A qualidade dos preservativos é avaliada como deve ser numa fábrica da província de Guangdong na China, claro está. O produto vai agora receber duas marcas de lendário renome: Clinton e Lewinsky. O primeiro visa um público com maior poder de compra, o segundo visa… o “grande” público (o que é que quererá dizer “grande” na ciência do marketing?)
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sexta-feira, 30 de setembro de 2005
A qualidade dos preservativos é avaliada como deve ser numa fábrica da província de Guangdong na China, claro está. O produto vai agora receber duas marcas de lendário renome: Clinton e Lewinsky. O primeiro visa um público com maior poder de compra, o segundo visa… o “grande” público (o que é que quererá dizer “grande” na ciência do marketing?)
quinta-feira, 29 de setembro de 2005
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quarta-feira, 28 de setembro de 2005
terça-feira, 27 de setembro de 2005
Recebi um mail contendo uma “petição” que, em princípio, terá como objectivo recolher assinaturas para a candidatura presidencial de Alegre. Duas das últimas assinaturas que constam no longo “attachment” correspondem, respectivamente, a “# 1,904 9/26/05 4:21 AM Thomás Alcaide - Tenor, NU, pt” e a “# 1,903 9/26/05 4:20 AM Guilhermina Suggia - violoncelista, NU, pt”. Há coisas que têm uma certa lógica.
segunda-feira, 26 de setembro de 2005
domingo, 25 de setembro de 2005
Eu sei que a indignação é uma arena sadia. Em princípio é assim. Sei, também, que a indignação pode estar em vez de outra coisa qualquer (e não constituir, portanto, uma emergência carregada de autenticidade). O que não quer dizer, neste último caso, que deixe de ser sadia.
Considero que não existe qualquer tipo de cinismo nesta separação. E mais: considero que a tipificação do "intelectual" - como protagonista por excelência desse possível cinismo - é coisa que pertence cada vez menos ao mundo em que vivemos (o "intelectual"era, há três ou quatro décadas, uma espécie de iluminado utópico que habitava num mundo fechado e de convergências, onde as contra-culturas e as vanguardas tinham um sentido que hoje praticamente desapareceu).
A questão abordada por J.P.P. tem lógica, mas a abordagem parece-me projectiva e algo desfasada. Com outra cirurgia mais consistente, teria dado origem, certamente, a um excelente comentário sobre a recepção ao 'escândalo Fátima Felgueiras'.
Atenção à polémica que decorre (nos comentários) do post "Entre a expectativa e nada" e a mais algumas (surpreendentes) novidades sobre o Suíço de Campo de Ourique (na actualização ao post de ontem à noite).
Aprecio o modo como Sócrates, imperturbável, repete várias vezes uma mesma resposta, contornando assim a cascata ininterrupta de perguntas dos jornalistas. É um estilo novo, convenhamos, que se enuncia num espaço algo paródico e completamente alheio ao do fluxo árido da informação pela informação.
Estava a passear o cão e era ainda de manhã cedo. Um suíço – assim se declarou o senhor que, aliás, tinha um óptimo aspecto – estava desesperado. E expressava o seu desespero através de um ar lívido, aflito, transparente. Dizia em Inglês, em Castelhano, tanto fazia: “Perdi o meu saco e fiquei sem documentos, nem dinheiro. A Embaixada está fechada e a polícia (apontando na direcção da esquadra) diz que nada pode fazer. Apenas pedia uns três ou quatro Euros para poder ir para o meu hotel em Setúbal”.
O desespero dos ricos é assim: vale pelo pouco usual, pelo inverosímil, pelo que contém de rara imodéstia.
Com infinita ingenuidade, dou ao homem uns dois euros e meio. No mesmo dia, umas horas depois, vejo-o noutra rua do bairro atrás de uma montra a receber uma nota (sim, era uma nota). E digo-lhe alto, logo que pisa o passeio do outro lado da rua: “Dois euros e cinquenta cêntimos não foram suficientes para regressar ao hotel?”.
O homem abre os braços matendo a compostura. Seja como for, naquele preciso momento um e outro entendemos tudo.
Ontem voltei a vê-lo outra vez, ao longe: recebia duas ou três moedas de um casal bem composto que passeava ao fim da tarde no Jardim da Parada.
Atenção ao suíço de Campo de Ourique; ele anda por lá!
sexta-feira, 23 de setembro de 2005
A rede estendida, aberta, extremo a extremo, entre a ameixoeira ainda frondosa e a macieira de copa já meio desnudada. As folhas avolumam-se sobre a relva e a gata, meio perdida, anda evolada entre os reflexos da água e a candura deste espaço tão subitamente outonal. A noite apareceu quente e abafada, quase sísmica. Ao longe, o som de uma banda de aldeia, o cão agitado e ciumento, um prodígio de nuvens paradas a desocultar o vaticínio dos deuses.
quinta-feira, 22 de setembro de 2005
a) O cabelo também conta: “à política o que é da política”.
b) A certa altura, F.F. terá afirmado que ponderava umas “dezassete razões fundamentais para concorrer”.
c) Um dos microfones é roxo, a água é do Luso e a candidata tem como apelido Felgueiras.
d) Há uma fotografia de F.F. na bandeirinha turquesa. Ao fundo, o cortinado é mais denso, verde e circunspecto.
e) Afinal uma causa é uma óbvia questão de bom gosto: “A cultura vai ser um palco de eventos” e, no desporto, a conjectura é sempre de mais e “mais campeões”.
f) É o inusitado, mas esperado culto da prestação. Depois de Sidónio Pais, há uma nova e irrevogável vaga de heróis em Portugal.
g) É por isso que o cabelo também conta. Seguramente.
quarta-feira, 21 de setembro de 2005
Tenho tentado acompanhar, embora de modo não obsessivo, o pensamento estético (e também político) de Mario Perniola. Foi por isso que ontem fui levado a comprar o seu último ensaio, Contra a Comunicação (Teorema), que saiu em Itália o ano passado e que acaba agora de chegar às bancas portuguesas através de uma tradução de Rui Miguens Almeida.
Ao contrário de Peter Sloterdijk, cujo cepticismo tem gerado uma crítica da contemporaneidade livre e descomprometida, Mario Perniola parte, neste seu último livro, de uma inabalável crença no conhecimento (no sentido tradicional da positividade moderna) que opõe à comunicação. O que não quer dizer que a caracterização do estádio comunicacional em que vivemos não mereça uma análise interessante, original e pertinente neste seu Contra a comunicação (vale, de facto, a pena ler).
Mas a verdade é que essa análise já é precedida por uma posição apriorística, ou melhor, por um compromisso de valor. Daí o carácter antinómico que, infelizmente, acaba por atravessar e fragilizar este seu último livro (contrariando, aliás, a feliz epígrafe de Heidegger que o acompanha: “O papel do polemista não é o do pensamento, pois o pensamento só pensa quando acompanha aquilo que fala por uma coisa”).
terça-feira, 20 de setembro de 2005
Uma palavra ainda para a lentidão que desce pela frestas entreabertas. A penumbra perdida na imobilidade imperfeita do beiral. Algumas telhas soltas e uma persiana corrida. Mais à frente, o brusco aceno da sombra reproduz com exactidão o pé do candeeiro no asfalto. Passa um vulto, depois a trela sem fim e o cão. Eu não sei mesmo se o amor pode ser pensado nesta espécie de vácuo.
O empedrado muito baço, as sombras que deslizam informes ao longo dos vidros e ainda aquele vestígio amarelado há muito gravado na parede. Há momentos de intensa cegueira, instantes de profunda hesitação que comovem este quase nada que sucede o olhar. E o que poderá perder-se? Talvez a porosa imagem dos toldos que cala a derradeira luz do dia. Quietudes.
No seu súbito e propositado silêncio - há quase uma semana que deixou de aparecer -, Soares já deverá ter entendido, não apenas os riscos que corre, mas sobretudo a desvantagens que o próprio, talvez irremediavelmente, acabou por criar: ter entrado em cena de modo não afirmativo (contra "Y"), ter aparecido voluntariamente como último e assumido recurso e, por fim, ter denotado uma voragem que o tempo já deveria ter saciado com alguma esclarecida sageza.
São factos que estão à vista de todos.
Nem registo aqui as óbvias mudanças políticas de Soares, com ênfase para o chamado pós-09/11.
O apelo abstencionista vai ser grande nos próximos meses.
segunda-feira, 19 de setembro de 2005
Como se sabe, os militares sublevaram-se contra o governo de Marcelo Caetano por razões que não eram de imediato pendor político. Todos nos lembramos disso (embora, em certos sectores, o subtexto político obviamente existisse).
Depois de Abril de 1974, as opções políticas dos vários MFAs acabaram por fundir-se quase capilarmente com a revolução. De algum modo, até meados dos anos 80, as forças armadas moldaram a própria metamorfose por que passou a fragilidade portuguesa. Daí a grande adequação referencial entre a tropa e o singular destino do país que foi vivida durante essa década, ou seja, entre meados de setenta e de oitenta (facto que enfatizou as fracturas do sistema político de então: Sá Carneiro versus partidários do chamado “Conselho da Revolução”).
Definitivamente exiladas no seu fecundo lugar de servidoras da democracia na era pós-guerra fria, as forças armadas portuguesas sentiram dificuldade em reencontrar um formato que se adequasse às novas realidades, exigências e funções. Daí a progressiva inadequação referencial que, até há vinte anos atrás, foi tão notória (e que tem sido traduzida por alguns comentadores, nos tempos que correm, como “perda de prestígio junto da opinião pública nacional”). Essa dificuldade - no fundo, uma dificuldade de compreensão de sentido -, tem estado na base da recente permeabilidade de alguns sectores militares a um estranho comportamento de natureza sindical.
Esta semana, a original veia protestatária das forças armadas portuguesas irá invadir as ruas com a assinatura das mulheres dos militares (num tempo em que as mulheres são já um património normal das casernas). É difícil caracterizar o que irá estar em causa nessas manifestações. Mas uma coisa é certa: não é a commedia dell'arte que irá prestigiar a democracia e a função específica das suas forças armadas.
domingo, 18 de setembro de 2005
“Se alguém conta que um índio — que à mesa de um inglês em Surate viu abrirem uma garrafa de cerveja e toda ela, transformada em espuma, derramar-se — mostrava com muitas exclamações a sua grande estupefacção, e à pergunta do inglês — «que há aqui para tanta admiração?" — respondeu: "eu também não me admiro de que isso saia, mas de como vocês conseguiram metê-lo aí dentro", então rimos e sentimos um afectuoso prazer, não porque porventura nos consideremos mais inteligentes que esse néscio, ou por algo comprazente que o entendimento nos tenha permitido observar aí; mas a nossa expectativa era de tensão e subitamente dissipa-se em nada. Ou se o herdeiro de um parente rico lhe quer dar um funeral realmente solene, mas lamenta que não o consegue, pois (diz ele): «quanto mais dinheiro eu dou às minhas carpideiras para parecerem tristes, tanto mais divertidas elas parecem», então rimos ruidosamente e a razão reside em que uma expectativa se converte subitamente em nada.”
(Kant, C.F.J., ”§ 54. Observação”)
sábado, 17 de setembro de 2005
"(...) alguém que se intitula como um activista dos direitos humanos, mas destila ódio em quase todas as suas palavras, o advogado palestiniano Raji Sourani, considera que o que aconteceu foi por opção de Israel. "Israel queria mostrar os patifes dos palestinianos a destruir as sinagogas", disse em entrevista ontem ao PÚBLICO. O facto de os israelitas terem decidido não destruir os seus locais de culto - da mesma forma que não destruíram as culturas agrícolas e as estufas - era por ele interpretado quase como um acto de guerra. A certa altura interrogava-se: "Quem vai rezar nelas? São edifícios vazios, sinagogas porque os colonos lhes chamavam assim." Se a linguagem não fosse a da intolerância com um só sentido, seria caso para responder: rezariam nelas os que entendessem haver no futuro Estado palestiniano pluralismo religioso, tal como hoje árabes israelitas rezam nas mesquitas que existem em Israel. E eram sinagogas porque haviam sido consagradas como tal."
(José Manuel Fernandes, Público de hoje; sem linques)
sexta-feira, 16 de setembro de 2005
Há sequências de imagens que valem mais do que mil debates. Passavam vinte e um minutos da meia-noite, quando a SIC-Notícias mostrou a despedida dos dois contendores: Carmona Rodrigues e Manuel Maria Carrilho. Não sabiam, um e outro, que estavam a ser filmados. Mas o incrível passou-se: o engenheiro estendeu a mão ao filósofo e este ignorou-o com toda a sobranceria. Arrepiante.
quinta-feira, 15 de setembro de 2005
“Von dem Christeliche/ Streyt, kürtzlich geschehe/ jm. M.CCCCC.vj Jar zu Lissbona/ ein haubt stat in Portigal zwischen en christen und newen chri/ sten oder juden, von wegen des gecreutzigisten [sic] got”(reprodução a partir de cópia publicada pelo Hebrew Union College, Cincinnati, OH. O original encontra-se na Houghton Library, Harvard University)”
É altura para relembrar o massacre da comunidade judaica de Lisboa de 1506, de que este panfleto anónimo é sinal claro (terá sido impresso na Alemanha alguns meses depois do “Progrom”). A morte de mais de quatro mil pessoas foi o símbolo terrível, não do fim de uma convivência, mas de uma amputação naquilo que é hoje Portugal.
Para o ano, em 2006, este facto deveria ser insistentemente relembrado. Não apenas como pretexto para um necessário pedido oficial de desculpas à comunidade judaica internacional, mas sobretudo para uma reflexão mais vasta e actual sobre a importância da liberdade e as raízes da democracia.
Proponho que a blogosfera crie um movimento que coloque na agenda, em 2006, o “Progrom” de 1506. O estado português - que somos nós todos - deve uma importantíssima palavra à comunidade judaica.
Chama-se Galp e é uma daquelas empresas meio estatais de dimensão que abunda em Portugal. Normalíssima, portanto, a assessoria ontem anunciada da sociedade de advogados Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados (GPCB), afinal uma boa parceira do escritório espanhol Cuatrecasas onde trabalha um português ilustre.
quarta-feira, 14 de setembro de 2005
O que leva Sócrates a decidir o que decidiu acerca da direcção do Tribunal de Contas? Imaginará, porventura, que uma esfera de influência é uma espécie de estrutura férrea e vertical? Imaginará, porventura, que a opinião e o espaço públicos são corpos celestes serenos? Imaginará, porventura, que a democracia é tão-só a sistemática reprodução de uma nomenclatura? Eu creio, sinceramente, que Sócrates não imagina nada disto. Mas, no entanto, decidiu-o e o independente Oliveira e Martins limitou-se a aceitar a incumbência.
terça-feira, 13 de setembro de 2005
segunda-feira, 12 de setembro de 2005
(clique na foto para aumentar)
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Interessante este pequeno livro que é assinado pelo arquitecto "Raúl" Lino e que foi editado expressamente para a "Exposição Portuguesa em Sevilha" de 1929 (edição do mesmo ano da Imprensa Nacional de Lisboa). No início, o autor faz eco de um movimento "já com uns bons trinta anos", cuja finalidade se subsumiria ao "reaportugesamento da nossa habitação". No entanto, a questão quase mitológica e adâmica da "casa portuguesa" teria ainda pela frente algumas décadas de longevidade.
Escreve Vital Moreira:
"Os benefícios fiscais à poupança no IRS têm três efeitos negativos: tornam o sistema fiscal mais complexo e mais difícil de fiscalizar, têm elevados custos fiscais (redução da receita) e favorecem os titulares de mais altos rendimentos, que são quem mais deles aproveita, diminuindo a progressividade real do imposto. Será que as vantagens em matéria de incentivo à poupança superam os aspectos negativos?"
Para quem não vive a pensar nas reformas e nos contratos a tempo inteiro garantidos pelo estado (e por algumas, apenas algumas empresas); para quem tem que poupar a pensar seriamente nos tempos que hão-de vir; para quem apenas ganha por sua conta e risco, penso que é uma possibilidade justa, digna e sobretudo estimulante. É o meu caso.
Escreve-se na Causa Liberal:
“Anacronicamente, o pro-americanismo dos tempos que correm parece por vezes identificar-se com a grandeza e poder do seu Estado Federal.”
Mas não é nem o estado, nem a humanidade: são as pessoas.
Escreve o Blogue de Esquerda II:
“Total da ajuda estrangeira à catástrofe de Nova Orleães ocorrida há uma semana: 1 bilião de dólares. Total da ajuda estrangeira até agora ao tsunami que ocorreu em Dezembro na Indonésia: 2,8 biliões de dólares. Número de mortos em Nova Orleães: 71 até agora, temendo-se até 10.000. Números de mortos no Sudeste Asiático: cerca de 200.000”
Comentário: Há engenharias matemáticas que são realmente perversas. Mais perversas do que o perverso que vive no juízo de quem as enuncia.
domingo, 11 de setembro de 2005
Escreve João Pereira Coutinho:
“Sim, afirma Marcavage. Nova Orleans era uma cidade pecaminosa. Jogo. Bebida. Sexo. Uma Sodoma negra, no sul da cristandade. Deus não dorme. Deus nunca dorme. Lembram-se de Noé e da arca? Reprise. Deus sempre utilizou a força das águas para castigar a fraqueza dos homens.”
A teodiceia pós-moderna, melhor, pós-09/11, transformou Deus numa figura bifronte: de um lado, um crescente desfigurado; do outro lado, um figurado neo-“make love not war”.
Escreve a Charlotte:
“"É argentina?" Balbuciei um "não, sou portuguesa". Foi então que MC me afastou a franja para o lado e disse (quero acreditar que carinhosamente): "Mas podia ser".”
Lembro-me de Mário Cesariny ali para as bandas da Rua da Escola Politécnica entre 1972 e 1973. E nesse seu andar de perdição habitava um mar de possibilidades, entre elas essa “delicadeza que no está sujeta a la fragilidad”.
A iniciativa que Paulo Gorjão propôs e que José Pacheco Pereira recentrou deverá, em minha opinião, ser objecto de alguns - muitos - cuidados.
Em primeiro lugar, as informações que forem sendo publicadas não podem ter fontes anónimas. Todos sabemos que seria porventura mais fácil recolher desse modo um certo tipo de informações, mas a verdade é que a própria natureza do anonimato só pode conduzir a iniciativa à falta de credibilidade e à ambiguidade.
Em segundo lugar, vai ser necessário dispor temporalmente os dados de uma forma coerente e consistente, pois só assim será possível aferir as continuidades e as implicações que estão em jogo.
Em terceiro lugar, há que evitar todo e qualquer tipo de enunciação judicativa sobre o material recolhido, já que o objectivo da iniciativa é tão-só fixar e situar dados, de modo a que os mesmos falem abertamente por si.
Em quarto lugar, a descrição sumária das funções e posicionamentos relativos que visará os nomes a publicar deverá ser objectiva, sucinta, clara e, se possível, uniforme.
sábado, 10 de setembro de 2005
(clique na foto para aumentar)
e
Há 62 anos, escrevia Merícia de Lemos na revista Panorama (Nº14, 1943, “Partem os bacalhoeiros”, p.25):
“A guerra torna os cais mais perigosos. Para os pescadores que se vão nos lugres, a luta é acrescida de perigos. Hoje, mais do que nunca, são soldados: - Soldados da vida, que mais é que soldados da morte” (…) “A vida mais rudimentar. Simplicidade absoluta! O cozinheiro amassa o pão e, a seu lado, uma mãe dá de mamar ao filho. O barco a carregar o sal amontoado no cais ou na fragata. Os homens a carregarem saudades. Apesar de tantas, não haverá lazeres para as sentir. A faina na Terra Nova é rude. O trabalho de pescador é árduo, e o capitão tem que ir à caça para ter isco; é êle, ainda, o telegrafista.”
sexta-feira, 9 de setembro de 2005
Chove nas calçadas de Évora. E eu podia estar noutro lado qualquer do mundo: sobre o granito moldado em vaga correriam os mesmos arbustos apressados, sobre os canais esverdeados correriam as mesmas velas de alvenaria, sobre as miragens de ferro forjado correriam as mesmas fachadas. Fecho as cortinas e sei que há um Ícaro gigante a cantar ao longe.
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
O "humor trágico", disse Bataille, resulta sempre do imponderado desaparecimento de algo. Essa passagem súbita de uma entidade que era para qualquer coisa que já deixou de ser (caso do Titanic, das metamorfoses do cinematógrafo, dos gags de sobreposição, etc.) está na base de um risível em que o paradoxo respira prata e ouro sobre azul.
Hoje, Setúbal parou para fazer jus a Bataille com binóculos dados pela comissão de festas. Em cima do cavalo de Tróia, o PM e demais voyeurs velaram pela solenidade do acto, enquanto, mais a sul, um ecrã gigante era erigido para tranquilizar a população da sede do concelho.
"Com Mário Soares não há cá tempo para depressões! (...)"
(Jorge Coelho no Quadratura do Círculo de ontem/SIC Notícias)
Sem comentários (citado do Público de hoje)
quarta-feira, 7 de setembro de 2005
O sol quase outonal a descer sobre Lisboa. A silhueta em fuga ao longo das montras, casaco até aos pés, cores claras, jamais saberei quem é. Há pessoas que vemos apenas uma vez. Nem sei por que razão retemos a espessura desse momento. Talvez a memória pondere a sua própria redenção.
terça-feira, 6 de setembro de 2005
Na Europa política os factos são muitas vezes meras dissimulações. Mesmo quando toda a gente vê que o rei vai nu, os políticos de Bruxelas preferem amiúde sorrir e acenar na direcção das nuvens. É por isso que não foi possível dissuadir a tempo a hermética aventura de Giscard d'Estaing. Passados alguns meses, Durão Barroso parece ter posto finalmente a mão na consciência:
"Num futuro próximo, não teremos constituição. Isso é óbvio. Não estou a ver qualquer fórmula mágica que a possa ressuscitar. Em vez de discussões intermináveis acerca das instituições, trabalhemos com o que temos. A vontade política e a liderança são mais importantes que as instituições"
(declarações ao jornal Rzeczpospolita citadas no DN de hoje)
Mas já se sabe que a longa espera até ao próximo ano e as etapas retóricas que a sucederão irão consumir energias infindáveis. E, no final, bem sobre a meta, desta vez, Durão acabará por ter toda a razão.
segunda-feira, 5 de setembro de 2005
Na passada semana, quase no final do longo discurso de Mário Soares, a citação dos últimos quatro versos do poema Liberdade de Fernando Pessoa levantou a sala do Altis. Ouviu-se então um murmúrio de fundo, uma sacudidela no torpor do ritual, ou, até talvez, um rumor de felicidade pela devoção reencontrada. Não tanto a de Soares, mas uma outra mais profunda e silenciosa: precisamente aquela a que o regime vem devendo investiduras há já algumas décadas.
É verdade que Fernando Pessoa se tornou, nos últimos trinta anos, numa espécie de texto puro e intocável que ninguém põe em causa e a que todos, ou quase todos, recorrem para tornar o presente num episódio com algum sentido. Tal como nos ‘tempos antigos’ os profetas utilizavam a citação da escritura para atribuir coerência ao vivido, e em primeiro lugar ao presente (em conformidade com uma ordem superior e indiscutível), também o actual regime – constitucionalmente laicizado e dissociado das âncoras espiritualizantes do regime que o antecedeu - acabou por encontrar em Pessoa o esteio ideal para transformar o seu verbo em convicção transparente.
Ramalho Eanes surgiu no final do PREC como o homem estóico e imerso em voz seca de comando para, mais tarde, vir a repousar na melancolia aparentemente épica e almofadada do regime. E foi durante essa viragem que terá dito, com o intuito de desencorajar a letargia lusitana, que era chegada a hora: “É a hora!” (encerrando, talvez para sempre, “Os tempos” da terceira parte da Mensagem).
O centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, constituiu o momento por excelência de celebração escritural de Pessoa (a entrada para a CEE, de que os Jerónimos serviram de rosto para a cerimónia de investidura e também para a trasladação do corpo do poeta, definia um novo cenário a que a “identidade” não se podia subtrair). Vários livros importantes precederam a ritualização dessa data: de Eduardo Lourenço, Poesia e Metafísica: Camões. Antero Pessoa (1985) e o famoso Fernando, rei da nossa Baviera (1986); de António Quadros, Fernando Pessoa, Vida, Personalidade, Génio (1981) e iniciação global à obra (1982); de José Augusto Seabra, Fernando Pessoa ou o Poeta-Drama (1974) e O Heterodoxo Pessoano (1985); de Joel Serrão, Fernando Pessoa, Cidadão do Imaginário (1981), entre muitas outras obras de fixação mítica.
Pondo de parte a cenografia de louvores à nossa inteligentsia criada pelo “Prémio Pessoa”, a década de noventa afastou-se um pouco da saga pessoana, até porque os novos desafios de abertura do mundo e de assunção tecnológica convidaram a novas teias e projectos, dos quais ressaltou, entre um singular optimismo em fuga para a frente, o ‘espírito de obra pública’ que haveria de ligar o “centrão” político à gesta de construção do C.C.B. e sobretudo da Expo-98.
Meia década passada sobre o Carnaval dos nineties, é verdade que o mundo mudou radicalmente, sobretudo por causa do pós-09/11, enquanto, a nível interno, a crise passou a metaforizar a própria doxa quase surreal do país (os primeiros-ministros evadiam-se a meio dos mandatos ou caíam no “caos administrativo”; escândalos como o da Casa Pia ou o dos incêndios proliferavam). É assim, com toda a naturalidade e já nas vésperas das eleições presidenciais de 2006, que Fernando Pessoa acabou por reentrar no nosso caminho.
Foi Mário Soares, como já vimos, quem primeiro o utilizou para justificar quase tudo: a intemporalidade, a vocação íntima, a “não-obsessão financeira” e um certo “humanismo” que vive à custa da proclamação retórica. Dias depois, o pouco inefável Louçã voltou a relembrar Pessoa através de um cliché publicitário conhecido. Tudo para dizer que irá “até ao fim” e que o seu espírito acabará por “entranhar-se” na galáxia da auto-flagelação ocidental. Não sei se Cavaco irá, dentro em breve, aparecer com a máscara de Alberto Caeiro a discursar sobre a sua aldeia e o quanto dessa “terra se pode ver no universo”. O que sei é que a mitografia portuguesa se reencontrou, mais uma vez, com a sua escritura preferida. Talvez assim descortinemos algum sentido, ou alguma “coerência forçada” como escreveu Franz Kermode, nos factos e nos meta-discursos que escorrem diariamente de modo instantanista diante dos nossos olhos.
domingo, 4 de setembro de 2005
Já não vou a Viana do Castelo desde a excursão de finalistas do meu liceu (imagine-se que a viagem se realizou algures na Páscoa de 1971). Mas creio que esse terrível demónio designado por "prédio Coutinho" ainda não havia sido semeado na cidade. Agora parece que o Polis tem dinheiro que baste para o demolir em condições ditas convenientes. Para além da óbvia economia da operação, sobretudo nos tempos que correm, o "prédio Coutinho" vai tornar-se, seguramente, no bode expiatório do regime. Por uma simples razão: em coerência com este singular Polis vianense, Portugal deveria ter orçamento que permitisse também demolir boa parte da Buraca, da Maia, da Reboleira, da Trofa, etc., etc., etc., para além da miríade de torres que abunda em Esposende, na Póvoa, em Armação, na Rocha, em Albufeira, etc., etc., etc..
Portugal continua a ser um país de grandes feitos! Abaixo o "Coutinho"!
sábado, 3 de setembro de 2005
Há quem tire partido da terrível catástrofe de Nova Orleães (saiba-se lá com que autenticidade) para se indignar com a incompetência e com a negligência dos EUA, essa "grande potência", como se qualquer planeamento humano pudesse evitar a quase derrocada de uma cidade edificada tão fragilmente sob o nível das águas do mar. É uma nova versão da teodiceia que fez a sua época no pós-1755 lisboeta, mas, desta feita, fazendo do seu discurso o pretenso discurso do julgamento divino e dos EUA o natural e desejado inferno.
P.S. - Mais uma vez, a contra-cultura auto-flageladora do Ocidente parece fundir-se com o delírio pseudo-teológico de certos radicalismos islâmicos que mencionam o "terrorista Katrina" como sendo um dos "soldados de Alá".
sexta-feira, 2 de setembro de 2005
"O lirismo da linguagem não consegue encobrir a parcialidade flagrante dos recentes trabalhos da jornalista Alexandra Lucas Coelho a partir da Cisjordânia. Esta parcialidade assumiu contornos chocantes na sua crónica publicada no passado dia 21, intitulada "Dó de quem?", na qual se entrega a um duvidoso exercício de comparação entre o sofrimento dos habitantes dos colonatos, obrigados a evacuar as suas casas, ao sofrimento dos palestinianos, para evidentemente concluir que o primeiro é irrisório: "Os colonos viveram muitos dias bonitos, nas suas casas bonitas, à beira de praias bonitas"... Alexandra Lucas Coelho pode saber muita coisa, mas o que não sabe com certeza é que nunca se comparam sofrimentos."
Tinha reparado nessas crónicas. E em muitas outras.
Há quem insista em preencher os vazios que advêm da falência de causas oitocentistas através de um anti-semitismo bizarro (o que faz lembrar, nem sempre subtilmente, alguns dos piores momentos vividos no século passado).
quinta-feira, 1 de setembro de 2005
Ontem vi e ouvi com atenção a apresentação de candidatura de Mário Soares. O mais importante para mim foi a moldura humana que ali acorreu. Reflectia o establishment, a inteligentsia e o reiterado acomodamento que, embora com contornos completamente diversos, quase se assemelhou a uma "brigada" de triste memória.
Tenho praticamente a certeza de que o ritual em torno de Cavaco Silva não destoará, se não ultrapassar mesmo a cenografia ontem pungentemente vivida no Altis lisboeta.
O regime anterior, no seu íntimo modo anti-democrático de fazer e imaginar a política, prolongou durante décadas uma sede de não renovação quase asfixiante. Mesmo os mais novos, que foram singrando na década de 60 e no início da década de 70 (a geração ballet rose), repetiram ininterruptamente a velhice e o sentido de "brigada do reumático" dos seus mitógrafos e epónimos.
Parece-me grave que o regime democrático, com quase trinta anos de história, mantenha a mesma invariante histórica tão pouco sadia e tão própria dos corpos com pouca fertilidade e em franca decadência.
Soares disse que vinha combater o pessimismo e Cavaco virá falar na 'rectidão do centrão'; mas a intemporalidade que perpassa nesses discursos e na galeria viva que os acompanha tem a cor do abismo e respira (inapercebidamente) uma espécie de ávido ressentimento da tristeza.
Como dizia Marivaux, há quem goste "mais da miséria alegre do que da miséria triste" (Arlequim, Acto II, Cena V de A Surpresa do Amor, 1722).
O "duplo discurso" de Tariq Ramadan reflecte afinal muitas das inclinações e ambiguidades das segundas e terceiras gerações islâmicas que habitam as urbes da Europa.
Talvez tenha sido por isso que foi convidado a integrar "uma equipa que deverá propor formas de evitar que os jovens muçulmanos do Reino Unido sejam atraídos por ideologias extremistas".
Porventura, um estranho convite. Até porque, ainda não há muito tempo, os EUA recusaram um pedido de visto ao próprio Ramadan.