terça-feira, 13 de junho de 2006

O "tom" dos blogues - 32

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Caso 1
Uma redacção é um corpo vivo, é verdade. Uma redacção de um jornal – ou de uma televisão – é a anfitriã porventura ideal de uma série de dados que vão sendo diariamente actualizados. Nesse local onde respiram vários corpos e onde se debate, minuto a minuto, a instrumentalização e a hierarquização de dados, tudo tende para um fim. Isto é: tudo tende para um esquema ou diagrama final. A edição constitui a consecução plena dessa antecâmara amplamente intertextualizada e o termo de um processo, de que se conhece bem o princípio, o clímax (no plural, ao longo de uma amplitude temporal determinada) e o final. Esta réplica muito indirecta dos pressupostos épicos pouco ou nada tem a ver com a comunicação em rede (os média tradicionais vão actualizando e categorizando - nos seus websites - os dados a todo o momento).
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Caso 2
Quando se entra no site da “Amazon.com” ou num hipermercado (este último, um exemplo de rede off-line que tende a reduzir na mente dos consumidores uma série de produtos e vectores numa extensão discreta de 'ligações' e 'nós'), verifica-se que o espaço é composto por um verdadeiro fluxo de formas. A voragem cromática, icónica e telemática contamina a hierarquização e, de um momento para o outro, tudo parece consumível e editável. Nestes meios, o design vive em fluxo, auto-reproduzindo-se, esgotando a capacidade de uma individualização que se adequasse a uma solução universal. Está lá tudo (ou é como se estivesse lá tudo). A introdução suplementar de qualquer forma ou dado nesses espaços (hipermercados e sites muito visitados) é sempre um acto menor. As matrizes iniciais, ao modo dos “pixels”, parecem dissolver-se e ao mesmo tempo corporizar-se nesta nova concepção que poderia ser baptizada como ‘design do design’. O excesso de inscrição assemelha-se ao efeito de um tranquilizante que, enquanto adormece os espíritos, também os exalta no sentido da acção: viajar, comprar, persistir e, de qualquer modo, permanecer, visitar e revisitar, ou seja: manter-se sempre e continuadamente ligado (à rede). Estes tipos comunicacionais, ao contrário dos média clássicos, vivem do e para o clímax.
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Caso 3
Nos blogues não há manchete. A antiga faixa-imagem de que falava Rosselini é, hoje em dia, na blogosfera, uma faixa vertical que não está sujeita a qualquer tipo montagem. Tudo aí permanece, desdobrando-se em arquivos, embora seja a parte de cima da faixa o que realmente vigora: é esse o espaço dominante e útil de interacção (ainda que a transversabilidade da rede, ligada ao agir dos motores de busca, possa, a qualquer momento, ‘desenterrar’ qualquer outra parte da faixa).
Neste sintagma vertical (chamemos-lhe sem ofensa ‘guindaste caleidoscópico’), a hierarquização torna-se apenas possível através de posts com finalidade indexical (a sua função é remeter para actualizações de posts anteriores), através da preservação do último post durante algum tempo (com uma desvantagem: a desactualização na blogosfera baseia-se no princípio ‘to post or not to post’), através da enunciação de uma série que mantenha alguma consistência temática, ou ainda através da edição de rubricas estáveis que se sucedam com um mínimo de regularidade.
O que faz de um blogue um corpo vivo é menos este jogo de sucessão e hierarquização e mais o tipo de preenchimento que não tem uma finalidade clara (como acontece nos média clássicos). Aqui o que perdura acontece: as vozes que respiram na blogsofera, ao contrário das que convivem na redacção de um jornal, são dispositivos de enunciação que se vão enquadrando através de fragmentos de texto, independentemente da sua natureza ou categoria. A miscelânea que assim se actualiza vive aparentemente sem clímax nem desfecho, como se a intermitência realizada aliasse - embora de forma mais discreta - o já referido efeito de tranquilizante à inapelável fuga para a frente que pressupõe o fervor (a exaltação) e o próprio de fluxo do preenchimento: continuar sempre a escrever, a postar, a permanecer. Continuar a viajar, a visitar, a revisitar e a permanecer constantemente ligado (à rede).
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Se num site muito visitado, ou numa rede de hipermercados, o design vive em verdadeiro estado de fluxo, auto-reproduzindo-se e quase estancando a possibilidade de individualização, já nos blogues é a obsessão do preenchimento que vive em fluxo e que se auto-reproduz sem nunca fechar as portas à individualização (sendo esta, aliás, o próprio modo como o blogger se adapta à apropriação da nova linguagem e às potencialidades do novo meio comunicacional).