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A medalha de Sócrates
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(crónica publicada desde ontem no Expresso Online)
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Falar de uma máquina do tempo foi sempre falar de fantasmas. Mas convenhamos: mesmo entre fantasmas, há fantasmas e fantasmas. Por exemplo, o lado fantasmático do popular Back to the Future de Robert Zemeckis nada tem que ver com a imaginação suscitada por Orlando de Virginia Woolf, nem com a ("impossível") imagem de uma derrota eleitoral para Marques Mendes ou para Luís Filipe Menezes. Cada uma destas fantasias corresponde a um patamar bem diferente, embora exista nelas algo comum, justamente porque uma máquina do tempo é sempre um artifício que serve para exorcizar as fragilidades da vida.
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As várias histórias do paraíso, a Atlântida visionada por Platão no Crítias, terra de lagos e de crateras cheias de vinho, ou a actualizada metáfora do "Middle-West" (Sócrates teve decerto em vista algo mais enigmático do que o Iowa ou o Nebraska) são também cenários de diversas máquinas do tempo onde o sonho (ou, por vezes, o lapso) supera a simples ordem do vivido.
As várias histórias do paraíso, a Atlântida visionada por Platão no Crítias, terra de lagos e de crateras cheias de vinho, ou a actualizada metáfora do "Middle-West" (Sócrates teve decerto em vista algo mais enigmático do que o Iowa ou o Nebraska) são também cenários de diversas máquinas do tempo onde o sonho (ou, por vezes, o lapso) supera a simples ordem do vivido.
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Uma máquina do tempo articula, como todas as máquinas bem oleadas, dois termos. Neste caso, em vez de hardware e software, temos os rituais biográficos e os rituais do dia-a-dia. O modo como a máquina os coloca em harmonia depende essencialmente do combustível, isto é, das narrativas que dão - ou que vão dando - sentido à nossa vida.
Uma máquina do tempo articula, como todas as máquinas bem oleadas, dois termos. Neste caso, em vez de hardware e software, temos os rituais biográficos e os rituais do dia-a-dia. O modo como a máquina os coloca em harmonia depende essencialmente do combustível, isto é, das narrativas que dão - ou que vão dando - sentido à nossa vida.
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Em tempo de imagens, as novas narrativas vivem sobretudo de fluxos (ficcionais) de informação que têm intensidade e duração diferentes. Por exemplo, a imagem da gripe das aves, a imagem dos McCann, a imagem do murro de Scolari ou a épica de Mourinho são mais persistentes do que as imagens caducas de Aquilino no Panteão, do surfista desaparecido em Espinho ou até da imagem da guerra ao Irão promovida pelo Ministro dos Negócios Estangeiros francês.
Em tempo de imagens, as novas narrativas vivem sobretudo de fluxos (ficcionais) de informação que têm intensidade e duração diferentes. Por exemplo, a imagem da gripe das aves, a imagem dos McCann, a imagem do murro de Scolari ou a épica de Mourinho são mais persistentes do que as imagens caducas de Aquilino no Panteão, do surfista desaparecido em Espinho ou até da imagem da guerra ao Irão promovida pelo Ministro dos Negócios Estangeiros francês.
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Todo este insaciado combustível (de trânsito televisivo ou cibernáutico) alimenta essencialmente o hardware. Ou seja: dá-nos a pista de dança, enquadra-nos num espaço de sentido, numa lógica. Mas depois, claro, existe o espaço da congeminação individual: o chamado tempo das expectativas que nem sempre se adequa a esta voragem de imagens. É aqui que o software de cada um pode alterar tudo, até porque é feito de conjecturas (aceleradas e) cruzadas que tentam seriar a informação e domar, a seu bel-prazer, a própria máquina do tempo. Nem sempre com sucesso, é certo. Mas muitas vezes com um sorriso parcialmente vencedor. E irónico.
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A "falha", ou o lapso - sei do que falo -, constituem amiúde formas exultantes de ironia. Sócrates, na passada semana, face a face com Bush, levou consigo esta preciosa medalha. Para mais, sem ter minimamente dado por isso.
A "falha", ou o lapso - sei do que falo -, constituem amiúde formas exultantes de ironia. Sócrates, na passada semana, face a face com Bush, levou consigo esta preciosa medalha. Para mais, sem ter minimamente dado por isso.