quarta-feira, 30 de março de 2005

A voz ocasional de um poema

A minha editora (de romances) vai editar um pequeno livro com poemas de alguns dos seus autores para Feira do Livro de Lisboa. Tendo-me o convite batido à porta, eis o que saiu:

Vozes

Entram no mar e vêem a lua a dividir-se em vozes,
muitas vozes transparentes.

Era apenas uma flor que se arrastava
avermelhada
entre a força das ondas e a praia quase deserta onde o presente
é um tempo de cisnes que desce do futuro até aos cactos selvagens
das dunas.

Eram vozes, muitas vozes transparentes
quem sabe se apenas traços desaparecidos da areia
talvez perfis ou asas,
simples asas a envolverem esse dom sigiloso que descobriram
na boca calada da magnólia?

Vozes,
muitas vozes transparentes entre as tábuas fechadas
do porão alagado do navio
como se fossem aves alucinadas
a voar sem saída

Da fé espera-se tudo
até o areal nocturno saturado
de estrelas cadentes que entram
no mar e vêem a lua a dividir-se em vozes,
muitas vozes transparentes.