eMorreu August Willemsen. O tradutor holandês de Pessoa e sobretudo um amigo.
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Depoimentos:
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"E fiquei só de mim, ausente."
"En ik bleef mijzelf alleen, afwezig van mijzelf."
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Carlos Drummond de Andrade
Traduzido por August Willemsen
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"August Willemsen foi o holandês mais lusófono que eu conheci. Era tímido e nós ficávamos tímidos ao pé dele. Com um grande sentido de humor e com um cabelo grisalho dum outro continente, vivia nos Países-Baixos. Traduziu Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa para holandês (entre outros). Com a tradução do Pessoa ganhou a distinção mais alta da cultura holandesa. Além do futebol, Portugal começou a ter outra importância na cultura flamenga. Começámos a ser mais respeitados. E nisto, encontrou-se aquilo. Outras das nossas artes foram introduzidas na sua cultura. Abriu a curiosidade.
Enfim, apesar de quase não ter falado com ele, criei um enorme respeito e admiração pela sua obra. Coisa esquisita: Escritor e tradutor são ambos importantes nas suas traduções.
Quando leio a sua tradução de Fernando Pessoa, ainda me pergunto admirado: Como é que conseguiu? Mas tudo está lá. Para tirar as teimas, uma página em português, outra em holandês…
Duas culturas tão diferentes encontram-se."
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Rui Mota
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Nessa Noite, prometeu voltar...
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"Não foi hoje, foi ontem. Mas, para o caso, tanto faz. Guus era, sem dúvida, o melhor tradutor literário holandês da língua portuguesa. Históricas são as suas traduções de Fernando Pessoa que, continuava a traduzir regularmente. Mas também de Drummond, Euclides e Machado de Assis. Lembro aqui um académico e um inspirador, com quem tive o prazer de conviver ao longo das últimas três décadas. A última, em Fevereiro de 2006, numa Associação Portuguesa de Amsterdão, onde participou numa noite literária, com um texto de Ubaldo Ribeiro. Nessa noite, prometeu voltar, assim o convidassem... A literatura portuguesa perdeu um dos seus melhores embaixadores. Eu perdi um amigo."
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Carmo da Rosa
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"O meu primeiro encontro com August Willemsen.
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No dia 10 de Maio de 2005 vou assistir a uma conferência de August Willemsen sobre Dificuldades a Traduzir Poesia na universidade de Utreque.
Era a primeira vez que via o personagem em carne e osso, antes desta data só o conhecia através dos livros que li dele. No fim da conferência, não sei o que me deu, mas dirigi-me decididamente a ele e, mesmo antes de esboçar algum elogio formal sobre a palestra, disse-lhe: Gostaria muito de traduzir para português o seu livro De Goddelijke Kanarie (O Divino Canarinho, ou O Divinal Canarinho! Ou ainda O Canarinho Divinal)… Ele, todavia sentado, interrompeu momentaneamente a recolha da papelada que metia na sua pasta, desviou o olhar para cima, na minha direcção e disse: ‘Ik ben zeer vereerd (sinto-me muito elogiado)’.
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Não creio que o tenha dito por ironia! Talvez se deva à situação confusa, várias pessoas à volta dele com perguntas. O normal no fim destas palestras. Respondi-lhe: Nee nee, ik ben zeer vereerd, niet u! (Não, a honra é toda minha).
Por fim diz-me ele ‘vamos aí fora beber qualquer coisa e já falamos’.
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À mesa do café - entre admiradoras incondicionais (dele), organizadores da conferência (senhoras doutoras brasileiras e portuguesas), espontâneos (eu) - bebemos mais do que qualquer coisa, falamos bastante, mas nem uma palavra sobre o essencial - a hipotética tradução do Goddelijke Kanarie. A certa altura, não sei por que razão - o álcool talvez!? -, a conversa degenerou em poesia satírica e erótica, e eu, já completamente à vontade junto do Sr. August Willemsen, perguntei-lhe se ele conhecia A Porra do Soriano de Guerra Junqueiro. ‘Conheço pois!’ Responde ele com entusiasmo. Sendo assim, passei rapidamente à recitação: ‘Eu canto do Soriano o singular mangalho / Empresa colossal! Ciclópico trabalho!
E ele, pelo seu lado, e (como eu) sem qualquer respeito pelo decorum, declama às gargalhadas A Manteigui de Du Bocage (que eu não conhecia!). ‘Da grande Manteigui, puta rafada / Se descreve a brutal incontinência / Do cafre infame a porra desmarcada / Do cornígero esposo a paciência.
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Na hora de apanhar o último comboio para Amesterdão, despedimo-nos, e finalmente lá trocamos de endereços electrónicos. Passado duas semanas enviei-lhe o meu primeiro e-mail:
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Caro Augusto,
Cá estou eu outra vez! Sou o português que durante a tua palestra em Utreque, do dia 10, mostrou interesse em traduzir o De Goddelijke Kanarie. E como tu não reagiste mal à ideia, aqui vão 18 parágrafos à laia de teste. (…)
A.W. responde-me no dia 4 de Junho de 2005:
‘Caro José,
É muito engraçado ver o meu texto em português. A tua tradução parece-me fantástica, por vezes também humorística (‘o Altíssimo fazia ouvidos de mercador' é mais bonito que o original).’
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Claro que isto não é verdade, mas o Guus era um gajo porreiro.
No mesmo mail abordou ainda a diferença entre o futebol Carioca e Paulista, Mané Garrincha, como traduzir ‘tratar a bola por tu’, a rivalidade Porto-Benfica versus Barcelona-Madrid, Nelson Rodrigues e mais uma série de coisas. No fim, foi obrigado a enfiar à pressa este post-scriptum que de certa forma o define:
‘Lembrei-me agora de uma coisa, pela qual deveria ter começado: Waarom DIVINAL i.pv. DIVINO? (Porquê Divinal em vez de Divino ?)
O Guus Willemsen não era um gajo divinal, era um gajo bestial…"
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Fernando Venâncio
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August Willemsen (1936-2007)
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Todas as mortes próximas são irreais. A de August Willemsen não menos que as outras. Ainda há dias me telefonara pedindo-me boleia para um encontro de tradutores no próximo dia 4 em Utreque. Pois irei de comboio de Amsterdão, e irei sozinho. Ele, o Príncipe dos tradutores holandeses – como ele se riria dum título assim –, não estará. Isso é lógico. O que não é lógico, e de todo irreal, é aquela voz, dum entusiasmo sempre resguardado, mas firme e decidida, com que de novo, e pela última vez, me falou.
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August Willemsen tornou conhecidos, e mesmo populares (entre a elite, mas mais não é sonhável), o Fernando Pessoa, o Drummond de Andrade, o Machado de Assis, o Camões, que a sua pena mágica recriava em neerlandês. Todo o grande tradutor é um grande escritor, e decerto um grande estilista, e tem de sabê-lo. Mas foi só com um algum pudor que o autor Willemsen publicou obra própria. As suas Braziliaanse brieven (Cartas brasileiras), de 1985, são hoje um clássico da literatura de viagem, tal como o seu recentemente reeditado De Goddelijke Kanarie (O divino canário), sobre o futebol brasileiro, será um clássico da literatura de desporto.
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O pudor não chegava, contudo, para travar-lhe a pouca, mas pungente, autobiografia. Em De val (A queda) narrou, com desarmante franqueza, a tentação alcoólica. Em Een liefde in het Zuiden (Um amor no Sul), confessou uma aventura juvenil na Costa del Sol e o difícil relacionamento com um pai pró-hitleriano.
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Tradutor, escritor, Willemsen foi também um ensaísta de eleição. Sobre a nossa literatura e a nossa história escreveu páginas argutas e, como tudo o que produziu, duma legibilidade a toda a prova.
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Mas será o ‘seu’ Pessoa – que, desde 1978, andou motivando poetas holandeses e flamengos – para sempre a jóia da sua coroa. Mais um símile de que ele se teria rido. Só a perfeição lhe bastava. E isso era, para ele, a mais natural das coisas.