sexta-feira, 13 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 20


(Vortografía de Ezra Pound, Alvin Langdon Coburn, 1917)

Há escritores que foram sentenciados pela história e talvez absolvidos pelo purismo das formas. Gorki, Pound, Céline e muitos outros pertencem a esse alvoroço moderno. Celebrar a perversão e manipular arquitectura da alma, eis como Coburn pôde traduzir o desfasamento seminal que, um dia, colocou face a face o recato da imaginação e um radical descarte do vivido. Riscar a superfície, consumi-la, afrontar a feição lúgubre e luminosa da memória. É o que fica, mas não o que resta. Um texto pode ser apenas um texto, um templo ou uma praga. Mas uma fotografia é sempre uma fuga, uma remissão de rios em cascata, um derivar de olhares que apenas pode ser contido ou lido por artes de uma arrumação provisória e efémera. E o xadrez, tal como a vortografia, é o jogo dessas leituras erráticas. Jogo de príncipes, de malditos, de idiomas cintilantes. Apesar de tudo.