e
Mircea Eliade, Diário Português, Guerra e Paz, Lisboa, 2008
(tradução do romeno e notas de Corneliu Popa e estudo introdutório de Sorin Alexandrescu)
(tradução do romeno e notas de Corneliu Popa e estudo introdutório de Sorin Alexandrescu)
w
Pré-publicação:
w
"21 de Abril"
"21 de Abril"
w
"Estou em Lisboa desde 10 de Fevereiro. E há meses que não escrevi nada, nem sequer cartas inteligentes. Interrompi o meu diário íntimo à saída da Roménia a 19 de Abril de 1940. Teria sido inútil escrever as minhas impressões. Sabia que não poderia sair da Inglaterra nem com uma página manuscrita que fosse. E depois, tinha medo que me fizessem uma busca. Se tivesse escrito regular e honestamente o diário, teria sido obrigado a recordar tantas conversas importantes com políticos ingleses, tantas confidências de cuja divulgação dependeria a liberdade e até a cabeca de uma pessoa. Tento sempre refrescar os dados, para poder redigir, algum dia, as minhas memórias de Inglaterra.
Mas hoje começo este diário completamente por outras razões. Nina* foi a Bucareste, há uns dias. Estou sozinho por quatro ou cinco semanas. A suspensão de qualquer trabalho responsável, há tantos meses, a pressão política – com a qual vivo –, a preguiça mental, o abandono dos meus manuscritos em Oxford, a pobreza intelectual de Lisboa – tudo isto me ameaça com uma lenta degradação. Sinto a necessidade de me reencontrar, de me concentrar."
"Estou em Lisboa desde 10 de Fevereiro. E há meses que não escrevi nada, nem sequer cartas inteligentes. Interrompi o meu diário íntimo à saída da Roménia a 19 de Abril de 1940. Teria sido inútil escrever as minhas impressões. Sabia que não poderia sair da Inglaterra nem com uma página manuscrita que fosse. E depois, tinha medo que me fizessem uma busca. Se tivesse escrito regular e honestamente o diário, teria sido obrigado a recordar tantas conversas importantes com políticos ingleses, tantas confidências de cuja divulgação dependeria a liberdade e até a cabeca de uma pessoa. Tento sempre refrescar os dados, para poder redigir, algum dia, as minhas memórias de Inglaterra.
Mas hoje começo este diário completamente por outras razões. Nina* foi a Bucareste, há uns dias. Estou sozinho por quatro ou cinco semanas. A suspensão de qualquer trabalho responsável, há tantos meses, a pressão política – com a qual vivo –, a preguiça mental, o abandono dos meus manuscritos em Oxford, a pobreza intelectual de Lisboa – tudo isto me ameaça com uma lenta degradação. Sinto a necessidade de me reencontrar, de me concentrar."
e
* Nina Mareş, mulher de Mircea Eliade. (N. do T.)
* Nina Mareş, mulher de Mircea Eliade. (N. do T.)
w
"28 de Abril"
"28 de Abril"
w
"Grande manifestação popular em homenagem a Salazar. Com alguma dificuldade encontro um lugar na Praça do Comércio, uma hora e meia antes da hora marcada. Tenho um lugar na varanda do Ministério das Finanças, no segundo andar. Um mar de cabeças na praça. Imensas crianças e jovens. Há algumas horas que se disparam salvas com vários tipos de canhões, da terra e do rio. Aqui, na praça, os estrondos são tremendos. Estremeco; faz-me lembrar Londres.
Às seis aparece Salazar na varanda. Ruge toda a massa viva a seus pés. Com alguma dificuldade, debruçando-me bastante sobre a balaustrada, consigo ver-lhe o perfil. Veste roupa simples, cinzenta, de passeio – e sorri saudando com a mão, comedidamente, sem gestos. Quando ele apareceu, do alto começaram a despejar cestos com pétalas de rosas, cor-de-rosa e amarelas. Observei, mais tarde, enquanto um jovem falava num palco no meio da praça, como Salazar brincava pensativo com algumas pétalas que tinham ficado na balaustrada. Depois vi-o falar. Lia com bastante calor, mas sem qualquer ênfase, levantando de quando em quando os olhos do papel e olhando a multidão. Levantava a mão esquerda, mole, pensativa. Uma voz nunca estridente. E, no fim da leitura, quando a praça o ovacionava, inclinava sorridente a cabeça. Parece que nem sentia a força colectiva esmagadora a seus pés. De qualquer modo não era prisioneiro dela, nem sequer se deixava sugestionar por ela."
"Grande manifestação popular em homenagem a Salazar. Com alguma dificuldade encontro um lugar na Praça do Comércio, uma hora e meia antes da hora marcada. Tenho um lugar na varanda do Ministério das Finanças, no segundo andar. Um mar de cabeças na praça. Imensas crianças e jovens. Há algumas horas que se disparam salvas com vários tipos de canhões, da terra e do rio. Aqui, na praça, os estrondos são tremendos. Estremeco; faz-me lembrar Londres.
Às seis aparece Salazar na varanda. Ruge toda a massa viva a seus pés. Com alguma dificuldade, debruçando-me bastante sobre a balaustrada, consigo ver-lhe o perfil. Veste roupa simples, cinzenta, de passeio – e sorri saudando com a mão, comedidamente, sem gestos. Quando ele apareceu, do alto começaram a despejar cestos com pétalas de rosas, cor-de-rosa e amarelas. Observei, mais tarde, enquanto um jovem falava num palco no meio da praça, como Salazar brincava pensativo com algumas pétalas que tinham ficado na balaustrada. Depois vi-o falar. Lia com bastante calor, mas sem qualquer ênfase, levantando de quando em quando os olhos do papel e olhando a multidão. Levantava a mão esquerda, mole, pensativa. Uma voz nunca estridente. E, no fim da leitura, quando a praça o ovacionava, inclinava sorridente a cabeça. Parece que nem sentia a força colectiva esmagadora a seus pés. De qualquer modo não era prisioneiro dela, nem sequer se deixava sugestionar por ela."
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.