sábado, 5 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
OITAVO EPISÓDIO
(A sereia mágica e a grande surpresa de Edmundo)


O rasto do caravelle leva Edmundo a erguer a cabeça e, de súbito, a encarar o céu já limpo, liso de amplitude e devaneio. Fá-lo por instantes como que a adivinhar o silêncio possível, ante o vendaval de asteróides e cometas de quem brinca ao esconde-esconde, ao flecte-insiste, ao conta tu - conto eu.
Edmundo pousa agora o policial sobre a toalha e, nesse ápice quase sem duração, levanta-se da cadeira alongada e anda, durante alguns metros, em jeito de leve fastio, ou de ligeiro spleen, até acabar por atingir o limiar empedrado da piscina.

Foi nessa altura que os olhos de Edmundo se desfiguraram e que o cravo e a pianola se ouviram tocar no reverso da última nuvem que mais parecia uma estrela do mar. Foi também nessa altura que Edmundo, de um momento para o outro, se esqueceu do preço do papel, do telegrama, da tourada e até das velas avariadas do ford escort.
Sobre o rectângulo da piscina, num emaranhado de fios, suspendiam-se ao vento pequenas bandeiras triangulares, azuis e vermelhas. E ela ali, por baixo, a flutuar, a fundear de braços abertos ou unidos em aro límpido, puro, antigo. Sobre o azulado desvanecido, Edmundo fez com que o tempo parasse e continuou a vê-la de cima, de lado, ou com a ubiquidade que conduz as borboletas a escalarem pela mancha do esófago.
Um pasmo.

E ela a nadar, a nadar lentamente e a chegar, neste triz generoso da existência, ao lado oposto da piscina. Abraça-se às bóias, desliza, e, de repente, como se fosse em câmara lenta, faz adeus na direcção de Edmundo. Quase lhe responde o português com a mão, meio tímida, a soerguer-se; com os braços a abrirem o sorriso embaraçado que não chega a pronunciar.
E ela fica a rir-se nas calendas, ao longe, do outro lado do universo, a inclinar agora o rosto para a água, para Tebas, para Haifa, saiba-se lá para onde mais. Talvez a querer dizer que o tempo se enreda do mesmo modo que a lua se liquefaz nos mares enigmáticos do solstício.

Foi nesse assombro, confessa Edmundo a António, - Que o senhor acabou por vir ter comigo ! Era o pai dela, imagina !


(No próximo episódio, Edmundo conta a António Romeu o que se passou, nesse dia, com o pai de Albe. Mas não só. O próximo episódio dará também a conhecer o pacto que os dois apaixonados terão acertado nestes delongares do estio catalão)

Continua
*
(publicação simultânea da versão matricial em Inglês no blogue Minion)