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sexta-feira, 31 de março de 2006
Faltam 19 dias
Identificações
Livros, críticos e desvarios
quinta-feira, 30 de março de 2006
Livros, tribunais e desvarios
Já se sabe que Dan Brown concebeu o seu Código Da Vinci a partir do fundo deste aquário ficcional, acrescentando-lhe ingredientes adequados a um sucesso que nem sempre sorri a quem os utiliza com conhecimento, conta, peso e medida. Não terá sido sorte, talvez sortilégio, mas o certo é que Brown beneficiou do chamado álibi perfeito: estar no tempo certo com a história e o formato certos. Acontece uma vez, dizem as auras mais avisadas.
Ora, a crónica de d´Ancona remete-nos para a paródica conspiração de um almoço que teve lugar algures em Westminster, num daqueles restaurantes frequentados por “old-fashioned Tory MPs”, e onde o pão de alho italiano se terá misturado com a intriga mais felina e delirante. No fundo, o par Baigent e Leigh pretendia inquirir acerca das possíveis cabalas que se tramariam na babilónica Bruxelas de então, já que, para os dois detectives à Tintim, nelas se reflectiria, com evidência mitológica, a velha tradição do Graal, de Sião, do padre Saunière, etc.
Se estes dois seres filtraram o mundo desde pequenos a partir de um enredo tão sórdido, próprio de um Joaquim de Flora, imagine-se agora a razão pela qual Dan Brown foi um dia parar a tribunal. Nada mais simples, se colocarmos a questão ao contrário, ou seja: como poderiam Leigh e Baigent suportar a abordagem e sobretudo o tremendo sucesso de Brown? De forma nenhuma. O esforço vital e extravagante de toda uma vida parecia abruptamente morrer na praia diante do bestseller mais ostentado e vendido em qualquer aeroporto dos confins do planeta.
Não estamos, em Portugal, neste reino de Pop Corn iniciático com sabor a Stout. Margarida Rebelo Pinto preferirá o perfume de um bom open space, os ares condicionados acabadinhos de montar e o ardil que faz dos afectos tudo menos uma conjura às profundezas do destino humano. João Pedro George também parece mais cativado pelo realismo arejado da coisa literária, embora torça com alguma alergia o nariz ao pimba, levado que é pelo horror ao excesso de isotopias.
A moral da história por cá não é tão divertida como o é em terras de Sua Majestade. Se existe algo de comum entre ambas as histórias é o paradoxal e bizarro recurso à justiça. De resto, na terra de ninguém dos comentários e da crítica, sobrará o desvario, o risível e alguma real insignificância (ler o post de baixo e mais este ainda sobre o assunto). Evocar a “liberdade” num caso destes é evocá-la praticamente em vão. Sintomas de uma dança sem par, digo eu. Mais valia, ao fim e ao cabo, dançar a valsa com o padre Saunière! Pasolini teria filmado a cena com santificado apreço.
quarta-feira, 29 de março de 2006
Advogado do diabo
"Complexity and Color"
Desta vez, senti que se tinha bloqueado aquela reacção intempestiva que é habitual após o visionamento de cada episódio (o luar, creio eu, não deverá ter sido exclusivo). Efeitos estranhos e pouco controláveis. É por isso que inicio o breve trabalho de memória quase quarenta e oito horas depois do repetido fascínio. Foram os suicídios honrosos, o regresso de Octaviano, as ameaças a Voreno, o novo-riquismo reinante, a incontida paixão de Pulo (algo nele está já a mudar…), a carne quente dos maninhos e o chicote pouco hábil de Átia. Depois, clímax vestidinho de branco, César entra no pátio da Reboleira e contrapõe-se às honrosas dúvidas do nosso herói Voreno. “"I have legally taken Dictator's powers. I will return those powers to the people and senate as soon as I am able. No man loves our Republic more than I. I will not rest until it is as it was in the golden age”. Segue-se a glorificação latentemente misturada com um fio de ameaça negra. As confissões, os queixumes e as denúncias conduzirão ao resto: a vingança a frio. Servília é humilhada entre o sangue dos seus escravos (sim, horrível) e o que sobra são letrinhas a escalar pelo ecrã, sob aquela névoa que traz Cleóapatra de volta, mas não ainda no próximo epidósio (segreda o oráculo). Acrescentaria que a carne é fraca como é inadvertido o leme do destino romano: as aves nem sempre voam na boa direcção.
Livros & pugilismo
Escreve-se no Esplanar de João Pedro George:
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terça-feira, 28 de março de 2006
O glorioso é sempre o glorioso
O radioso futuro da demagogia
Às vezes, ao ouvir Marques Mendes, tenho a sensação de que poderia dar um bom sucessor de Carvalho da Silva na CGTP.
Castro, ou o mito português do amor eterno
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Apocalipse ou visão na era pós-socrática
Apoio o Simplex 2006, ponto final.
Seja como for, quando leio na literatura de género apocalíptico o número 666, eu sei muito bem o que isso significa. Mas quando leio ou vejo nos média actuais o número 333, eu não sei muito bem o que isso significa.
Caro Sócrates: apoio o Simplex 2006, ponto final. Apoio incondicionalmente a voragem e a coragem anti-burocráticas, mas desconfio da anunciada latitude aritmética.
Por exemplo, quem fica responsável por aplicar cada uma das trezentas e trinta e três medidas? Como vai o público aferir o seu cumprimento efectivo? Se estivéssemos a falar de uma dezena de medidas, tal tarefa seria minimamente possível. Mas “333” cheira a algarismo que pretende impressionar, ou pior, reflecte um daqueles métodos enviesados e baseados no puro exagero e por isso mesmo pouco funcionais (e de carácter burocrático, já agora).
Digo-o, mas não há nada a fazer: apoio o Simplex 2006, ponto final.
Os sindicatos e outras corporações já gritam? Mas eu apoio o Simplex 2006, ponto final.
Sem polémica nem perfume
Estará, de facto, muito longe de ser apenas “interessante”.
Mas se querem poesia a sério acerca da beleza delas - numa perspectiva do “gender” -, passem mas é por aqui. Eu bem avisei.
A absoluta normalidade da deportação
O título é meu, mas o texto a ler é de Helena Matos. No Blasfémias.
Apito de que cor?
Luís: e… quem é que dava a “fruta” para que a “paixão” vingasse? Eu, tal como o bom São Tomás, também não sei.
Caricaturas
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Se alguém publicasse este caricatura num recôndito diário dinamarquês, acham que daria origem a manifestações violentas por aí fora?
segunda-feira, 27 de março de 2006
Celebrando o teatro
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“Os gregos inventaram o teatro para recuperar a identidade que tinha sido estilhaçada pelo alfabeto”. Já citei várias vezes esta frase de D. de Kerckhove para tentar caracterizar uma das sinas mais originais do teatro. E volto hoje a repeti-la. Creio que diz quase tudo acerca deste dia que se quer generoso.
Caderno de corda
Hoje, no Valenciana (às 20h.), comemora-se o primeiro aniversário do Caderno de Corda. Não poderei lá estar fisicamente, mas estarei em orações. Que contes muitos anos mais, Davi Reis! (seja como for, após longa e aventurada pesquisa policial, o Miniscente está em condições de revelar que Davi Reis é Hugo Simões, poeta mais ou menos clandestino, libertino estelar e jornalista afinado). Que grande banquete! Parabéns.
Ó Nésimo - 2
domingo, 26 de março de 2006
Os 500 anos do Progrom de Lisboa
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Um certo mutismo português adora esquecer os labirintos judaicos de Amesterdão, de Antuérpia, de Istambul ou do Recife que, afinal, lhe saíram da sua própria carne. Por que razão será muda a história oficial portuguesa acerca da implosão judaica de finais de século XV e inícios do século XVI? Independentemente de tal mudez, a verdade é que não há português que não traga consigo um pouco de Israel e, no entanto, parece disfarçá-lo com uma leviana saudade da escuridão, com uma timidez pessoana e quase mitológica, com uma ignorância tétrica e, às vezes, com uma apaixonada tentação pela erradicação memorial (tantas vezes pressionada pelos fluxos ideológicos de conjuntura). É como se, na frente de um Portugal marmóreo e cristalizado, apenas ficasse o mar e as suas lendas a sós, apenas ficasse a imagem passada de um século de ouro, apenas ficasse a euforia das Europálias, das Expos, das Décimas sétimas, das N Capitais da cultura e das várias Exposições do mundo português. É como se, em todas estas cenografias da exaltação lusa, nada sobrasse do vestígio da alma judaica arrancada à nossa própria alma. Que auto-imagem celebrará tal amputação, ou tal compaixão desprovida de rosto?
e
A 30 de Janeiro, também de 2004, voltava-se a escrever aqui no Miniscente:
Oxalá, daqui a dois anos, em 2006, o estado português saiba homenagear a parte mais esquecida do seu corpo nacional. Fazê-lo seria, para além de uma questão de justiça, sobretudo uma desafio vital para a nossa própria auto-imagem e orgulho próprio. Vamos, então, aos factos históricos (fonde Rua da Judiaria):
sábado, 25 de março de 2006
Revolution (act.)
Ó Venâncio!
Fernando, sabias que um dos meus bisavós, apenas um por causa da pureza do sangue, não era alentejano como nós os dois somos? E sabes de onde era natural, sabes? Precisamente de "Cabanas de Viriato". Sim, fixa bem o nome da terra: "Cabanas de Viriato". Fica ali para as bandas de Lamego, mais para sul do que para norte. De facto, só o teu apego pela filatelia me podia ter hoje arrepiado os cabelos. Ainda por cima, está um dia tão sereno e tão propício ao memorialismo bucólico!
e
Já viu, mãe, como os espanhóis estão a roubar o prestígio ao seu avô (é melhor não contar aqui que depois fugiu para o Brasil, desapareceu e...)? Já viu, pai, como qualquer dia o Zapatero manda inscrever em selo o Nuno Álvares Pereira naquela garrida série da "Historia de España"?
eClicar aqui para seguir a polémica sobre Viriato: a quem pertence Viriato, afinal? Talvez a todos um bocadinho. Ou não?
Ó Nésimo!
Memórias de ouro - 5
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Faz hoje precisamente vinte anos, estava eu sentado na Manger Square em Belém (Bethlehem). Dizia o Miniscente off-line da época: “Olho para esta arquitectura incaracterística e pouco mais me apetece escrever. Ficarão na memória as alas bizantinas da Natividade, a impaciência kitsch da mesquita que lhe faz contraponto, as velas dos monges ortodoxos, o sabor acre do sumo de laranja, a palmeira raquítica a meu lado e ainda as alergias”.
Walking around
Registe-se a situação: o Flatiron era nesta altura um sereno solitário (a foto é de 1904, embora tenha sido impressa em 1909). Um século depois o que é que esta imagem respira? Um tédio que apetece sonhar ao sabor do ócio sem fim. Lembro-me de ter ido comprar, numa livraria das redondezas, dois livros sobre G. Vico. Estão agora ali em minha frente na estante. Não havia ninguém nos passeios, era um sábado à tarde como hoje, embora o calor do início de Junho estivesse mais do lado do ócio profundo do que de qualquer brilho entediado. Depois, terá vindo a noite e com ela a redenção mais involuntária que é própria do olhar de Edward Steichen.
Fim de linha
A saudade não existe
sexta-feira, 24 de março de 2006
Eu não fui
Afrodisíacas e verbais
quinta-feira, 23 de março de 2006
500 anos do Progrom de Lisboa
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Faltam 27 dias. Vamos seguir a proposta do Nuno Guerreiro. Um país não se pode mutilar e continuar incólume e em silêncio face a si mesmo.
"O ponto alto da cerimónia"
Ventanias (act.)
Três reflexões sobre design
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A contemporaneidade cumpriu a antiga profecia de G. Deleuze (já quase com quatro décadas[1]) segundo a qual os simulacros seriam “sistemas em que o diferente se refere ao diferente pela própria diferença”. Nestes sistemas não há fundamento, nem identidade prévia nem semelhança interior. Estaríamos num mundo composto por uma espécie de monadologia leibniziana, mas desprovido de um Deus que nos enunciasse o “melhor dos mundos”. Na nova teodiceia indiferente e laica, a matéria e a “notícias” (as meta-ocorrências) aparecem no mesmo plano e na mesma omniurbe global, sem que nos apercebamos tendencialmente das oscilações de valor. A gripe das aves, a guerra entre significados de imagens, uma famosa OPA ou um anúncio de Maradona aparecem nos ecrãs como peças individualizadas que criam sentido por si sós, sem contextos precisos e projectando no que resta da relação clássica emissor-auditórios “linhas de fuga” demasiado abertas.
Existe uma dimensão plástica curiosa nessa “banalidade” virtualizante, ou melhor, uma espécie de minimalismo “clean” que reflecte o estado activo de media res em que vivemos. Tudo está em curso em jeito de fluxo num grande espectáculo hiper-real (onde, por natureza, a antinomia real-ficcional perde sentido dia a dia). O registo baudrillardiano da América, que já havia remetido para uma tal “repetição sem sentido”, condiz com o novo parapeito metafórico (o oposto ao acontecimento irrepetível, próprio do rito religioso ou da ‘ir-reproductibilidade’). Tal como a notícia, o design dispõe-se neste estado estésico avassalador através da simplificação e do recurso a uma racionalidade comunicativa essencialista. Por essa via, a moldagem da matéria convoca o simulacro e sobrepõe, sempre que possível, a singularidade da “pureza emocional” a contextos particulares.
Estes factos também se estão a processar no mundo das redes (a “segunda natureza”, segundo Roy Ascott) onde sistemas complexos como a prototipagem rápida (RP) ou a litografia estereo tridimensional têm originado o fabrico de séries de produtos adaptados a necessidades individuais. Esta personificação em massa aliada à miniaturização determina que as novas tecnologias, mais do que desígnios instrumentais, tenderão a ser incluídas e entendidas no campo do design como qualquer outro material indiferenciado (o diferente do diferente). Será a consecução de uma utopia comunicacional clássica (de Marshall McLuhan). E será ainda a maior vitória da atomização e da teoria dos simulacros, se não for mesmo a antevisão de uma futura ciberantropologia.
re
Os fluxos são preenchimentos, mais automatizados do que autonomizados, no seio dos quais a liberdade é quase anulada por uma vontade prévia que é objectivada pelo instantanismo[2]. Há fluxo quando se consome, há fluxo quando se viaja, há fluxo quando se fala (é por isso que a subordinação está a desaparecer dos discursos), há fluxo quando se lê o mundo nos média e na rede, e há ainda fluxo nas imagens que percorrem o mundo. O domínio omnipresente dos fluxos traduz o termo de uma época em que a autenticidade era ainda uma medida central e referencial (W. Benjamin bem dizia que, pelo facto de a reproductibilidade não ser reprodutível, o “desenvolvimento intensivo de determinados processos de reprodução” tinha fornecido o meio para a “diferenciação e graduação da autenticidade”).
Se o fluxo se tornou na própria reprodução da reprodução, logo a matriz clássica da autenticidade se transpôs para o campo da diferenciação, para o plural e acentrado, dissolvendo-se horizontalmente no que antes foi a ordem vertical do mundo. Um mundo de fluxos é pois um mundo de excesso e de comunicação pela comunicação onde as peças da cultura material estão em trânsito como diferentes e, portanto, sem o requisito clássico da matriz. Ou seja, a matriz é concebida para que a peça entre no trânsito global e a remova (como acontece naqueles códigos genéticos em que os progenitores se suicidam para gerar).
Não é por acaso que está hoje em voga um hibridismo que integra, embora sem uma ordem central e referencial dada, o que antes eram identidades fixas agregadas. Ao holismo estático da representação, a actual circulação de individualidades discretas impõe o seu novo reino. No design, esse movimento também está em curso através da emergência dos novos materiais que se estão a apresentar à funcionalidade e emoção globais como as novas próteses da nossa cultura material. São simulacros tácteis que podemos fruir com o corpo e com a percepção (cerâmicas flexíveis, espumas metálicas, plásticos condutores, emissores de luz capazes de memorizar as formas, fibras de carbono, etc.). O caso dos polímetros sintéticos é interessante, já que remete directamente para a mimese das propriedades naturais, preservando os atributos tácteis e alterando se necessário “o potencial formal dos produtos”.
É deste modo que os produtos se encaram como esteios que estão para além da forma e função para que foram desenhados. O desenho da matéria satisfaz assim o fluxo dos fluxos - o desejo instantanista -, liofilizando-o e contribuindo decisivamente para a generalizada esteticização do mundo (ou não há hoje um inesperado museu de arte contemporânea a crescer em todo o espaço à nossa volta, para fora do ‘sagrado’ que se institucionalizou após as várias mortes de Deus?)
Esta última ‘aparição’ conduz-nos à mitologia contemporânea da “marca”, definida por Al Ries e Laura Ries[3] – e por outros gurus da epistemologia publicitária – como a “percepção que o público tem de um serviço, produto, pessoa, etc.”. Nada nem ninguém controlará a marca – a percepção geral é um “universal” actuante – e, portanto, ela vive da transcendência que é diariamente reposta por imagens difusas e “lateralizadas” (E. de Bono). Mas a marca acaba sempre por deslizar para além dos sentidos que a condicionam e fá-lo como se fosse a nova “Ideia” platónica, composta por “património”, o que é tangível, e pelo essencial “core”, o que o não é. O planeta está assim hipnoticamente preso em torno desta operação de codificação/ descodificação do “core”. A conotação é filha do design, mas a conotação da conotação conduz à marca como tão bem defendeu o semiótico U. Volli[4]. É o design do design, mas neste caso ideal e não material.
3 – O design do design material.
e
Quando se entra num hipermercado ou no site da “Amazon.com”, verifica-se que o espaço é composto pelo fluxo das formas. O design vive em fluxo, auto-reproduzindo-se, esgotando a capacidade de uma individualização que se adequasse a uma solução geral e universal. Está lá tudo (um "dasein" que agencia todos os agenciamentos que estão em curso). A inscrição de qualquer forma na forma desses espaços (hipermercados e sites muito visitados) é sempre um acto de passagem ou uma notação do diferente no diferente. As matrizes iniciais, ao modo dos “pixels”, parecem dissolver-se e ao mesmo tempo corporizar-se nesta nova concepção que pode ser baptizada como ‘design do design’.
Caracterizá-la-íamos como a moldagem do moldado onde cada inscrição, tal como no hipertexto[5], se submete à provisoriedade (as formas estão em estado de permanente subtracção e adição), à des-subjectividade (enunciação síncrona e plural), à estesia (simultaneidade entre a sinalização e a poiesis), à meta-contextualidade (as formas criam o seu próprio contexto, deixando de haver um “de fora” e “um de dentro” evidentes), à reversibilidade (multimodalidade e coexistência de registos) e ao incorpóreo (no sentido de um agregado inorgânico e descentrado).
Não existindo, felizmente, teorias filosófica ou semióticas unificadas do design, parece-nos que esta caracterização do ‘design do design’ poderá pelo menos complementar a noção de C. e P. Fiell, avançada no recente Designing The 21st Century[6], segundo a qual a “prática do design deve responder a necessidade técnicas, funcionais e culturais e criar soluções que comuniquem significado e emoção que transcendam idealmente as suas formas, estrutura e fabrico” (2005, pp.11-21). Creio sinceramente que o design já está há algum tempo a flutuar nas águas dessa transcendência, embora essa transcendência não nos deixe de tocar devido ao seu especioso rosto de Janus: entre o simulacro e a solução, e entre a saturação e o desejo.
[1]Deleuze, G., 1968, Différence et Répétition, PUF, Paris.
[2] Carmelo, L., 2003, Órbitas da Modernidade, Editorial Mareantes, Lisboa.
[3]Ries, A./L., (2002) 2003, A Queda da publicidade e a ascensão das relações públicas, Editorial Notícias, Lisboa.
[4]Volli, U., (2003) 2004, Semiótica da Publicidade – A criação do texto publicitário, Edições 70, Lisboa.
[5] Carmelo, L., 2006, A Novíssima Poesia Portuguesa e a Experiência Estética Contemporânea, Publicações Europa-América, Mem Martins.
[6]Fieel, C. & P. 2005, Designing The 21st Century, Tachen, Koln.
Designs
quarta-feira, 22 de março de 2006
Gente rica é outra coisa
Escreve o José Pimentel (ver comentários aqui): “Um dia também encontrei um livro de LC em Maputo, ia para os 500 contos (25 USD na altura)”. Parece que a concorrência na altura foi arrasadora, de tal modo que o JPT não conseguiu mesmo comprar o valioso livro. Alguém bastante habituado a leilões da Christie's, segundo se segreda nos meios, adiantou-se a tal genuína e amiga intenção. Conclusão moral: sempre é melhor ostentar olhos de gato e não os próprios nas capas dos livros: vende-se mais e rentabiliza-se também mais o produto. OPA por OPA, é mesmo assim. Não concordam?
Sena & fear
Ontem, na Casa Fernando Pessoa, comemorou-se o Dia Mundial da Poesia. Na sessão da tarde, os poetas convidados disseram dois poemas próprios e dois alheios. Três dos quatro poetas (Pedro Tamen, Gastão Cruz e Pinto do Amaral) escolheram Jorge de Sena. Por que terá sido?
Na sessão da noite, o Pedro anunciou um tornado e a bonança quase ao mesmo tempo, seguindo sempre a sombra e a palavra de Philip Larkin. De facto, nem sempre “Life is first boredom, then fear.” ('Dockery and Son', 28 March, 1963). Ao contrário de Miss Pearls que estava na fila da frente, mal consegui ouvir António Osório e a inédita figueira recitada por Nuno Júdice. Adília Lopes esteve sereníssima: a marca dita sempre a surpresa ou a desgustação. Acenou desta vez a primeira.