sexta-feira, 18 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
VIGÉSIMO PRIMEIRO EPISÓDIO
(A mulher de negro)

Depois de passar três dias e três noites desesperadamente a procurar a efígie ou o perfume de Albe, Edmundo percebeu que tudo tinha acabado de vez.
Mero amor de Verão, devaneio puro. Uma melancolia espessa, densa, sem molde.
O tempo nunca tem razão, já se sabe, mas não deixa de ser verdade que confessa, entre ócios e desprazeres secretos, pequenos acenos, breves avisos e bruscos sinais.
E quando Edmundo tomava café numa das esplanadas quase vazias de S. Marcos, eis que uma mulher vestida de negro lhe pega nos braços e o leva a dançar pelo vazio dos mosaicos, num rodopiar sem fim, numa vertigem inesperada, numa fogosidade inexplicável. E agora?
Não, não era Albe. De modo nenhum.
A mulher tinha os olhos esteitos, muito negros e os cabelos cobertos por um lenço lilás escuro onde se estampavam duas largas asas de albatroz.
Edmundo nem falou, mergulhado que estava pelo súbito enigma.
Sem falarem um com o outro, deambularam depois pelas ruas apertadas do centro, já sem vivalma àquela hora, desde a Calle Spadaria ao Campo de S. Salvador.
Daí inflectiram em direcção aos correios e passaram depois a ponte do Rialto.
E viram-se névoas sobre águas, murmúrios precisos, passos largos e mãos dadas.
Edmundo jura que terá então ouvido a grande gargalhada no covil mais escuro da sua alma.


(No próximo episódio, Edmundo vai continuar a sentir o suave fardo da surpresa, a imensa carga da admiração e sobretudo o peso do espanto. Por trás da angústia do desencontro, acende-se agora a luz do mais feérico torpor. E Albe,onde andará?)

Continua