quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Pré-publicações - 60

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Agustina Bessa Luís, O livro de Agustina, Guerra e Paz, Lisboa, 2007, (Outubro) .
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"A Família do Paço"
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"O avô Teixeira, com todo o ar dostoiewskiano, casou em Março de 1867 com Justina, filha de José Bento de Bessa, do Lugar do Barral. Ele tinha 41 anos quando casou e ela 28, idade que, para uma noiva, era já um pouco avançada, nesse tempo. Explica-se isso porque Justina ficara enamorada desde os sete anos por José, com 20 anos, quando ele a ajudou a passar um ribeiro em dia de invernia e lhe disse que se casaria com ela, um dia. Esse dia chegou a 3 de Março de 1867. O casamento durou 35 anos, sem que se apagasse nunca a memória do amor da infância e o espírito duma união em que os elementos tiveram a sua parte mais sensível. É possível que fosse em Março que se viram pela primeira vez. Como em Março nasceram quatro dos seis filhos.
O rapazinho à direita é meu pai, Arthur Teixeira de Bessa, que foi para o Brasil aos doze anos, por efeito da ruína da casa de lavoura e duma questão perdida em tribunal. Amélia, que foi o modelo para A Sibila, tinha dezassete anos quando o irmão partiu para o Rio de Janeiro, onde steve vinte e cinco anos e fez fortuna considerável. Uma parte da Rua do Ouvidor pertencia-lhe. Eram tempos airosos de fantasia para quem se fazia ao mundo. Eu tive que abrandar o espírito de aventura e do sabor do ganho não tirei partido. Porém, gosto do triunfo que, para ser desculpado, se diz que é aprovação de Deus.
Meu avô Teixeira era perdulário, valente, amava as mulheres, o que é mais do que as desejar. Tinha por elas um respeito gracioso e sem adulação. Elas adoravam-no e faziam bem. Que há poucos homens que saibam amar as mulheres e merecê-las."
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"Meu pai, o Brasileiro"
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"Não gostava que lhe fizessem lembrar a pequena condição do brasileiro de torna-viagem, que, em geral, se ficava pelo negócio do restaurante típico ou pelo armazém de secos e molhados.
O português trabalhava, o brasileiro era funcionário público. Meu pai, levado por um tio que tinha comércio de frutas na Baía, foi colocado no Rio, não sei se numa pastelaria onde o deixaram comer doces até os ter por inimigos para o resto da vida. Creio que me transmitiu o desinteresse pelas coisas doces, que eu prefiro o sal e o vinagre.
Em vias de ser adoptado pelo casal da pastelaria, que não tinha filhos e se agradara da criança bonita e mansa que foi o meu pai, ele fugiu de casa. Nesta fuga estava a vocação da aventura sem espavento e sonhos fantásticos. Entrou no submundo do Rio, vivia na praia com outros da mesma idade a comer o peixe deixado pelos pescadores. Fez-se corredor num rink de patinagem. Entrou no jogo com um mulato que, possivelmente, era o banqueiro e o lado facinoroso da sociedade. O jogo era um campo de acesso à fortuna e às relações perigosas. Meu pai falava pouco desse tempo que lhe descobriu a vocação, senão o vício. Amava o jogo, não de azar, mas de lúdica sabedoria. Esse contraste entre a presa e o predador, antiquíssimo arrebatamento dos sentidos. Quem se perde pelo jogo não se perde por mulheres nem por mais nada. Minha avó Justina ficava a pé na cozinha até às três horas da manhã, a fazer paciências com cartas. Era uma mulher apaixonada e orgulhosa que tinha pena das amantes do marido e as socorria quando eram abandonadas. A mulher forte da Bíblia, austera, paciente, que faz do amor um contraveneno das próprias 16 desilusões. Qualquer ficção a diminui e não a retrata
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.