sábado, 21 de fevereiro de 2004

Femme de Avignon

A vizinha a tirar a roupa do estendal. Vejo-a ao longe, há anos. E sempre o mesmo gesto, os mesmos passos, os mesmos lençóis brancos e sem fim. Levanta agora os braços e passa as mãos, uma a uma, pelas peças de roupa. Tece-lhes a súplica, a textura e o carinho com que silencia a folhagem da nespereira. Vejo-a e revejo-a no quintal em câmara lenta, mas juro que nada sei sobre aquela minha vizinha tão longínqua. Nem nunca o saberei. Apenas concebo o modo como os seus braços muito muito muito distendidos quase tocam no céu.