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quinta-feira, 30 de março de 2006

Livros, tribunais e desvarios

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Matthew d´Ancona dá conta, no The Spectator desta semana (de 25 de Março), de um encontro que teve há cerca de uma década com o par Michael Baigent e Richard Leigh, autores de vários livros sobre o caso esotérico de Rennes-le-Château que gira em torno do enigmático padre Saunière (o tal que, em 1886, teria descodificado o labirinto do Priorado do Sião). A história tem barbas, correu mundo e até os próprios nazis, durante a guerra, fizeram várias incursões junto à torre de Maria Madalena de Rennes-le-Château, mandada construir por Saunière com fundos de origem duvidosa.
Já se sabe que Dan Brown concebeu o seu Código Da Vinci a partir do fundo deste aquário ficcional, acrescentando-lhe ingredientes adequados a um sucesso que nem sempre sorri a quem os utiliza com conhecimento, conta, peso e medida. Não terá sido sorte, talvez sortilégio, mas o certo é que Brown beneficiou do chamado álibi perfeito: estar no tempo certo com a história e o formato certos. Acontece uma vez, dizem as auras mais avisadas.
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Ora, a crónica de d´Ancona remete-nos para a paródica conspiração de um almoço que teve lugar algures em Westminster, num daqueles restaurantes frequentados por “old-fashioned Tory MPs”, e onde o pão de alho italiano se terá misturado com a intriga mais felina e delirante. No fundo, o par Baigent e Leigh pretendia inquirir acerca das possíveis cabalas que se tramariam na babilónica Bruxelas de então, já que, para os dois detectives à Tintim, nelas se reflectiria, com evidência mitológica, a velha tradição do Graal, de Sião, do padre Saunière, etc.
Se estes dois seres filtraram o mundo desde pequenos a partir de um enredo tão sórdido, próprio de um Joaquim de Flora, imagine-se agora a razão pela qual Dan Brown foi um dia parar a tribunal. Nada mais simples, se colocarmos a questão ao contrário, ou seja: como poderiam Leigh e Baigent suportar a abordagem e sobretudo o tremendo sucesso de Brown? De forma nenhuma. O esforço vital e extravagante de toda uma vida parecia abruptamente morrer na praia diante do bestseller mais ostentado e vendido em qualquer aeroporto dos confins do planeta.
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Não estamos, em Portugal, neste reino de Pop Corn iniciático com sabor a Stout. Margarida Rebelo Pinto preferirá o perfume de um bom open space, os ares condicionados acabadinhos de montar e o ardil que faz dos afectos tudo menos uma conjura às profundezas do destino humano. João Pedro George também parece mais cativado pelo realismo arejado da coisa literária, embora torça com alguma alergia o nariz ao pimba, levado que é pelo horror ao excesso de isotopias.
A moral da história por cá não é tão divertida como o é em terras de Sua Majestade. Se existe algo de comum entre ambas as histórias é o paradoxal e bizarro recurso à justiça. De resto, na terra de ninguém dos comentários e da crítica, sobrará o desvario, o risível e alguma real insignificância (ler o post de baixo e mais este ainda sobre o assunto). Evocar a “liberdade” num caso destes é evocá-la praticamente em vão. Sintomas de uma dança sem par, digo eu. Mais valia, ao fim e ao cabo, dançar a valsa com o padre Saunière! Pasolini teria filmado a cena com santificado apreço.