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sábado, 8 de dezembro de 2007

Episódios e Meteoros - 60

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(crónica publicada desde anteontem no Expresso Online)
(ver também no meu
blogue de crónicas)
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M. S. Tavares e V. P. Valente: uma querela antiga
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A querela MST vs. VPV tem alimentado conversas entre calistas, professores, funcionários públicos, comerciantes e taxistas. A coisa significa bem mais do que um livro, umas crónicas ou rixas à frente da ginjinha do Rossio. Há nesta contenda dois Portugais, duas realezas e duas falas de personagem que se passeiam num palco bem mais apelativo do que o encenado no circo das letras. Entre quintas do Douro e o Gambrinus, entre o Alentejo e a St. Julian’s School, entre o altar do sucesso e a névoa de Oxford, entre a nostalgia e a excitação se passa todo este enredo. A percepção mais imediata do duelo revelar-se-á no tom com que MST e VPV idealizam o país.
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MST tem desmontado com algum rigor a camada que se foi instalando sobre o Portugal rural que existiu até ao final dos anos cinquenta. A crítica ecológica, num sentido alargado, comanda esta desmontagem que incide nos costumes, na apressada massificação e no labirinto da burocracia. Trata-se de uma crítica feita a partir de dentro, sem acidez forçada de voyeur. Há sardinhas assadas e algum sorriso no olhar crítico (por vezes tão contundente quanto folgazão) de MST. Este ponto de vista não é alheio à postura romântica do amante das coisas do campo, da caça, das virtudes do lúdico e sobretudo das viagens (de que herda o prazer de viandante iluminista).
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VPV não desmonta, mas escarnece. Um pouco à moda dos expressionistas que não viam, mas tinham visões. Por vezes luminosas. Trata-se de um escárnio que é vizinho do desacato mais lúcido, ou tão-só arrasador. A crítica mordaz de VPV tem recorte frio (de quem sobrepõe a angústia à emoção) e coloca-se claramente de fora do objecto que visa: Portugal. Os adjectivos são exemplo dessa atitude: caracterizar como “péssimo” ou como “pavorosa mediocridade” é coisa normal e quase sempre em contraste com a imagem de estrangeirado (a “genuína universidade”) que tenta legitimar o verbo. Portugal é, para VPV, uma massa ignorante que carece por vezes de polícia e que – aqui estaríamos todos de acordo – não sabe tratar por tu a liberdade.
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Os mundos de MST e de VPV são, de facto, diversos. A noblesse e o desinibido legado do “gozo” e de sucesso de MST pouco têm que ver com a ideia de um menino a sós que fez nome rebelde a partir de um avô singular. Tutelas e cosmopolitismos distintos: a marca do desejado contra a augurada imagem de escritor maldito. Um e outro denotando problemas com os vestígios da velha ideia sacralizada de “Escritor” (“Como todos os historiadores sou um pouco escritor…”, diz VPV; os escritores acham-me um “intruso” e sou “alérgico ao espírito gregário da classe”, diz MST*).
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É verdade que o politicamente correcto se pode tornar subitamente numa forma de correcção. Sempre que o mundo é pequeno e toda a gente se conhece, o rabo do gato disfarça bem o arranhão. Talvez tenha sido por causa disso que VPV pediu a MST para escrever um livro sobre a sua passagem pela governação da cultura. Talvez tenha sido por causa disso que MST afirmou que apenas a agricultura e o próprio VPV deviam ser subsidiados em Portugal. Tal é a mútua admiração.
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Tal é, também, a disputa cega, secreta e já antiga entre um Portugal de amena e conciliada redenção e um Portugal “vencido” ou exausto de si mesmo. Uma querela antiga, pois então.
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*Cândida Pinto e Micael Pereira, Miguel Sousa Tavares “Agora gozo muito mais…”, Expresso, Única, nº 1825, 20/10/07, pp. 74-87; Ana Soromenho e Rui Gustavo, Vasco Pulido Valente “Pedi a Cavaco…”, Expresso, Única, nº 1829, 17/11/2007, pp. 108-122.