultado da capacidade de o cérebro em contar histórias. Diz o autor: esse "dizer respeito a", exterior ao cérebro, tem exactamente "como base a tendência natural do cérebro para contar histórias", o que ocorre sempre da "forma mais espontânea possível". Aliás, na discussão que as Luzes empreenderam, no século XVIII, em torno do problema da representação (De David Hume a Kant), já a figura da imaginação surgia como uma entidade decisiva, autónoma e transformadora das interacções entre o representado e o representante. Eis-nos, nos blogues, a continuar a tradição. Retina de retina até à não apoteose final.” (10/08/2003)
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“Um dos aspectos que mais me fascina nos blogues (não tenho a opinião do diabo sobre a dicotomia 'blog - blogue') é o modo como neles se supera a divisão público - privado que, para o bem ou para o mal, é uma das traves mestras do espaço público actual. Do mesmo modo, as ficcionalidades que entram em cena no mundo dos blogues estabelecem relações interessantes e variadas com diversos níveis da realidade, o que faz com que a blogosfera reflicta igualmente uma outra característica da actualidade que se traduz pelo esvair do binarismo rígido e moderno entre real e ficção. Ousando superar a rigidez clássico-moderna que traçava as dicotomias público-privado e real-ficcional, os blogues inserem-se dentro dos mundos possíveis que estão a renovar profundamente o campo comunicacional contemporâneo em que vivemos. Juntemo-los ao cibermundo, às implicações da instantaneidade tecnológica, à aceleração das imagens e à transformação da cultura territorial na cultura global do ser-em-comum.” (26/08/2003)
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“Afinal, fazendo companhia ao Socio(B)logue, o Fumaças decidiu recomeçar a vida outra vez do zero. Eis como cada fim é sempre e já uma metamorfose. O paraíso é um estigma narrativo e o inferno também o é. Mais do que metas de chegada, passe a redundância, ambos são estigmas de narratividade em curso. Assim é também o destino na blogosfera: reatares depois dos patamares. Deriva, errância, feliz flutuação.” (26/09/2003).
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p.s. - Por mera curiosidade, espreitei os links dos blogues de há três anos que agora já não existem. O mais curioso é que a URL do Dicionário do Diabo do Pedro foi estranhamente ocupado por outro blogue, desta feita anglófono e muito muito técnico: "Personal Security Devices".

quinta-feira, 13 de julho de 2006

III ANIVERSÁRIO: fisco

Três anos de Miniscente
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Estou claramente de acordo com a publicação da lista de devedores ao fisco, mas apenas, e só, se a lista de dívidas do estado aos contribuintes também for publicada! Não o fazer seria aproximarmo-nos de uma espécie de revolução cultural chinesa, com alpaca poída em vez de sarja maoísta.

O site da FIFA

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Caro Altino Torres Ferreira: não esqueço de modo nenhum o que significa a visualização deste site global em língua portuguesa. Foi obra directa da micro-causa blogosférica mais consequente que já existiu no mundo português. Se houve uma vez que não valorizei o feito suficientemente, facto de que me penitenciei na altura, isso não significa que o "food-i-do" não mereça – e não a continue a merecer – essa justíssima distinção. Mas a amnésia generalizada, confesso-lho com franqueza, é uma ingratidão sempre rude que toca a todos; não pense, portanto, que tem o exclusivo. E mais: nestes casos, nem sempre advém ao mais incauto o sinal sincero de uma voz reparadora.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Nada de novo? (act.)

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A ler "Silly Season" por Eduardo Pitta. Ia justamente escrever sobre o assunto, quando li o post que termina com a pergunta essencial: "Quanto aos atentados de Bombaim, who cares?"
Já hoje, entranto, o Hezbollah atacou Israel. O terrorismo anda à solta pelo mundo e ainda há quem imagine que a Europa tem fronteiras apenas terrestres. Não é claro que a Europa se situa, hoje em dia, também em Bombaim e no sul do Líbano? Não é claro que Nova Iorque, Madrid e Londres já foram Bombaim, Bagdad ou Casablanca? Não é claro que a liberdade e o terror se cruzam, a todo o momento, num mesmo território que é o nosso, seja onde for?
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É por isso que é legítimo interrogar os temas que são desenterrados nas páginas dos nossos jornais.
Silly season, realmente?
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p.s. - Entre o 43º e o 46º minutos do jornal das 13h., a TVI deu conta do caso Bombaim e do caso Hezbollah!

Em trânsito (act.)

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Lembro-me que o dia já ia avançado quando ouvi o telefone. Era a televisão (holandesa). No dia seguinte, tive que me levantar cedíssimo - eram umas 5 da manhã - e lá voei com o camera crew e com o jornalista que fazia um dos programa de actualidade mais vistos na altura (esqueci-me completamente do nome dele). Ali ia eu como tradutor escolhido à pressa, depois de várias tentativas, em Hilversum, para encontrar alguém que não deixasse fugir aquele encontro com a história que a AVRO (o nome do canal) tinha subitamente descoberto. Só soube do que se tratava, quando nos alojámos numa das salas privadas do Charles de Gaulle. O entrevistado que, umas horas depois, apareceu na minha frente era um alto responsável da polícia de S. Paulo que estava em (discretíssimo) trânsito a caminho da Alemanha. Na sua pequena mala metalizada, levava nem mais nem menos do que os presumíveis ossos do nazi Josef Mengele que iriam ser sujeitos a testes de DNA. Lembro-me como ao Calvinismo exigente e austero do jornalista holandês correspondeu um humor (no mínimo) desbragado e sobretudo intraduzível por parte do brasileiro. Embora a circunstância fosse considerada "histórica" pela AVRO, eu consegui conter-me de forma extrema para que a tragédia cómica não se sobrepusesse à indagação objectiva. Nunca mais soube nada acerca desta história que se passou há duas décadas.
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Há vinte anos, mesmo no Ocidente livre e democrático (estávamos ainda em guerra fria, nos inícios da fase Gorbatchov), a gestão dos segredos e dos exclusivos tinha características completamente diferentes do que tem hoje. A CNN penetrara há meses no cabo de Amesterdão, não havia ainda PCs em casa das pessoas e muito menos blogues e outros agenciamentos em rede que disseminassem e reflectissem o que faz o mundo ser uma montagem de vários vísiveis e invisíveis. O "tom" de então era bem mais analógico e vertical: ligava vários vértices a imensos auditórios que, no entanto, já procuravam os sentidos da mega-operação quotidiana. O pano de fundo da época ainda se baseava nas rupturas e fronteiras marcadas pela Segunda Grande Guerra Mundial (lembro-me tão bem da evocação de 1985). A partir de 1989, outros panos de fundo começaram a desdobrar-se numa pluralidade de novos palcos. Aí afluiram, a pouco e pouco, ao longo dos nineties, a emergência tecnológica, a rede, a dessacralização da crença e dos emissores totalizantes e sobretudo uma nova relação entre a liberdade e uma sociedade de fluxos. Apesar do Holocausto e da terrível memória do nazismo (e do comunismo, não o esqueçamos!), os ossos de Mengele passaram a ter um significado bem menos actual. Talvez seja por causa disso que nunca cheguei a conhecer o desfecho da história do Charles de Gaulle.

A nostalgia que precedia o spleen

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"- Júlio, perguntou Lucinda, por que será que sinto tão profunda nostalgia no meio desta serenidade e desta tranquilidade?
- É que só na nostalgia encontramos a verdadeira tranquilidade, respondeu Júlio."
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(Schlegel, Lucinda)

terça-feira, 11 de julho de 2006

Everything you wanted to know about blogging

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Eis como o blogue Sister Toldjah expõe o que o blogueador deve fazer para ser escutado na blogosfera. A lista de tarefas é longa, mas de leitura interessante. Os "tons" andam por aí. Até Glenn Reynolds fez eco deste texto (há mais aqui).

Jogador

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E quando, sentado ao teclado, o blogueador se sente um pianista?

Mundos

bastará virar e ler a última página
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Quando já ninguém dá (pelo menos) por certos erros, pode no mínimo dizer-se que entrámos de vez no generalizado virtuosismo da idiotice. Atentemos, pois, às letras garrafais da última página do Público de ontem:
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"OURO - UMA GRAMA POR DIA, À ESPERA QUE A MINA VOLTE A ABRIR"
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De facto, o género anda muito mal tratado. Não apenas o que é mais insuportável - o academicamente correcto -, mas também este: o que faz eco no palco ortográfico. Bem sei que a "malha da língua" está em crise (eis uma palavra que serve para explicar tudo), mas há erros e espaços que reflectem mundos. Mundos de quem afinal não tem mundo.
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p.s. - Também aprendi na escola primária - sim, na escola primária - que, entre sujeito e predicado, não se intromete qualquer pontuação...

Um final sem sumo

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Ao que chegou o Six Feet Under! Ontem, se me tivessem dado uma peruca branca até eu teria entrado na despedida. O episódio foi de tal modo um misto de risível, patético e drama mal aviado que cheguei a fazer zapping activo com aquele programa sobre gender que dava na Sic-Notícias à mesma hora. Há territórios, Fernanda, onde as ameixas secam de modo tão estranho! Não concordam comigo? Seja como for, obrigado pela partilha ao longo de todo este tempo.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

O terceiro segredo de Berlim

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Não há como ter mistérios para excitar uma boa narrativa. A mais recente e explosiva remete para as palavras que o italiano Marco Materazzi terá pronunciado, algures em Berlim, no dia de ontem. Segundo o agente de Zinedine, monsieur Alain Migliaccio, a revelação terá lugar muito em breve. O mundo espera com ansiedade. Não há, de facto, como uma boa espera para fazer criar água na boca aos desenlaces de uma narrativa estival.

Viés

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Às vezes, parece que não morreram seis bombeiros. Morreram cinco chilenos e, sim, é verdade, um português. A tragédia tem destas coisas, infelizmente.