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sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Voava sobre as palavras (act.)

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Morreu August Willemsen. O tradutor holandês de Pessoa e sobretudo um amigo.
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Depoimentos:
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"E fiquei só de mim, ausente."
"En ik bleef mijzelf alleen, afwezig van mijzelf."
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Carlos Drummond de Andrade
Traduzido por August Willemsen
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"August Willemsen foi o holandês mais lusófono que eu conheci. Era tímido e nós ficávamos tímidos ao pé dele. Com um grande sentido de humor e com um cabelo grisalho dum outro continente, vivia nos Países-Baixos. Traduziu Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa para holandês (entre outros). Com a tradução do Pessoa ganhou a distinção mais alta da cultura holandesa. Além do futebol, Portugal começou a ter outra importância na cultura flamenga. Começámos a ser mais respeitados. E nisto, encontrou-se aquilo. Outras das nossas artes foram introduzidas na sua cultura. Abriu a curiosidade.
Enfim, apesar de quase não ter falado com ele, criei um enorme respeito e admiração pela sua obra. Coisa esquisita: Escritor e tradutor são ambos importantes nas suas traduções.
Quando leio a sua tradução de Fernando Pessoa, ainda me pergunto admirado: Como é que conseguiu? Mas tudo está lá. Para tirar as teimas, uma página em português, outra em holandês…
Duas culturas tão diferentes encontram-se."
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Rui Mota
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Nessa Noite, prometeu voltar...
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"Não foi hoje, foi ontem. Mas, para o caso, tanto faz. Guus era, sem dúvida, o melhor tradutor literário holandês da língua portuguesa. Históricas são as suas traduções de Fernando Pessoa que, continuava a traduzir regularmente. Mas também de Drummond, Euclides e Machado de Assis. Lembro aqui um académico e um inspirador, com quem tive o prazer de conviver ao longo das últimas três décadas. A última, em Fevereiro de 2006, numa Associação Portuguesa de Amsterdão, onde participou numa noite literária, com um texto de Ubaldo Ribeiro. Nessa noite, prometeu voltar, assim o convidassem... A literatura portuguesa perdeu um dos seus melhores embaixadores. Eu perdi um amigo."
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Carmo da Rosa
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"O meu primeiro encontro com August Willemsen.
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No dia 10 de Maio de 2005 vou assistir a uma conferência de August Willemsen sobre Dificuldades a Traduzir Poesia na universidade de Utreque.
Era a primeira vez que via o personagem em carne e osso, antes desta data só o conhecia através dos livros que li dele. No fim da conferência, não sei o que me deu, mas dirigi-me decididamente a ele e, mesmo antes de esboçar algum elogio formal sobre a palestra, disse-lhe: Gostaria muito de traduzir para português o seu livro De Goddelijke Kanarie (O Divino Canarinho, ou O Divinal Canarinho! Ou ainda O Canarinho Divinal)… Ele, todavia sentado, interrompeu momentaneamente a recolha da papelada que metia na sua pasta, desviou o olhar para cima, na minha direcção e disse: ‘Ik ben zeer vereerd (sinto-me muito elogiado)’.
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Não creio que o tenha dito por ironia! Talvez se deva à situação confusa, várias pessoas à volta dele com perguntas. O normal no fim destas palestras. Respondi-lhe: Nee nee, ik ben zeer vereerd, niet u! (Não, a honra é toda minha).
Por fim diz-me ele ‘vamos aí fora beber qualquer coisa e já falamos’.
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À mesa do café - entre admiradoras incondicionais (dele), organizadores da conferência (senhoras doutoras brasileiras e portuguesas), espontâneos (eu) - bebemos mais do que qualquer coisa, falamos bastante, mas nem uma palavra sobre o essencial - a hipotética tradução do Goddelijke Kanarie. A certa altura, não sei por que razão - o álcool talvez!? -, a conversa degenerou em poesia satírica e erótica, e eu, já completamente à vontade junto do Sr. August Willemsen, perguntei-lhe se ele conhecia A Porra do Soriano de Guerra Junqueiro. ‘Conheço pois!’ Responde ele com entusiasmo. Sendo assim, passei rapidamente à recitação: ‘Eu canto do Soriano o singular mangalho / Empresa colossal! Ciclópico trabalho!
E ele, pelo seu lado, e (como eu) sem qualquer respeito pelo decorum, declama às gargalhadas A Manteigui de Du Bocage (que eu não conhecia!). ‘Da grande Manteigui, puta rafada / Se descreve a brutal incontinência / Do cafre infame a porra desmarcada / Do cornígero esposo a paciência.
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Na hora de apanhar o último comboio para Amesterdão, despedimo-nos, e finalmente lá trocamos de endereços electrónicos. Passado duas semanas enviei-lhe o meu primeiro e-mail:
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Caro Augusto,
Cá estou eu outra vez! Sou o português que durante a tua palestra em Utreque, do dia 10, mostrou interesse em traduzir o De Goddelijke Kanarie. E como tu não reagiste mal à ideia, aqui vão 18 parágrafos à laia de teste. (…)

A.W. responde-me no dia 4 de Junho de 2005:
‘Caro José,
É muito engraçado ver o meu texto em português. A tua tradução parece-me fantástica, por vezes também humorística (‘o Altíssimo fazia ouvidos de mercador' é mais bonito que o original).’
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Claro que isto não é verdade, mas o Guus era um gajo porreiro.
No mesmo mail abordou ainda a diferença entre o futebol Carioca e Paulista, Mané Garrincha, como traduzir ‘tratar a bola por tu’, a rivalidade Porto-Benfica versus Barcelona-Madrid, Nelson Rodrigues e mais uma série de coisas. No fim, foi obrigado a enfiar à pressa este post-scriptum que de certa forma o define:
‘Lembrei-me agora de uma coisa, pela qual deveria ter começado: Waarom DIVINAL i.pv. DIVINO? (Porquê Divinal em vez de Divino ?)
O Guus Willemsen não era um gajo divinal, era um gajo bestial…"
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Fernando Venâncio
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August Willemsen (1936-2007)
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Todas as mortes próximas são irreais. A de August Willemsen não menos que as outras. Ainda há dias me telefonara pedindo-me boleia para um encontro de tradutores no próximo dia 4 em Utreque. Pois irei de comboio de Amsterdão, e irei sozinho. Ele, o Príncipe dos tradutores holandeses – como ele se riria dum título assim –, não estará. Isso é lógico. O que não é lógico, e de todo irreal, é aquela voz, dum entusiasmo sempre resguardado, mas firme e decidida, com que de novo, e pela última vez, me falou.
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August Willemsen tornou conhecidos, e mesmo populares (entre a elite, mas mais não é sonhável), o Fernando Pessoa, o Drummond de Andrade, o Machado de Assis, o Camões, que a sua pena mágica recriava em neerlandês. Todo o grande tradutor é um grande escritor, e decerto um grande estilista, e tem de sabê-lo. Mas foi só com um algum pudor que o autor Willemsen publicou obra própria. As suas Braziliaanse brieven (Cartas brasileiras), de 1985, são hoje um clássico da literatura de viagem, tal como o seu recentemente reeditado De Goddelijke Kanarie (O divino canário), sobre o futebol brasileiro, será um clássico da literatura de desporto.
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O pudor não chegava, contudo, para travar-lhe a pouca, mas pungente, autobiografia. Em De val (A queda) narrou, com desarmante franqueza, a tentação alcoólica. Em Een liefde in het Zuiden (Um amor no Sul), confessou uma aventura juvenil na Costa del Sol e o difícil relacionamento com um pai pró-hitleriano.
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Tradutor, escritor, Willemsen foi também um ensaísta de eleição. Sobre a nossa literatura e a nossa história escreveu páginas argutas e, como tudo o que produziu, duma legibilidade a toda a prova.
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Mas será o ‘seu’ Pessoa – que, desde 1978, andou motivando poetas holandeses e flamengos – para sempre a jóia da sua coroa. Mais um símile de que ele se teria rido. Só a perfeição lhe bastava. E isso era, para ele, a mais natural das coisas.

Um ano de pré-publicações!

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Faz hoje um ano a rubrica "Pré-publicações" do Miniscente. O primeiro livro pré-publicado foi o Cemitério de pianos do José Luís Peixoto. Depois, formou-se um clube a que, a pouco e pouco, as editoras foram aderindo. Hoje, a rubrica conta com a inscrição de duas dezenas de editoras portuguesas.
Regularmente, recebo dessas editoras - e de todas as outras que quiserem aderir - um painel de obras a editar. Dessas obras, escolho livremente as que se adequam ao perfil do Miniscente. E, depois, em timings a definir pelas partes, os textos e as capas são pré-publicados.
No primeiro ano, foram pré-publicadas 73 obras. Deixo em baixo, para além da lista das editoras que são membro do clube, dois depoimentos que me chegaram neste dia de aniversário.
O meu agradecimento!
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de Manuel Fonseca (Editora Guerra e Paz)
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“Tomo a liberdade de achar que temos em comum, o Luís e eu, um franco optimismo em relação à literatura que, em boa verdade, é a morena e inpiradora musa deste objecto a que chamamos Livro.
Num qualquer Paraíso, mais ou menos artificial, num qualquer Inferno, dantesco, é provável, Luís, que o Livro, realizada a Utopia ou consagrado o Caos, não tenha lugar.
Hoje, neste mundo que eu vejo como uma prodigiosa ars combinatoria de real e virtual, tu e o teu Miniscente ajudaram a provar que o Livro e a Rede não só não são incompatíveis, como o que seria um aparente destino de conflito e exclusão, fica desmentido pela forma como, Livro e Rede, se cruzam a cada minuto, com a mesma lógica e necessidade que faz da Poesia e da Música uma cantabile fraternidade.
Muitos terão pensado e acreditado, tu fizeste. As “Pré-Publicações” do Miniscente, com o seu desinteressado voluntarismo, têm, neste tempo de mercado tempestuoso, às vezes ciclónico, as cores do arco-íris. É quase de uma swifitiana ironia que assim seja, por tudo se passar nessa dimensão do nosso mundo onde não chove, nem faz sol.”
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de Cláudia Abreu (Editora Campo das Letras)
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“Parabéns pelo 1.º aniversário da rubrica de "Pré-publicações" do blogue Miniscente.
Apreciamos o seu empenho na promoção da leitura e na formação do gosto literário e estamos muito gratos por toda a atenção dispensada às edições da Campo das Letras e seus respectivos autores.
A Internet é hoje um poderoso canal de comunicação que nos possibilita chegar a um maior número de pessoas, mais rápido e mais longe, e a baixo custo!
A par dos meios de difusão tradicional, o uso da rede, tornou-se para a Campo das Letras indispensável na divulgação da sua actividade editorial.
Através do nosso site, em
www.campo-letras.pt (que em 2008 terá uma nova versão – a 3.ª desde fundação da editora em 1994 – com novas funcionalidades e grafismo), do envio por mail da newsletter e da colaboração com inúmeros sites e blogues, que dedicam particular atenção à literatura, estreitamos o relacionamento entre com os vários agentes intervenientes na área editorial – leitores, autores, jornalistas, críticos, agentes literários, livreiros, etc., em Portugal e no estrangeiro – com resultados francamente positivos.”
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

O spleen da razão

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Curiosamente, não partilho qualquer sentimento de greve. Trabalho como em qualquer outro dia, seja dia do "Senhor" ou não. Acordei com a excitação da TSF, cuja objectividade era enunciada alternadamente por jornalistas e sindicalistas com um tom próximo do relato de futebol (jogada perigosa de ataque). Uns e outros, na grelha do noticiário, repetiam nomes de escolas e outras instituições do nosso estimado estado. Insaciada ponte, esta. Com toda a razão, acrescentarei eu. Não vá um meteorito cair-me na cabeça.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Retrovisor - 11

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espreitar outros blogues, pois então
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"Parece-me evidente que nada disto é remotamente assim, que estamos perante uma auto-complacência no limite do ingénuo. Por um sem número de razões, inclusive eu agora não me apetecer que assim seja."
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"Resumindo e descodificando: em 2008 vamos assistir à perseguição implacavelmente pidesca do pequeno contribuinte, às escapadelas, nas barbas do fisco, dos grandes contribuintes e, last but not least, à “tolerância infinita” imposta pelo Estado aos seus credores."
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"Durante esta semana postarei o único conto que escrevi em toda a minha vida, conto dedicado a Raduan Nassar, uma fição acerca de como ele começou a escrever..."
Paulo José Miranda
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"Há quatro anos o Pedro Mexia, o Pedro Lomba e o João Pereira Coutinho não tinham, de certeza, a noção que se preparavam para mudar vidas (perdoem-me o jargão evangélico)."
Tiago Cavaco
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"O perigo de estar muito tempo longe dos blogues é que se descobre que é possível estar muito tempo longe dos blogues."
Miguel Silva
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«Uma parte da credibilidade do bloguer passa pela divulgação pública da sua identidade. Quando a identidade real se esconde ou se omite, o leitor não tem forma de saber que interesses movem o bloguer»
José Luís Orihuela citado por Miguel M. Ferreira
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"Os blogues portugueses foram a mais importante alteração positiva do sistema comunicacional nacional."
José Pacheco Pereira
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"Guardar como Borrador"/É o mesmo que "Save as Draft" - eis o Blogger, em espanhol, e mais uma razão para o meu mais que confesso anglicismo."
Helena Botto
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"Porque é que não posso escrever coisas imbecis aqui no blog. Fica logo tudo ai, ai és animal e devias aprender isto e aquilo. Eu gosto de escrever coisas imbecis, pouco fundamentadas e quiçá gratuitas."
Pastel de Tentúgal
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"A ACP, em lugar de preocupar-se com Pedras Rubras, mete o bedelho onde não é chamada."

Cidades de sonho

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Vista parcial da belíssima cidade de Liverpool.

Pré-publicações - 73

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António Brito, Olhos de caçador, Sextante Editora, Lisboa, 2007.
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Pré-publicação:
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"Aquele que um dia foi soldado"
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"Passou muito tempo desde que matei um homem pela primeira vez. Na minha cabeça embotada pelo vinho e pelo peso dos anos, recordo com uma ponta de vaidade o destemor do meu golpe, o ar de espanto, a incredulidade do filho da puta em que enterrei a navalha varando-lhe as tripas. Com o impulso dessa naifada o corpo resvalou para o chão, dele brotando soluços de sangue como numa torneira avariada.
Nessa época tinha a cabeça cheia de certezas e matar alguém era um acto viril, um gesto de atrevimento que nenhuma lei me impedia de executar. Tão diferente dos dias de hoje, em que qualquer sopro de vento ou bandalho de quinze anos é suficiente para me derrubar e atirar aos cães.
[…]
Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que as mazelas da idade só as conhecia por ouvir os outros queixarem-se delas. Ignorava-as por não me dizerem respeito. Desprezava-as por indiciarem fraqueza.
Sou uma sombra daquele gajo descarado e atrevido, rufião e fura-vidas que aos vinte e tal anos foi atirado para dentro dum navio e despejado no sertão africano. Naquele tempo de ousadia e violência, fui soldado, contrariado desde o dia em que me gritaram as primeiras ordens.
[…]
Recordo os dias em que fazia contrabando para Espanha como forma de vida, uma iniciação para nós, os rapazes mais velhos. Recordo a guerra em África, uma saída para o mundo que nos havia de devorar, como aos velhos soldados já esquecidos, só recordados nas lápides frias dos cemitérios.
Mas hoje, antes que a senhora da gadanha afiada decida vir buscar-me, recordarei pela última vez como tudo começou, quando me atiraram para dentro do navio e a África me tragou com o seu apetite voraz.
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Do contrabando à mobilização
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Com a aproximação do equador na segunda semana de viagem, o anoitecer encontrou-me de novo lá em baixo no calor abafado do porão, com os soldados a viajar amontoados naquele ambiente fechado, fedendo a óleo de motor, comida azeda, peidos e fumo dos cigarros. Os porões de carga nas catacumbas do Niassa tinham sido transformados em camaratas para alojar todo o contingente. Viajávamos deitados em centenas de tarimbas estreitas, suados, vomitando com o enjoo, sem podermos dormir ou descansar tranquilos.
Atordoado e em desequilíbrio pelas sacudidelas do mar, arrastei-me do beliche para o chão, e caminhei para a porta através de uma névoa de fumo que empastava a respiração.
– Zé Fraga, aonde vais? – perguntou lá do fundo Cu de Chumbo, o padeiro da Companhia.
– Apanhar ar, antes que desmaie no meio desta merda – respondi-lhe, agoniado.
Subi as escadas aos tropeções e saí para o fresco da noite. Encostei-me ao varandim exterior do navio e urinei para o mar toda a cerveja e uísque das últimas horas. Foi um esguicho curvo, empurrado pelo vento, que borrifou as janelas dos níveis inferiores.
A deslocação das ondas acentuava o desassossego que me ia no estômago. Vomitei de novo, num jorro longo, libertando das entranhas o álcool que fermentava e me mantinha num permanente estado de embriaguez. Com a cabeça à roda, sentei-me numa cadeira e acendi um cigarro. Em baixo as ondas batiam no casco à medida que o Niassa avançava descendo o Atlântico para o Sul da África. A minha bebedeira avançava com o barco. Desde a partida de Lisboa que vinha esvaziando garrafa após garrafa compradas no bar com o dinheiro ganho à lerpa e ao abafa, no casino do porão. A noite estava amena. O firmamento palpitava com o cintilar das estrelas. Mas eu seguia num desassossego.
[…]"
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Pré-publicações - 72

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Augusto Gemelli, A Cozinha de Augusto Gemelli, A Esfera dos Livros, Lisboa (Novembro, 2007).
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Pré-publicação:
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"A minha paixão pela cozinha não cresceu comigo desde a infância. Seria incorrecto dizer que sempre tive o sonho de ser um chef de cozinha. A minha primeira verdadeira paixão profissional foi outra: ser bombeiro.
Aos dezoito anos já formado na escola hoteleira de Milão e com uma boa experiência de trabalho, fui chamado para o serviço militar.
Com alguma sorte, acabei por ingressar na escola de bombeiros de Roma, e de facto o tempo passado neste incrível mundo feito de assistência e vidas salvas, fez-me crer que não havia nada mais importante na vida. O destino pregou-me uma partida, não consegui ficar como efectivo e reencontrei-me rapidamente numa cozinha e no meio das panelas e dos pratos.
Para ganhar uns trocos, aceitei um trabalho extra num restaurante/clube privado, que organizava jantares só por convites, onde trabalhando com chefes de renome, consegui o meu primeiro contacto com a «alta cozinha».
A procura do perfeito equilíbrio de sabores, o sentido cromático dos ingredientes e a pesquisa exaustiva do lado artístico da apresentação de um prato. Tudo isso proporcionou-me uma visão nova, atractiva e diferente do acto de comer e de dar de comer.
Nos anos seguintes, procurei grandes profissionais que me poderiam ajudar a obter uma formação de alto nível para chegar a ser chef de cozinha.
Às vezes é perigoso «queimar» as etapas da vida, e aos vinte e dois anos, quando pensava saber já quase tudo, decidi lançar-me na carreira de chef/empresário.
Os resultados do meu trabalho em Milão não foram muito interessantes e, encorajado pela situação geral do meu país, que naquela altura não oferecia grandes perspectivas de futuro, fiz as malas.
Viajar foi desde criança o meu primeiro instinto e o meu único desejo. Conhecer sítios novos, gente diferente e falar línguas que não o meu «italiano», intrigava-me. Finalmente um dia, depois de breves saídas para países mais próximos, tive a oportunidade de sair à descoberta do mundo. O meu primeiro destino foi: Argentina.
Quando cheguei a Buenos Aires numa tarde chuvosa, senti o coração a bater forte no peito. As luzes da capital sul-americana que passavam à minha frente e o jetlag a deixar-me atordoado fizeram-me pensar:
– Meu Deus! Estou do outro lado do planeta!
O trânsito frenético da majestosa Avenida 9 de Julho mostrou-me pela primeira vez o que significa estar numa metrópole. O ritmo incessante da cidade que vive 24 sobre 24 horas é inebriante e atractivo, mas também enervante e cansativo. Depois de poucos meses já lidava perfeitamente com uma nova língua: o Espanhol.
No país mais europeu da América Latina, senti-me pela primeira vez longe de Itália, embora a convivência com o povo argentino, tão parecido com o meu, tenha atenuado as saudades de casa.
As relações humanas, quer sejam positivas ou negativas, são sempre baseadas em sentimentos fortes. O «castellano» desta latitude é a língua latina mais fácil para nós italianos, devido às semelhanças fonéticas. As nuances linguísticas e os sentidos implícitos acabam por melhorar a minha comunicação com os argentinos.
Se pudesse limitar a minha recordação da terra de Astor Piazzolla a uma só palavra penso que seria «amizade». Descobri com a ajuda de amigos argentinos e uruguaios, como pode ser forte este sentimento.
Os «assados» de excelente qualidade com carnes cortadas de uma maneira completamente diferente da nossa, e o convívio em casa das pessoas à volta de uma refeição são o cartão postal que trouxe comigo.
Um dia, ao preparar as encomendas da minha cozinha, recebi um telefonema que requisitava a minha saída de «B’aires» para um novo destino. Embora tivesse vivido intensamente a minha experiência na Argentina, quando o meu superior anunciou o meu novo destino, senti uma grande euforia.
Ao desligar a chamada, não consegui controlar a minha felicidade ao pensar numa terra onde Sol, cores e boa disposição são a filosofia de
vida; é como imaginar a Lua.
Porto Rico estava à minha espera. Finalmente, depois de muitos anos a imaginar as terras dos piratas, consegui concretizar o sonho de uma vida. Esta paixão antiga pelas Caraíbas não é só por causa das praias brancas e do mar azul, mas sobretudo para conhecer de perto a filosofia de vida destas povoações que segundo a minha perspectiva ainda conservam um modo de vida que afasta o stresse e promove uma saudável relação entre as pessoas."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 53

e
“QUE VERGONHA, RAPAZES!
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Que vergonha, rapazes! Nós práqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no “diz que”
e a desnalgar a fêmea (“Vist’? Viii!”)

e
Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me sorgo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.

e
Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(“O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!”)
e desabafo: - Ó Roque, com franqueza:

e
Você nunca quis ver outros países?
- Bem queria, Snr. O’Neill! E... as varizes?”

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(Alexandre O’Neill, De Ombro na Ombreira, Lisboa, Dom Quixote, 1969)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O vestígio da noite

e
Uma pasta cheia de folhas de brilho sépio e um amor-perfeito como o crepúsculo - violeta tricolor - literalmente espalmado. O lago no jardim para onde atirei um sapato, tinha três anos e ainda não sentia medo dos cisnes. Um filme quase no fim, a lua branquíssima e o terraço ao meu alcance. Uma buzina no meio da noite. Fecho os olhos e volta a ser o dia em que tudo se dissolveu entre folhas espessas: pétalas, atacadores de seda, flamingos revoltos, aparelhos ópticos, um volante de boca de sapo, lágrimas nos assentos de pele à beira do desfiladeiro e os olhos preenchidos pela comoção. Ou talvez por nada. Tantas abelhas ainda à volta da trepadeira, as telhas despidas e a pasta. Sim: a pasta catalã. Tanto vestígio. Ou talvez apenas o eco. Um eco espalmado, perfeito, dissolvido. Branco. Como a lua.

Cerveja e literatura - 52

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É possível que nunca tenha lido (parte de) um romance onde os camionistas fossem tão mal tratados. O extracto que antecede esta minha citação é de (demoníaca) antologia a esse respeito. Fica a cerveja, como desejo nobre, a iluminar a nobreza dos condutores dos TIRs:

"Os ignorantes dos camionistas vivem agarrados ao volante e param aqui para gastarem dinheiro na loja da comida, onde há gasóleo com fartura, cerveja, cachorros quentes e charutos e um sortido de navalhas de ponta e mola dentro da vitrina."
e
(Paticia Cornwell, Predador, Tradução: Lucinda Santos Silva; Editorial Presença, Lisboa, 2006, p.92)

domingo, 25 de novembro de 2007

Episódios e Meteoros - 58

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(crónica publicada desde anteontem no Expresso Online)
(ver também no meu
blogue de crónicas)
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Quando Shakespeare destronou a Bíblia
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Harold Bloom revelou, no último número do The New York Review of Books*, que decidiu voltar a ler Shakespeare em vez da Bíblia, depois de ter regressado à vida, em Agosto, na sequência de alguns dias de internamento a recuperar de uma síncope. E a conclusão tornou-se óbvia: “Não há separação entre vida e literatura em Shakespeare”.
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Este “back to life” não podia ser mais auspicioso e actual.
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Se a Bíblia é uma imensa alegoria que desliza entre o exemplo e o vivido, o grande dramaturgo inglês foi sobretudo o organizador genial de mil tradições orais que dominavam o seu tempo. É precisamente a mesma diferença que hoje existe entre os acontecimentos que nos media se reproduzem como cerejas, criando cadeias ficcionais, apaixonadas e delirantes estilo McCann, e os acontecimentos que se constituem, no nosso dia a dia, como aparições ou vaivéns de conjuntura.
~e
De facto, o público actual procura as grandes metáforas da vida nas narrativas que os media vão desdobrando no quotidiano. E acontece muitas vezes que, a partir de eventos eleitos como notícia, se forma, sem grande controlo por parte dos mecanismos editoriais, uma sequência de alegações, conjecturas, rumores, contribuições, juízos e outros dados adicionais que acabam por transformar a notícia original numa verdadeira cadeia ficcional. Este processo acelerou-se e tornou-se quase normal no mundo massificado e globalizado, onde prolifera uma certa ambiguidade entre público e privado e onde os factores afectivos e passionais passaram a dominar boa parte da produção e do consumo mediáticos. Existe realmente uma óbvia correspondência entre estas novas cadeias ficcionais (por exemplo: o caso Sócrates/Universidade Independente, o caso Casa Pia, o caso gripe das aves, o caso McCann, etc.) e o mundo dos mitos da Antiguidade ou o mundo das parábolas que o sucedeu.
e
Do outro lado deste panorama, somos diariamente envolvidos por aparições dir-se-ia de conjuntura. Ao fim e ao cabo, o público adora um mundo fantasmático onde os dados se repetem e reaparecem. O prazer é hoje o mesmo que se agitava nas prestidigitações do início do cinematógrafo: são factos ou pessoas que ressurgem (Santana Lopes, Almerindo Marques e Ota/Alcochete), são as comemorações ritualizadas (o “Dia da Memória”, este ano instrumentalizado pelo estado), são os chamados dossiês correntes (petróleo, Chávez, Irão, etc.) e são ainda as aparições que visam testemunhar a simples existência (Portas numa interessante petição contra o estado “mau pagador”, ou Jerónimo a referir-se à “brutalidade” da GNR).
e
Enfim: Bloom tinha razão. Existe uma clara distinção entre o patamar da parábola que reinventa a realidade e o patamar da conta-corrente que a amplia e transfigura (através de personagens e factos que vão e vêm, sucumbem e reaparecem).
e
Para quem recupera de uma doença grave, é normal que este segundo patamar se torne mais aliciante. Mas para quem anda na adrenalina e no stress, nada melhor do que umas prestidigitações mágicas aliadas às cerejas. Como se umas e outras fossem verdade.
e
*Vol. LIV, Nº 18, 22/11/07, p.40

sábado, 24 de novembro de 2007

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 51

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À parte a ingenuidade da prosa, vale a pena ler este texto que faz química a papel químico com o vivido: braços que se tocam, canecas vulcânicas, lavabos de ouro e espuma sem fim. Para mais, tudo se passa numa noite única, no Colorado, e, no outro dia, já ela - a Sherry -, terá regressado cheia de saudades a Filadélfia. E claro, um bar como o “Abelha”, cheio de “abelhões” que se agarram à roupa - e sabe-se lá onde mais -, é coisa que se recomenda. Grande ventura, realmente, a da cerveja! Ora leia-se:
e
“O Abelha, como era conhecido, estava muito concorrido e barulhento por volta da meia-noite. Beberam cervejas de caneca de litro e meio e a empregada atirou-lhe os abelhões da praxe, que se lhes agarraram à roupa. A uma da madrugada veio e foi, já tinham começado a afagar os braços um do outro enquanto conversavam, a falar e a rir em voz alta, e, idas aos lavabos à parte, Sherry estava convencida de que nunca se tinha divertido tanto na vida.”
e
(George D. Shuman, 18 Segundos, tradução: Alice Rocha; Editorial Presença, Lisboa, 2006, p. 62)

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Pré-publicações - 71

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Álvaro Santos Pereira, Os mitos da economia portuguesa, Guerra e Paz, Lisboa, 2007.
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Pré-publicação (do "Prefácio"):
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"Gosto de iconoclastas. Estou farto do politicamente correcto. Se a humanidade sempre tivesse feito tudo como o fazia a partir do momento
em que houve vida no planeta, ainda hoje estávamos na Idade da Pedra. Por isso, é preciso que haja pessoas a desafiar o que está estabelecido, a provocar novas dinâmicas, a agitar ideias que vão contra o main stream. É assim, foi sempre assim, que o mundo pula e avança.
Nem que seja para chegarmos à conclusão que estamos errados, há que desafiar com novas ideias, novas teorias, novos caminhos, o pensamento dominante, o modo de fazer igual, a réplica da réplica de um original já muito distante.
Na economia portuguesa, tem havido um pensamento claramente dominante. Temos de ter um défice orçamental próximo de zero porque só assim será possível termos taxas de crescimento signifi cativas. Bom, mas no tempo em que Miguel Cadilhe foi ministro das Finanças, entre 1985 e 1990, o défice era elevado e tivemos um excelente desempenho económico, de tal modo que chegámos a ser conhecidos como o tigre celta, lembram-se? Ah, claro, houve a espectacular melhoria das razões de troca devido à queda do preço do petróleo e das matérias-primas e ao enfraquecimento do dólar. E estávamos a sair de uma recessão e o país encontrava-se financeiramente saneado. Pois, resumindo e concatenando, isso quer dizer que em situações específicas as políticas que resultam podem não ser iguais àquelas que estão em todos os livros.
Aliás, se pensarmos no que se passa nos Estados Unidos, onde apesar do espectacular défice orçamental acumulado por George W. Bush, a economia mantém um forte crescimento, tal como tinha acontecido quando o défice passou a superavit no tempo de Bill Clinton, chegamos à conclusão que há ligações que, no mínimo, devem ser discutidas e postas em causa.
Nos últimos anos, verificou-se uma clivagem no pensamento único dominante. Há os que defendem um alívio fiscal como forma de apoiar o crescimento económico. E há os que insistem em manter a pressão fiscal, porque só com as contas públicas saneadas haverá crescimento. Há os que sustentam que para captarmos investimento, temos de ser radicais e reduzir as taxas de IRC para 10% ou mesmo zero, como forma de nos distinguirmos na União Europeia. E há os que dizem que não há margem de manobra e que isso conduziria a um desastre orçamental. Há os que clamam que só com menos dinheiro o Estado será forçado a emagrecer. E há os que dizem que sim, mas só depois de equilibrar as contas."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

Pré-publicações - 69/70


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Chegamos ao septuagésimo post desta rubrica, que faz um ano dentro de dez dias, com dois livros infantis que sairão a público muito em breve:
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- Emília Nóvoa Faria, História de Alberto - Personagens com História, Campo das Letras, Porto, 2007.
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- Benoît Delalandre, O Meu Grande Larousse de Monstros e Dragões, tradução: Margarida Vasconcelos;Campo das Letras, Porto, 2007
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Pré-publicações:
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"A cozinha da Margarida" (de Histórias de Alberto)
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"Setembro era o mês dos cheiros! Cheiros da terra molhada, das uvas pisadas na adega, das espigas desfolhadas na eira, da marmelada que a Margarida fazia com os marmelos do quintal de baixo... Depois caíam as primeiras chuvas, quando o Verão acabava em Boamense, a casa de campo dos meus avós paternos.
Quando eu via os cestos cheios de marmelos, junto à porta da cozinha velha, era certo e sabido... começava logo a cirandar por ali como faz a abelhinha em volta de uma flor. Foi num desses dias que, depois de sentir o cheirinho doce da marmelada, espreitei pela porta entreaberta da cozinha. Lá dentro, junto à lareira, a Margarida mexia e remexia num grande tacho de cobre com uma colher de pau quase do meu tamanho. Em biquinhos dos pés, para não fazer barulho, escondi-me por trás da sua saia rodada."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 50

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Um crime na Escócia, numa pequena terra chamada South Queensferry. Um pub e um encontro entre o inspector John Rebus e Shiobhan. Tudo ainda muito no início. Em estado de mistério. Rod, o barman, adensa o ambiente de mistério, fala em Walter Scott e Robert Louis Stevenson e conclui: “Não está a beber num pub qualquer!”. Antes e depois de Rod aconselhar “haggis, neeps and tatties” (bucho recheado, puré de batata e nabo), é a cerveja que fará o tempo dilatar as expectativas e as provas. Para além de contagiar, a bem de todos, o prazer do próprio presente:
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“- Ela pegou nos copos. - À nossa, Rod.
- À nossa.
De volta à mesa, colocou a caneca de cerveja de Rebus ao lado do bloco de notas aberto.
– Aqui tens. Desculpa a demora, mas acabei de descobrir que o barman conhecia o Herdman. Até pode ser que... – Ela acabara de se sentar. Rebus não lhe prestava atenção nenhuma, não a ouvia sequer. Fitava apenas a folha de papel à sua frente.
- O que foi? – Lançou um olhar de soslaio para o papel e reparou que fora um dos que ela já lera. Detalhes familiares de uma das vítimas. – John? – interpelou-o novamente.”
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(Ian Rankin, Uma Questão de Sangue, tradução: Marlene Morais; Edições ASA, Porto, 2006, pp. 48/49)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Ideias luminosas

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Há blogues que, de facto, manifestam grande singularidade. O "Es Lebe Unser Geheimes Deutschland" de Carlos Vieira Reis é um deles. A sua razão de ser é clara: "Este blog nasce com um "simples" propósito. Prestar homenagem a Claus Schenk Graf von Stauffenberg" (à direita na foto). Ou seja, nem mais nem menos do que "o noble prince que, no dia 20 de Julho de 1944, pretendeu pôr um fim na vida de Adolf Hitler".

Cerveja e literatura - 49

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“Se bem que Copenaghem fosse um excelente jogador, Popinga fingia estar seguro de si, indo ao ponto, o que enchia o outro de raiva, de dar um giro entre as jogadas. Numa mesinha, ao lado dele, havia uma caneca de cerveja de Munique da qual chegara há pouco um barril.
Ao cabo de um hora, durante a qual Popinga não cessou de ser de uma ironia agressiva, o outro, de súbito, com um leve sorriso nos lábios, pô-lo de xeque-mate.”
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(Georges Simenon, O Homem que Via Passar os Comboios, tradução: Gemeniano Cascais Franco, Colecção Mil Folhas, Público, Porto, 2002, p.36)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A série sobre a cerveja e a literatura

"Workers mashing malt to make beer, engraving by Gustave Doré, from London: A Pilgrimage, 1872" (NYRB, 11/22, Vol. LIV, Number18, 2007, p.40)
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Impressionante: É como se a água extinguisse o véu que a percorre. Vico remeteria a cena para a "Idade Divina", eu para a heróica, outros lembrar-se-iam sobretudo dos rituais do Douro. Analogias. Mas trata-se aqui do malte; sim, do precioso malte.
Robert M. Solow utiliza a imagem para ilustrar a revolução industrial inglesa, numa crítica a um livro recente que refere o tema (Gregory Clarck, A Farewell to Alms: A Brief Economic History of the World, Princeton University Press).
A série sobre a cerveja e a literatura, que o Miniscente está a publicar, vai continuar a todo o vapor. E é por isso mesmo que a imagem não podia passar despercebida!

Pré-publicações - 68

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Ana Isabel Buescu, Catarina de Áustria (1507-1578) - Infanta de Tordesilhas - Rainha de Portugal, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2007
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Pré-publicação:
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"Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1507. Em Valhadolide, no coração de Castela, frei Henrique de Coimbra, bispo de Ceuta e embaixador do rei D. Manuel de Portugal, preparava-se para seguir viagem em direcção a Torquemada, onde o monarca o enviava com uma missão específica.
Para além da visitação formal de pêsames, que o rei quis que apenas então tivesse lugar, pela morte inopinada e fulminante do jovem rei Filipe I de Castela, ocorrida em Burgos a 25 de Setembro de 1506, D. Manuel procurava inteirar-se do ambiente e das movimentações políticas em torno de D. Joana, rainha e viúva de vinte e sete anos de idade, e dos meandros da «governança de Castela» . Procurava, ainda, fazer avançar aquela que era a ambição maior da política imperial de um rei que juntara «o Oriente ao Ocidente» : persuadir os reis cristãos e a cúria pontifícia à cruzada contra os muçulmanos, através do confronto com o reino mameluco do Egipto e o Turco otomano, no palco europeu e no longínquo Oriente, conseguir a destruição de Meca e a libertação da cidade santa de Jerusalém, assim se alcançando – desejava D. Manuel que sob a égide do rei português – uma nova idade de um império cristão universal .
No caso dos reinos da Península, agora que era morto o jovem e efémero rei Filipe I, tratava-se de dar continuidade a esse ambicioso desígnio político junto de Fernando, o Católico e também de quem rodeava a jovem rainha, então forçada e inesperadamente aposentada em Torquemada. Outros episódios desta ofensiva político-diplomática junto das cortes europeias haviam tido lugar nos anos de 1505 e 1506, e emissários de D. Manuel procuraram junto de Henrique VII de Inglaterra, do imperador Maximiliano, do rei de França, Luís XII, e de Fernando, o Católico, fazer valer os pontos de vista e a estratégia do monarca português. Por duas vezes, D. Manuel incumbira então o franciscano frei Henrique de Coimbra, homem letrado, experiente e da sua absoluta confiança, seu confessor e conselheiro, dessas missões – de Agosto de 1505 a Março de 1506, frei Henrique esteve nas cortes de Inglaterra e Castela a advogar a cruzada contra o infiel. Agora, em Janeiro de 1507, o monarca tornava a enviá-lo, já provido do bispado de Ceuta, a avaliar a situação política castelhana e a dar continuidade a esse projecto . Era, pois, em Valhadolide, a caminho de Torquemada, com objectivos político-diplomáticos bem precisos, que se encontrava o embaixador de D. Manuel naqueles primeiros dias de Janeiro do ano de 1507.
Depois de dizer missa no mosteiro de Valhadolide e estando prestes a prosseguir a sua jornada, como previsto, frei Henrique de Coimbra recebia uma carta de João Mendes de Vasconcelos, trazida por um moço de estribeira de D. Manuel. Nela, aquele agente do rei português junto da corte castelhana informava o bispo, entre outros assuntos que considerava de maior relevância, de que D. Joana, rainha de Castela, «era parida de uma filha», nascida no dia anterior, 14 de Janeiro, em Torquemada. O diligente e zeloso frei Henrique escreveu de imediato a D. Manuel relatando o sucedido e anunciando a intenção de ir de imediato aposentar-se em Dueñas – como aliás estava já determinado –, lugar a cerca de quatro léguas de Torquemada, para mais perto estar dos acontecimentos e cumprir a missão de que fora incumbido pelo monarca e prevendo que, a breve trecho, não haveria pousada na região com a chegada dos grandes à corte."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

domingo, 18 de novembro de 2007

Os grandes lumes

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Hoje adormeceu de vez o equinócio, esse génio que faz da conciliação dos hemisférios o seu impossível ofício. Por ele, rasgam-se os espíritos e hesitam as fidelidades, contra ele gelam as noites e despem-se as árvores nas ruas. Para sinalizar a entrada em cena da lareira, a lua apareceu deitada no outro lado do mirante, como se fosse uma sineta frágil e acossada pelo vento. Embrulho-me no casaco de lã e revejo os olhos já fechados do equinócio, agora que enceta a longa hibernação que nos levará a todos, pelo túnel do demo, até aos reinos de Março.

sábado, 17 de novembro de 2007

Episódios e Meteoros - 57

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(crónica publicada desde anteontem no Expresso Online)
(ver também no meu blogue de crónicas)
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A comunicação é a era da galinha
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O ensaísta Mario Perniola criou, há três anos, a noção de “sensologia” que definiu como a “transformação da ideologia numa nova forma de poder que dá por adquirido o consenso plebiscitário baseado em factores afectivos e sensoriais”(1). Trata-se de uma noção interessante, já que nos bate directamente à porta. Não há, de facto, ninguém que não seja testemunha desta transformação da vida, baseada em receitas que nos curariam de todos os males, num espectáculo em que a imaginação salta, sem cessar, entre as suas próprias imagens e as imagens (televisivas, ciberespaciais, etc.) que nos entram, dia-a-dia, no sangue. Sendo este salto, como é, um salto recheado de afectos e emoções à solta, um pouco como a galinha que levanta as asas e corre mitologicamente, através do quintal do espaço público, sem necessitar de capoeira para estar detida.
e
Provavelmente, como é normal na tradição judaico-cristã, a noção de sensologia poderá reflectir uma teoria da conspiração: como se fôssemos todos, afinal, marionetas iludidas e controladas nas mãos de um deus maior. Como se a liberdade raramente fosse uma escolha plausível. Como se a iniciativa não fosse matéria para galináceos. Mas a verdade é que o show noticioso dos últimos dias ilustra, no essencial, a sensologia de Perniola.
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Foi a cimeira do Chile, na qual Chavéz desempenhou o papel de palhaço contratado para despertar a “sensorialidade” (e para fazer de futuro Mugabe lisboeta). Foi o debate do orçamento, no qual Santana e Sócrates esvaziaram os números e os temas em nome de denúncias e ressentimentos “afectuosos” (defesas de dama). Foi o anúncio sensível das digitalizações de Portas e foi ainda o appeal das eleições argentinas, a gravata de Shinzo Abe ou o “porreiro” como síntese máxima da última cimeira europeia dos 27.
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Provavelmente quem tem mesmo razão é o alemão Peter Sloterdijk(2), para quem os media, e especialmente a televisão, são a última técnica de “meditação da humanidade”, depois da era das grandes receitas (ideologias) e das “religiões regionais”. Ou seja, para Sloterdijk, a televisão, é o primeiro “redentor” que nos deixa “realmente livres”, porque, ao fim e ao cabo, os “indivíduos” querem é que “os deixem em paz; e esta tranquilidade é uma coisa que agora podem ter de uma vez por todas”.
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Devo-vos dizer que estou bem mais com o alemão, do que com a mera constatação de Perniola. Mas entre os dois, existe um pequeno limbo que, para nos poupar a esforços, passámos a designar por “comunicação”. Já lá vai, pois, o tempo dos infernos em chamas e dos paraísos das doçuras virginais.
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(1) Mario Perniola, Contra a comunicação, Teorema, Lisboa, (2004) 2005, p.12
(2) Peter Sloterdijk, Ensaio sobre a intoxicação voluntária, Fenda, Lisboa, (1999) 2001, p. 132

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Outra vez a noite

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De novo a noite: as persianas como cálamos mudos, a roupagem dos cedros quase sem voz, o cão indolente com olhos pasmados e livros, muitos livros a escalarem o monte de carvalho onde há ainda moedas egípcias e um globo tosco de feira. Um tipo põe-se a escrever e encontra no que escreve a ostensão da linguagem que persegue a própria linguagem, sem quase deixar folga para o resto. Ou seja: para as mãos, para os braços pousados no teclado, para a boca que se abre, para os olhos como simples velas por içar. Uma embarcação é sempre transitória. E respira de desejo. É assim a noite. Outra vez.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 48

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Al Berto nos seus inícios. O vórtice da noite, testemunha de "Tangerina":
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"o ópio agia, desejava morrer num lugar público, sentado num bando de jardim e esperar a morte ao amanhecer. a cidade acordaria estremunhada pelas luzes dos jornais luminosos anunciando que, no centro dela, num jardim, o seu morto mais morto permanecia intacto em exposição.
vomitei, vomitei o ópio a cerveja e os soníferos, encolhi os ombros, apanhei um táxi e fui para casa. só se falha uma vez, pensei eu. subi as escadas sozinho, como sempre o fizera. sozinho, até ao fim dos dias. recomeçarei."
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(Al berto, Livro Primeiro / À Procura do Vento Num Jardim de Agosto – original: 1974/1975 –, em O Medo, Contexto / Círculo de Leitores, Lisboa, 1991, p. 28)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Sinceramente

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Nos últimos meses, por razões muito diversas (sobretudo de trabalho, confesse-se), tenho lido muito pouco na blogosfera. Têm-se passado dias sem ler ou ver um único blogue. Desde 2003 que tal não acontecia. Mas garanto que estou nos antípodas do tom de exposto ressentimento e antinomia (blogosfera versus não-blogosfera) que vi inscrito, há pouco, no Abrupto:
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“(…) como os milhares de leitores quotidianos do Abrupto estão fora destes pequenos círculos interiores da blogosfera, o blogue continua de boa saúde e recomenda-se. No entanto, não precisam de se afadigar tanto, a lei das coisas é que tudo o que sobe tem que descer e é só esperarem sentados.”
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Como se, à moda de um populismo fantasmático, o Abrupto se ligasse directamente às massas e se desse francamente mal com os "círculos" infectados e minúsculos que se arrastam pela blogosfera. Eu sempre tentei andar longe das intrigas menores (e maiores) que reconheço terem terreno fértil no meio. Mas este tipo de discurso do anjo é, ele mesmo, húmus (e do puro) para uma tal fertilidade. Sinceramente.

Cerveja e literatura - 47

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Depois de narrar uma turbulenta chegada a Santiago do Chile e repetir exaustivamente a receita do vinho mais empanadas, só a um terço do seu romance, Jogos de vida e morte (2003), é que Ben Richards dá aos dois protagonistas (joe e Fresia Castillo) a proeza de uma discreta cerveja. Curioso é o facto de a condução e a apetência noctívagas se misturarem nas escolhas. Sinal dos tempos, por um lado, intemporalidades, por outro:
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“Sentaram-se num pequeno restaurante sob o calor impiedoso e seco. A mesa baloiçava, e o local cheirava a cera do chão e a repelente de insectos. O empregado tratou-os como se tivessem acabado de desembarcar de uma nave espacial oriunda de Marte. Joe pediu uma cerveja, e Fresia, uma garrafa de Fanta.
- Deverias tirar proveito do facto de ser eu a conduzir – disse-lhe Joe.
- Detesto beber durante o dia.”
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(Ben Richards, Jogos de vida e morte, tradução: Alberto Gomes; Editorial Presença, Lisboa, 2003/2005, pp. 93/94)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Volta ao Mundo - 9


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Chegou ontem uma nova crónica da volta ao mundo que a Clara e o Miguel estão a levar a cabo, durante um ano. Tudo começou, como se lembrarão, há mais de dois meses e... para trás já ficou Madrid, Havana, Galapagos, Quito, Buenos Aires e Ushuaia. O casal já está, entretanto, na Ilha da Páscoa, embora a crónica que agora aqui se publica seja a relativa aos fiordes da Patagónia chilena:
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"De barco pelos Fiordes Patagónicos, Puerto Eden, Chile"
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"Entrou na sala e acordou o meu preconceito. Imaginei-a a rir em festas, quando afasta o cabelo; a passear em lojas de roupa, quando caminha por entre as mesas; a fumar cigarrilhas, quando procura algo na mala; a sentar-se num café de luxo
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- Posso? -, quando se senta à minha mesa. Estranho. Nem a pensava em espanhol.
- Gosto de andar de barco.
Imagino…
- Para comer fruta.
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Paro.
E é já sentada no seu coração que conversamos até amanhecer. Descreve-me os cheiros, o tempo, a vida de Puerto Eden com histórias de índios e lendas antigas; como gosta de acordar antes do tempo para ouvir os próprios pés, denunciados por estalos de madeira a cada passo arrastado.
e
- É nesse momento que acordo dos sonhos – diz-me.
Continua a mergulhar todos os dias para apanhar marisco, como a avó da sua avó, nua para nunca ficar doente. Come peixe, ovos e algas. Leva o filho à escola de canoa e regressa pelo caminho mais longo. Porque nesta aldeia não existe o hoje nem a palavra solidão. Cada dia tem outro dentro, uma pessoa é todas as outras.
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Chegamos às seis da manhã. Despedimo-nos. Confessa-me que gostou de mim porque tenho riscos a prolongarem-me os olhos. O seu abraço cheira a madeira. Eu cheiro a madeira. Agarra os sacos com uma mão para me dizer adeus, levam fruta e pedaços soltos da minha admiração. Enquanto o seu barco se afasta imagino. Mas agora com mais verdade.
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(Só se chega a Puerto Eden de barco. Isolada por glaciares, montanhas e ventos que gelam, fica a dois dias de uma das cidades mais a sul do mundo, Puerto
Natales. Só três dias depois de lá sairmos tornámos a ver uma aldeia)."
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segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 46

e
Vencedor do Prémio Camilo Castelo Branco em 1961 com este romance (Matai-vos uns aos outros), Jorge Reis morreu em Paris em 2005. José Pacheco Pereira fez eco do facto num dos seus blogues. A cena que abaixo se transcreve, com raros recortes dialectais (a reduplicação dos “rr aristocráticos” é realmente paródica), dá a ver um diálogo entre um agente da polícia (Santiago) e um alto funcionário da “Vila Velha” (administrador) acerca da recente morte de um importante proprietário rural, seu amigo. A cerveja interpõe-se à conversa e, ao fim e ao cabo, serve de mote à lentidão do meio, da troca de palavras, das imensas pausas, do mistério e de todo o spleen imobilizado que rodeia a própria cena:
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“– Erra decerrto um homem de baixa extrracção: varrino; mas soube torrnarr-se um dos nossos prroprrietários mais abastados!... Como deve saberr, Vila Velha é terra de lavrradorres... Pois ele erra o único que se dava ao trrabalho de tomarr o barrco e irr à outrra banda correrr a fazenda!...
E cacarejou uma casquinada de mofa, lembrando a Santiago o que o Padre Manuel Bernardes pensava de abegões e feitores!...
– ... Toma uma cerrveja?
Santiago pestanejou como se acordasse: tivera uma ausência. O administrador continuara certamente a discorrer e ele, pegando-lhe de uma frase, deixara de o ouvir...
– Se prreferre outra coisa?
– Muito obrigado: uma cerveja.
– João – dizia já o outro ao contínuo, que passava a cabeça vagamente embrutecida pela abertura da porta. – Vai ao café buscarr uma cerrveja e um copo de água do Luso... Frresquinha, am!”
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(Jorge Reis, Matai-vos uns aos outros, Prelo, Lisboa, 1961/1972, pp. 16/17)

domingo, 11 de novembro de 2007

Episódios e Meteoros - 56

e
(crónica publicada desde anteontem no Expresso Online)
(ver também no meu
blogue de crónicas)
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Na manhã da passada segunda-feira, como que a abrir o espesso cortinado da semana, Santana Lopes fez uma verdadeira revelação profética. Na sua habitual crónica da TSF, anunciou que o dia 6 de Novembro, data de início da discussão do orçamento geral do estado, iria marcar o despertar de "um novo ciclo político".
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A História - com letra grande - conforma-se com as balizas que lhe são propostas, sempre que nelas reconhece a convicção. Sempre foi assim. Aliás, a declaração de Santana não foi vã. Muito longe disso. No mesmíssimo dia, dez anos depois de 1975, Cavaco também iniciava um novo ciclo político. É este paralelismo que, pela voz do ex-primeiro ministro, dá luz à revelação como confere ainda ao seu novo desempenho parlamentar um renovado empenhamento.
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Tal como era próprio da literatura do profeta Daniel, também Santana apresenta as suas "visões" acompanhadas da respectiva interpretação. Tudo muito límpido, de acordo com uma tradição em que a primeira obra aguarda sempre a sua conclusão providencial (é o caso da relação entre o primeiro e o segundo Zacarias que estão separados entre si por dois séculos). Aliás, o tema do retorno do herói salvador é clássico.
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Santana Lopes conhece como ninguém estas realidades e encarna-as com naturalidade. E sentido de dever. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma longa história, que é a sua, e que tem antecedentes que são do conhecimento público. Bastará ler a profecia Sibila Tiburtina (séc. IV), o Pseudo-Methodius (séc. VII), a Carta de Adso (séc. X), as Calamidades da Igreja de Liège de Rupert de Deutz (séc. XI), a Investigação do Anticristo de Gerhoh de Reichersberg (séc. XII), as Duas cidades de Otto de Freising (séc. XII), a Árvore da vida de Ubertino de Casale (séc. XIV) e sobretudo o final do famoso Prognosticatio de João Lichtenbergen (este último já do séc. XV).
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Bem podem autores menores, como Frank Kermode, afirmar que os homens "precisam de concordâncias fictícias com origens e fins para dar significado à vida". Santana Lopes, ainda que bastante incompreendido, não cabe em tal análise. E há momentos em que a História apenas espera por um simples aceno para que a verdade se transforme finalmente em obra. O providencialismo dos comunistas, dos mais diversos Mahdis e dos próprios Fraticelli (proibidos pelo Papa Pio V em 1568) ficaram pelo caminho. Todos sabemos como. Mas Santana não. E a procissão ainda vai no adro. Melhor: o cortinado da História acaba agora mesmo de se abrir!

sábado, 10 de novembro de 2007

Pré-publicações - 67


e
Rutka Laskier, O Diário de Rutka, Sextante, Lisboa, 2007 (lançamento na próxima semana).
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Pré-publicação:
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"O diário de Rutka
Janeiro-Abril, 1943"
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"19 de Janeiro de 1943
Mal posso acreditar que estamos já em 1943, é o quarto ano deste inferno. Os dias passam depressa, uns iguais aos outros. Sempre o mesmo tédio nojento e pegajoso. A cidade está em grande alvoroço.
[…]

27 de Janeiro de 1943
Hoje estou estranhamente bem-disposta. Quase que invadida por uma alegria, uma felicidade, da qual não me apercebi. Como se tivesse inspirado toda a alegria, toda a distância incomensurável. E o mais importante é que não tenho saudades. Noutros dias, sinto-me completamente absorvida pela nostalgia de algo de belo, maravilhoso e distante. Acho que só me poderia sentir aliviada se me encontrasse num sítio bonito, olhando para paisagens maravilhosas. Quando estou à beira-rio e olho para a cascata a jorrar, sinto algo dentro de mim que se levanta e vai para longe…
[…]

5 de Fevereiro de 1943
O círculo está cada vez mais apertado. No mês que vem já deve haver gueto, um gueto de verdade, cercado por muros. No Verão, vai ser insuportável estar tanto tempo numa prisão, não ver flores nem campos. No ano passado, andei pelos prados, apanhava sempre muitas flores, o que me lembrou que qualquer dia deve dar para ir à Rua Malachowska sem sermos deportados, ir ao cinema à noite… Já estou tão «submergida» com os horrores da guerra que as piores notícias não me fazem impressão nenhuma. Não posso acreditar que algum dia poderei sair de casa sem a estrela de David, que a guerra acabará completamente. Estou curiosa sobre como será, talvez enlouquecesse de alegria.
[…]
Meu Deus! Oh Rutka, já deves ter endoidecido, porque já estás a chamar por Deus, como se Ele existisse. Este niquinho de fé que costumava ter já se quebrou completamente. Se Deus existisse, Ele não teria seguramente permitido que seres humanos fossem atirados vivos para fornos, nem que cabeças de criancinhas fossem esmagadas por cabos de pistolas ou amontoadas em sacos e gaseadas até à morte… Soa como uma ficção. Aqueles que não viram nunca hão-de acreditar. Mas não é uma lenda, é a verdade. Como a vez em que bateram num velho até ele ficar inconsciente, porque não tinha atravessado a rua como devia. Só isto já é absurdo. Mas não é nada, desde que não haja Auschwitz… e um cartão verde… O fim… Quando é que virá?..."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Pré-publicações - 66

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Vem aí, em Dezembro, a primeira edição integral de:
Jacques Prévert, Palavras/Paroles, tradução: Manuela Torres, Sextante, Lisboa, 2007.
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Pré-publicação:
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"A PESCA À BALEIA"
e
À pesca à baleia, à pesca à baleia,
Dizia o pai, numa voz furibunda,
Ao seu filho Prosper, escondido no armário,
À pesca à baleia, à pesca à baleia
Tu não queres ir,
Mas porquê?
Mas porque é que eu hei-de ir pescar um animal
Que não me fez nenhum mal, papá,
Vai lá tu pescá-la, já que te apetece,
Eu prefiro ficar em casa com a mãezinha
E com o primo Gaston.
Então o pai foi sozinho no seu baleeiro
Enfrentar o mar encapelado…
Eis o pai no mar alto
Eis o filho em casa
Eis a baleia em fúria
E eis que o primo Gaston entorna a terrina da sopa,
Com o caldo a ferver.
O mar estava mau,
Mas a sopa estava boa
E eis Prosper desolado na cadeira:
Acabei por não ir à pesca à baleia,
E afinal porquê?
Talvez a pescássemos,
E então eu comia-a.
Mas eis que a porta se abre
E surge o pai encharcado
E esbaforido
Com a baleia às costas.
Lança o animal sobre a mesa, uma bela baleia de olhos azuis,
Uma baleia como nunca se viu,
E diz numa voz desabrida:
Tratem de a esquartejar,
Tenho fome, tenho sede, quero comer.
Mas eis que Prosper se levanta,
Olhando o pai no branco dos olhos
No branco dos olhos azuis do pai,
Azuis como os da baleia de olhos azuis:
E porque é que eu hei-de esquartejar um bicho que não me fez mal nenhum?
Que se lixe, prescindo da minha parte.
E atira a faca para o chão,
Mas a baleia pega nela, corre para o pai
E trespassa-o.
Ah, ah!, exclama o primo Gaston
Faz lembrar a caça, a caça às borboletas.
E eis Prosper a fazer as participações,
A mãe de luto pelo pobre marido,
E a baleia, de lágrima no olho, ao ver o lar desfeito,
De súbito exclama:
Mas porque é que eu fui matar este imbecil?
Agora os outros vão perseguir-me em barcos com motor fora de bordo
E vão exterminar toda a minha família.
Então, rompendo num riso arrogante,
Dirige-se para a porta e diz
Ao passar pela viúva:
Minha senhora, se alguém perguntar por mim,
Diga por favor:
A baleia saiu,
Sente-se
E espere,
Daqui a quinze anos ela há-de voltar…"
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 45

e
Interessante pacto entre a aura diáfana das termas e a espuma a sobrevoar a geometria dos jardins e a magia dos encontros:
e
“Klima identificou-se e perguntou-lhe quando ela teria tempo para o ver.
- Acabo o serviço às três horas. Podemos encontrar-nos às quatro.
Em seguida, foi preciso combinarem um local para o encontro. Ruzena propôs a grande cervejaria da estância termal, que estava aberta durante todo o dia. A magra, que ficara ao lado dela e não lhe tirava os olhos dos lábios, fez um sinal de cabeça aprovador.”
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(Milan Kundera, A Valsa do Adeus, tradução: Miguel Serras Pereira; Círculo de Leitores, Lisboa, 1990, p.40)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 44

e
Num ambiente de recepção, a sagacidade dos bastidores e a diversidade dos convivas podem acabar por convocar um colorido realmente singular. Augusto Boal deu voz e figura a um tal quadro nas primeiras páginas do seu romance, "A deliciosa e sangenta aventura latina de Jane Spitfire – espiã e mulher sensual" (1977). Não deixa de ser curioso verificar a presença de cervejeiros ao lado de liberais, como se os primeiros fossem, afinal e no mínimo, uma ´força de concertação social’:
e
“Os olhos ávidos de Mr. Cartwright seguiam fascinados os movimentos das ágeis ancas de sua mulher, o baloiçar dos seios. Quando passou por perto, não se conteve e agarrou-a. Quis beijá-la. Quis outra coisa.
– Não querido, hoje não, não agora. Uma vez por mês basta!
– Hoje é dia 23! A última vez foi no dia 22 do mês passado. Recordo-me muito bem..."
e
(...)
e
"Os convidados começaram a chegar e as comidas ainda não estavam prontas. Janet pediu que fosse recebê-los e entretê-los com salgadinhos, palavras amáveis e whisky.
Veio muita gente: professores, comerciantes, banqueiros, cervejeiros, liberais. Todas as mulheres vestidas de rendinhas e babados, todas com chapeuzinho...”
e
(Augusto Boal, A deliciosa e sangenta aventura latina de Jane Spitfire – espiã e mulher sensual, Moraes Editores, Lisboa, 1977, p. 15).

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A era das fusões a frio

e
O filósofo Rui Santos, grande defensor da posição Universalia sunt post res, e, porventura, muito marcado pelo desejo de fusão entre o BCI e o BCP, proclamou recentemente a união entre o Sporting e o meu Benfica. Eu mais facilmente assinaria de cruz, e já, a diluição dos dois estados ibéricos (a parte da cidade do Porto que apoia o FCP podia, se fosse essa a sua opção, ficar de fora da nova União para melhor expiar, de modo paroquial e autónomo, orgulhos próprios). Como se vê, até prefiro o Saramago e as tapas everywhere ao produtor de Corrupção e sobretudo a Rui Santos. Ah, mas não falho uma única palestra de domingo à noite. Lá isso não! Filosofia e cosmopolitismo é comigo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Valer a pena

e
Já que hoje me referi a "coisas que valem a pena", aqui deixo mais uma: a excelente reportagem, em tempo real - não há jornal online que se compare à funcionalidade íntima da blogosfera -, do "Fórum das Letras" que decorre neste momento na cidade de Ouro Preto. O Francisco, além do mais, é um óptimo cultor dos detalhes.