Derrapagens de Mário Soares
Penso que quem, ontem à noite, viu o debate na SIC notícias terá ficado defraudado. Esperava-se mais. Ou, se calhar, as ilusões de um grande debate ter-se-ão confundido com tudo aquilo que a dimensão do tema convocaria. JPP limitou-se, a maior parte do tempo, a sublinhar o que creio ser o verosímil. Mas... vejamos algumas das afirmações de Mário Soares que me pareceram delirantes (é difícil, sinceramente, encontrar outra palavra):
a) Por muito que se possa divergir dos eleitos nos EUA (e do próprio processo eleitoral que viu Bush subir à Casa Branca) não vejo como é, de facto, possível confundi-los com os terroristas suicidários e apocalípticos do 09/11. Comentários desnecessários.
b) Defender, ainda que em subtexto, que os terroristas do 09/11 foram buscar a sua motivação a um misto da desumanização das sociedades ocidentais... é um defeito de óptica também difícil de adjectivar.
c) Defender a negatividade do pós-11/09 com o argumento de que a "contenção" que permitiu os 50 anos de paz pós-1945 se esvaiu. Infelizmente, Mário Soares continua a pensar num quadro que não é o actual, realmente como se o 11/09 nunca tivesse existido (JPP tirou partido deste facto e ganhou o frágil debate em toda a linha - parecia o jogo de Vigo, há uns anos, que eu vi e senti de forma constrangedora).
d) Assumir que, durante a guerra do Iraque, a "Europa se portou muito bem". E dizê-lo tão convictamente, quando toda a gente sabe que a Europa de dividiu como nunca antes tinha acontecido.
Ao fim e ao cabo, se JPP até na questão da exclusão conseguiu somar alguns pontos (mais por pura inabilidade de MS), a verdade é que essa questão teria merecido um tratamento menos emocional e mais profundo. É evidente que o nível da discussão conseguiu estar muito acima do nível primário com que J. Pureza tentou insuflar a noite da SIC notícias (na continuação dos comentários lamentáveis que já deixara no ar acerca da infeliz capa do Público de ontem). Enfim, o 11/09 mobilizou atenções, mas entre elas, persistiu, em muitos sectores, e infelizmente, a ideia de que não há um conflito em curso na nossa escassa casa global, que a Europa deverá ser uma Suíca imparcial e que os argumentos autofágicos em relação ao ocidente somados a algum antiamericanismo bastam para aliviar o pensamento. Pois eu creio que o privilégio de se viver e respirar em democracia nunca esteve tão ameaçado depois do pré-II Guerra Mundial. Só que os factores que hoje repõem a questão não têm a mínima comparação com os meios e as possibilidades do fim dos anos trinta do século passado. A reflexão deverá continuar. E eu sinto que a esquerda, em geral, se está a desmobilizar, a envelhecer e... está mesmo a negligenciar esta reflexão. Mais: está a entregar esse papel de mão beijada à direita. Sinal dos tempos.
Como se dizia no Vanilla Sky - ABRE LOS OJOS !