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quinta-feira, 11 de setembro de 2003

As flutuações do mundo: da interpretose ao 09/11

É verdade, lembro, há muitos anos, quando ainda vivia em Amestrerdão, de um amigo me dizer que a SIDA lhe tinha mudado de facto a vida. Sabemos que a SIDA mudou muita coisa no mundo e a esse meu amigo mudou-lhe radicalmente a vida e a sociabilidade. Hoje, dois anos certos após o 09/11, reparo, ao ler muitos dos meus textos deste período (crónicas, páginas de ensaio, artigos, apontamentos, etc), que a minha maneira de pensar foi mudando, foi flutuando, foi ponderando de outra maneira. É uma mudança tranquila e positiva que passou a rever na sociabilidade democrática do mundo uma riqueza incalculável. Essa consciência - antes mais maleável, mais relativada - passou a sobrepor-se ao desígnio apologético da igualdade entre os homens (no fundo, uma ficção). Não é que não pense que a ideia de igualdade não seja uma causa nobre. Mas nem toda a nobreza é um princípio de regulação da vida dos homens em liberdade. É precisamente por concluir que a ideia de igualdade (pensada racional e ideologicamente, ou pensada religiosa e escatologicamente) é sempre uma representação ou uma abstracção distante da práxis do dia a dia que sou levado a concluir que é fácil vê-la a converter-se num álibi potencialmente conducente à intolerância. O laboratório dos factos políticos do século XX é disso um bom exemplo, no rol de barbárie e experiências acumuladas que o reflectem. É por isso que sou hoje muito mais aberto a um ideário que coloque em primeiro lugar - e sempre - a liberdade, a democracia e a justiça e só depois todas as ideias abstractas, ainda que nobres, cujo pôr-em-cena mereça um atento agendar de regulamentações e gradações muito lentas. Só depois da liberdade, da democracia e da justiça é possível falar em solidariedade e em igualdade (e não ao contrário). O facto de me ter ligado, à escala local, a algumas tarefas políticas, no último ano e meio (devido à coincidência entre os calendários político-autárquicos e o pós-09/11), não muda em nada o que se passa ao nível do meu pensamento. Pensar significa interligar as perspectivas de fundo - que tenho desenvolvido em ensaios (relevo para os Anjos - 1999, as Órbitas -2003, Islão e mundo Cristão - 2000 e mais uns livros sobre a neurobiologoia e sobre semiótica) e a imediaticidade da prática (a crónica, o registo imediato, o artigo, a reflexão aforística). Pensar não pode ser um facto letárgico ou um acto de acomodação ou repetição (a maior parte dos opinion makers, mesmo alguns bastante conhecidos, apenas repete palavras de ordem no sentido deleuzeano), mas sim uma tarefa corajosa que se confronte com a mudança e com a audácia dos factos do dia a dia. Para Susan Zontag, a interpretose é a capacidade de pensar em tempo de guerra. Nos tempos que correm, filtrados pela abertura global e pela ameaça hiperterrorista, há que saber sobrepor sem medo a interpretação à interpretose.