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terça-feira, 13 de novembro de 2007

Volta ao Mundo - 9


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Chegou ontem uma nova crónica da volta ao mundo que a Clara e o Miguel estão a levar a cabo, durante um ano. Tudo começou, como se lembrarão, há mais de dois meses e... para trás já ficou Madrid, Havana, Galapagos, Quito, Buenos Aires e Ushuaia. O casal já está, entretanto, na Ilha da Páscoa, embora a crónica que agora aqui se publica seja a relativa aos fiordes da Patagónia chilena:
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"De barco pelos Fiordes Patagónicos, Puerto Eden, Chile"
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"Entrou na sala e acordou o meu preconceito. Imaginei-a a rir em festas, quando afasta o cabelo; a passear em lojas de roupa, quando caminha por entre as mesas; a fumar cigarrilhas, quando procura algo na mala; a sentar-se num café de luxo
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- Posso? -, quando se senta à minha mesa. Estranho. Nem a pensava em espanhol.
- Gosto de andar de barco.
Imagino…
- Para comer fruta.
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Paro.
E é já sentada no seu coração que conversamos até amanhecer. Descreve-me os cheiros, o tempo, a vida de Puerto Eden com histórias de índios e lendas antigas; como gosta de acordar antes do tempo para ouvir os próprios pés, denunciados por estalos de madeira a cada passo arrastado.
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- É nesse momento que acordo dos sonhos – diz-me.
Continua a mergulhar todos os dias para apanhar marisco, como a avó da sua avó, nua para nunca ficar doente. Come peixe, ovos e algas. Leva o filho à escola de canoa e regressa pelo caminho mais longo. Porque nesta aldeia não existe o hoje nem a palavra solidão. Cada dia tem outro dentro, uma pessoa é todas as outras.
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Chegamos às seis da manhã. Despedimo-nos. Confessa-me que gostou de mim porque tenho riscos a prolongarem-me os olhos. O seu abraço cheira a madeira. Eu cheiro a madeira. Agarra os sacos com uma mão para me dizer adeus, levam fruta e pedaços soltos da minha admiração. Enquanto o seu barco se afasta imagino. Mas agora com mais verdade.
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(Só se chega a Puerto Eden de barco. Isolada por glaciares, montanhas e ventos que gelam, fica a dois dias de uma das cidades mais a sul do mundo, Puerto
Natales. Só três dias depois de lá sairmos tornámos a ver uma aldeia)."
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