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terça-feira, 8 de maio de 2007

Folhetim - 13

VANITAS
51, AVENUE D´IÉNA

por Almeida Faria

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«Ainda que me irrite a arte actual, o título da sua exposição agrada-me, lembra-me as emoções e dramalhões dos vivos. Que alívio ter passado já por isso! Amanhã de manhã, como não há cá ninguém aos sábados, vou ao vestíbulo dar uma vista de olhos a esses seus mistérios da morte e de Diónisos. Gostei do cartaz, e gosto de ver pintura à luz crepuscular da tarde ou da madrugada. Não me agradeça, não o faço por obrigação; faço-o pelo mesmo motivo que me levou a coleccionar as minhas pinturas, esculturas, azulejos, jóias, baixelas, tapeçarias, tudo que estava aqui. Notou que me refiro a elas como me referiria a minha mulher, a minha filha? Não a meu filho, que para mim deixou de existir. Compreende a minha vontade de juntar sob este mesmo tecto as minhas obras, por amor delas, não por vaidade? O Walter Scott, o Victor Hugo e outros possessos pela vaidade é que precisaram de casarões à sua imagem. À Maison Visionnée Habitant Visionnaire. Só um vaidoso escreve frases destas. Hugo, evidentemente. Em mil novecentos e dezanove, no ano da mais monstruosa matança de arménios, comprei o torso de Hugo esculpido por Rodin em mármore branco, colocado a três quartos e virando um pouco a cabeça para nos olhar de frente. Desde aí associei Hugo ao massacre. Esquisitices, não ligue. Como não posso aspirar à criação artística, tento viver no halo dela. Sem sofrer, ao contrário dos artistas, que têm fama de nunca se darem por satisfeitos. O senhor é desses? Ainda bem. A não ser que o diga para me convencer ou para se convencer de que é artista. Depois de ver os seus quadros decido. Se a insatisfação fosse critério, também eu seria artista, pois nunca me satisfiz com o que tive. Já agora, se me permite, confesso-lhe o seguinte. Nos anos vinte, quando um descendente de Mallarmé cedeu ao Louvre o retrato do célebre simbolista por Manet – aquele em que ele assenta a mão meditativa sobre um caderno aberto enquanto o fumo do charuto levemente se eleva, e que se inspira no Baudelaire de Courbet –, meteu-se-me na cabeça arranjar qualquer dos restantes retratos do poeta, um dos mais retratados que conheço. Foi muito retratado por Whistler para quem posou vezes sem conta, e por Munch e Gauguin, porque Mallarmé os recebia todas as terças-feiras no seu salão da rue de Rome e lhes chamava os seus terça-feiristas. Desisti de vir a ter um retrato de Mallarmé ao ver que não adiantava continuar procurando, mas desforrei-me com a Palas Ateneia, não assinada nem datada, embora seguramente de Rembrandt. Comprei-a ao governo soviético num lote de cinco obras, entre elas A Lição de Música, também conhecida por Dama e Cavalheiro Tocando, de Gerard ter Borch. Só que, para me assegurar da não-concorrência do meu intermediário Wildenstein, combinei que eu ficava com o Rembrandt e lhe cedia as quatro restantes. Cumpri com o meu rigor habitual, que me soube a meia derrota pela perda daquele óptimo Ter Borch.
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(continua)
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Próximo episódio: “Numa ingratidão indesculpável, após o luxo do terceiro andar achei um tanto serviçal este quarto de criada, apesar de renovado e com banho privativo. Os dedos tremiam-me, os dentes batiam-me enquanto me fechava à chave.”