terça-feira, 18 de julho de 2006

Modos de vida - 2 (act.)

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Na questão do Médio-Oriente, um leitor ("antonior") pede-me que me centre mais nos factos do que na linguagem. Dir-lhe-ei que a grande base de toda a disputa milenar naquela região tem a ver com as linguagens. Por outras palavras: a crença das religiões do Livro, segundo a qual uma linguagem revelatória é interpretada como decisiva (e exclusiva) para a salvação e para a compreensão do mundo, está na base de grande parte das intolerâncias que se move ainda hoje no mundo. A diferença é que, em analogia com a lenta aprendizagem do Ocidente dos últimos três séculos (a convivência democrática e a liberdade como matrizes), o estado de Israel, nascido enquanto tal na sequência do Holocausto - facto amiúde esquecido -, enquadra e legitima no seu espaço público (por exemplo) manifestações contra a guerra, o que no Irão, na Síria e em todos os Hezbollahs deste mundo é no mínimo impraticável. Independentemente dos factos em jogo na guerra que está em curso, o que ontem sublinhei foi o facto de uma certa boa consciência ocidental parecer pactuar com mais espontaneidade, facilidade e (alguma) má-fé com o terrorismo do que com a afirmação dos valores que possibilitam a sua própria expressão livre. É a partir desta truncagem, ou desta nova “ideologia global” como lhe chamava o saudoso Fernando Gil, que as análises muitas vezes se viciam. Ver tudo ao mesmo nível, a partir dos efeitos criados pelo fluxo global de imagens, gera esta distorção. Eu diria: esta falta de liberdade e de isenção. É, aliás, uma tendência - ou um modo de vida displicente e perigoso - que se vem construindo desde o 11 de Setembro de 2001.
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p.s. - "O facto de alguns governos árabes criticarem publicamente o Hezbollah -- coisa rara, refira-se -- e, indirectamente, o Irão, deveria ser suficiente para fazer pensar aqueles que insistem que o programa nuclear iraniano não é um problema." (Bloguítica)