sábado, 12 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO QUINTO EPISÓDIO
(Crer na liberdade das estrelas)

António Romeu levantou-se com ar algo lunático e respondeu apressadamente a Edmundo que, a pouco e pouco, foi abandonando o tom circunspecto:

- Exactamente. Foi o que tu, à tua maneira, fizeste naquele tempo. Mas eu decidi ir mais longe e, portanto, orientar o meu leme na direcção da liberdade total, sem limites. Se é que isso existe. Mas quero experimentar. Sem o fazer, nunca o saberei.

- Ao ouvir-te, vou também confessar-te uma coisa.

- O que é?

- Naquele tempo, como tu dizes, também eu devia ter deixado de vez os negócios. Devia ter vendido aquela merda toda. Hoje, à parte a vida que tenho, e dela não me queixo, confesso que sou feliz, mas a verdade é que, às vezes, tenho que tomar comprimidos para dormir... apenas por causa do raio das tipografias! Já viste bem isto?

- Percebo, percebo muito bem. E ainda estás a tempo para acabares com isso tudo. A vida são três dias e dois deles são apenas para separar o trigo do joio. Ele são vocações e herança, vontades e cegueira, desejos e acatamento, liberdades e inércia, etc, etc... é ou não é?

- Como voltaste, outras vez, a ser um puto, pá! Quem... havia de dizer!

- É genético, talvez. Lembras-te dos barquinhos de papel, no Rio Nabão?

- Se lembro. Aquilo é que foram as nossas descobertas.

Nesse dia, à noite, fui jantar fora com a Albe e os nossos dois filhos, a Ester e o Isaías. À beira do Tejo, nem uma brisa, nem uma embarcação, nem um ruído, mas apenas aquela sensação de estarmos a dois, para sempre, no bar Avuello, à briga com todo o tédio do mundo, como se fôssemos adivinhos de um coro de luas e o nosso terno terramoto de segundos tivesse sido, mais do que paixão, um lúcido encantamento.


(No próximo episódio, voltamos a 1968 e Edmundo, mergulhado naquelas confusões que se tecem entre amores e expectativas indefinidas, acaba por levar a família de Albe a assistir a uma estranha tourada…)

Continua
*
(publicação da versão Inglesa no blogue Minion)