quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Episódios e Meteoros - 43

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(crónica publicada desde hoje no Expresso Online)
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O (novo) estilo império
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Há dias em que apetece dissolver o passado, à imagem do que acontece àquelas aspirinas que desaparecem na água em menos de dez segundos. Bem sei que, ao longo dos anos, nos vamos transformando em novas pessoas. É verdade.
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Lembro-me, há quarenta anos, de passar as férias grandes na Praia da Rocha (o meu pai, à noite, estacionava o carro junto à fortaleza com desmedida facilidade). Lembro-me, há trinta anos, de concluir o meu primeiro ano lectivo como professor e de ter tentado, pela primeira e última vez, a bizarra arte do campismo. Lembro-me, há vinte anos, de andar a escrever o meu terceiro romance na Palmstraat sob imensa compulsão estival, lusitana e casamenteira. Lembro-me, há dez anos, de ter passado um Agosto ateniense com tal guião que teria dado um grande romance, se eu tivesse um décimo do génio de Lawrence Durrell.
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Lembro-me, hoje de manhã, de ter colocado na máquina de fazer sumos a Praia da Rocha de 1967, a tenda de campismo comprada em Badajoz em 1977, as folhas escritas na “Brother” em 1987 (do que viria a ser o No Princípio era Veneza) e ainda as varandas noctívagas que, em 1997, acenaram aos deuses gregos de Vouliagmeni. Resultado: uma aspirina dissolvida. Em pó. Dando ao presente – a este momento concreto – o estatuto de império. Como se apenas existisse o dia de hoje. Como se aquilo que mais me apetecesse fosse o que afinal acontece. Agora e aqui. Tão-só isso. Como eu percebo o Duchamp!
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Ainda acerca desta iminência do presente: a doença infantil do comunismo era, há anos, uma brincadeira para sonhadores que não distinguiam a barbárie das miragens. Se não viam a primeira, é porque se ofuscavam com a hipnose da segunda. Ou se acaso a segunda os inebriava é porque a primeira não lhes passava assim tanto ao lado. Enfim, o que sobra de tudo isso, hoje em dia, já não é muita coisa. Felizmente. Mas há uma outra doença infantil que passou a fazer moda, nos últimos anos: a febre da instantaneidade. Estar “On” e existir, estar visível num ecrã e existir, estar na rede e respirar. Tudo isso ou a morte. O que já foi “Vitória ou morte, Venceremos!” é hoje “Aparecer ou morte, Salvemo-nos!”.
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Como eu agora percebo que Duchamp, no nosso tempo, pouco mais seria do que um episódio de feira. E há-os ainda em quantidade (e subsidiados): como franguinhos a assar em directo, ou como aspirinas dissolvidas no copo. Em directo. Diante dos meus e dos vossos olhos. Sem miragens. “É assim”: Um império liofilizado, que sucederá ao reino do queijo fresco, onde apenas aquilo que é de hoje tem direito ao ser. E, sobretudo, se e quando se dá a ver. Com muita audiência. Nem que seja um macaquinho. Ou um puro idiota.