quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

A discussão de ontem na "Dois"

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Segui ontem a discussão no Clube de Jornalistas. O grande pecado destes debates – sobretudo quando são organizados no meio jornalístico – é a imediata colagem referencial dos media tradicionais à lógica expressiva que está a hoje a vingar na rede. Como se esta projecção do jornalismo sobre os actuais mecanismos de rede não constituísse em si uma rotunda falácia e pudesse, portanto, aceitar-se como ponto de partida para uma discussão eficaz.
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Neste tipo de diálogo, tende a esquecer-se que os códigos construídos em dois séculos para tutelar a actividade jornalística pouco ou nada têm que ver com a invenção de regras que hoje tentam ajustar os novíssimos e variados dispositivos da rede às linguagens que chegaram até aos nossos dias (e que foram, nos últimos cinco milénios, moldadas para finalidades ‘verticais’ – religando emissores inacessíveis e poderosos a auditórios passivos – e não para a súbita horizontalidade da rede).
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A fusão emissor/editor é, nesse contexto, um factor decisivo mas não único. O fundamental situa-se na natureza expressiva completamente nova que está a superar géneros milenarmente herdados, amalgamando-os e dando origem a novos tipos de comunicabilidade, de interacção e de reposição e efabulação do real. As “deontologias”, a natureza da “notícia” e da “informação” – dados que ‘fizeram academia’ no meio jornalístico dos últimos dois séculos – constituem entidades de outra galáxia (com excepção para as extensões online dos media tradicionais) quando confrontadas com o espaço comunicacional que as múltiplas expressões em rede estão a gerar e a problematizar na actualidade.
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Não me parece, pois, aconselhável esta assunção quase universal que acata a tradição do jornalismo como ponto de partida para discutir a força elocutória do universo hipertecnológico (é interessante como as próprias designações – é o caso da “Web 2” – também acabam por denotar a impaciência desse novíssimo e difícil ajuste entre a linguagem disponível e a lógica das novas interacções).
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Curiosamente, noto – neste tipo de debates – um certo azedume e até ressentimento por parte de alguns jornalistas (postura ontem tão bem encarnada pelo director adjunto do DN) face à nova realidade da rede, como se ela constituísse um subversão ou um desvirtuar de uma certa legitimação do poder (profissional, deontológico e social) e não uma autónoma e novíssima esfera da comunicação e da expressão globais (ainda à procura de si própria) de natureza completamente diferente.
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P.S. - 1 - Seria injusto omitir o óbvio: gostei da prestação do Paulo Querido e de Rogério Santos. Mas creio que João Morgado Fernandes devia ter sido confrontado - deste ou doutro modo - com o que acima desenvolvi.
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P.S. - 2 - E... devia ter lido esta avisada nota do Paulo, antes de ter exposto os meus humildes argumentos: "O programa não é recomendado aos bloggers portugueses, por causa das apoplexias, crises de fígado e corações susceptíveis, mas os leitores em geral podem acompanhar."