quarta-feira, 23 de maio de 2007

A filosofia da filosofia

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Embora em muitíssimos aspectos eu esteja nos antípodas de Mehdi Belhaj Kacem, acho imensa piada ao facto de o autor escrever filosofia sem ser propriamente um filósofo (i.e., sem ter formação académica na matéria). E reforço o meu agrado pela simples razão de que Kacem faz disso carreira, obra e até manifesto. A questão é interessante: as epistemologias foram-se impondo nos últimos séculos como arenas de extrema especialização (as linguagens das ciências reinventaram-se de modo cirúrgico). Este processo de exclusões mútuas tornou-se num tabu inquestionável. As excepções aparecem raras vezes através da chamada "divulgação de qualidade" (Damásio é disso um exemplo fulgurante). Só a literatura e alguns derivados das chamadas ciências sociais e humanas (geralmente considerados como menores ou especulativos – entre as para-ciências "psi" e o espírito "xis" o caminho é fecundo) é que extravasam esta arrumação que uma unanimidade radical testemunha ao jeito das velhas moralidades. A filosofia aparece como um eixo muito singular que atravessa o caudal das excepções e a voragem metódica e tradicional do rigor. Por vezes, citar autores que os filósofos reivindicam como sendo apenas da filosofia é ainda uma heresia. Aproveitando a descontraída boleia de Kacem, pus-me a imaginar o que podia ser o meu tratado de filosofia. Fiz um esquema numa A4 dobrada ao meio e percebi, de imediato, os dez temas que o organizariam (começaria sempre, capítulo a capítulo, por destacar a questão postulada e a tese a defender): Instantaneidade e absoluto, Deus e terrorismo, Liberdade, Expressões e rede, Design e utopia, Topoi e media, Ilusão e Metailusão, Patologia do consenso, Esquerda/Direita/Vazio e Causas diáfanas contemporâneas.
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(a propósito do artigo de Alexandra Lucas Coelho sobre Kacem, ontem publicado no Público
: creio que uma boa transcrição fonética do Árabe, sem ser, portanto, a partir do Francês, daria "Mahdí" e não "Mehdi". Repito: creio eu...)