quarta-feira, 21 de junho de 2006

O "tom" dos blogues - 39

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Um breve texto deixado na caixa de comentários de “O ‘tom’ dos blogues – 30” (da autoria de Roteia do Ultra Periférico) suscitava respostas às seguintes perguntas alternativas: Que espaço existiria há alguns anos que, hoje em dia, os blogues tenham passado a ocupar? Ou, será que um espaço 'totalmente novo' se veio apenas acrescentar aos já existentes?
Eu creio que a blogosfera veio maioritariamente responder a horizontes anteriormente existentes, embora tenha também alargado o horizonte com que nos debatemos e exprimimos hoje em dia (daí as contendas enuncidas pelo
Roteia entre os tempos destinados ao blogue e os outros tempos ‘úteis’ destinados, por exemplo, à escrita, à investigação, à leitura, etc.).
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Comecemos pelo primeiro caso. A blogosfera veio de facto ocupar:
a) o que antes era um espaço de silêncio que se desenvolvia de modo vertical entre alguns emissores localizados e uma vasta cadeia de auditórios (o tempo de incubação e interpretação de um livro, de um filme, de textos publicitários, do discurso político, etc. que hoje aparece a cruzar a meteórica miscelânea temática dos blogues);
b) o que antes era um espaço potencial de interacção que vivia contido pela própria natureza dos média tradicionais (a reacção face à televisão, face aos espaços de crónica ou face à própria sintaxe das notícias/imagens que hoje preenchem boa parte dos discursos activos e plurais que se enunciam nos blogues);
c) o que antes constituia um espaço crítico a partir do qual se descreviam coloquialmente – era ‘matéria de botequim’ - certos mundos de cariz muito empírico (as viagens, os lazeres domésticos, os pequenos actos do quotidiano que hoje aparecem intensamente transpostos em conteúdos da blogosfera).
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Passemos ao segundo caso. A blogosfera veio também realmente acrescentar horizonte aos nossos horizontes, sobretudo pelo facto de ter aberto a possibilidade de existência ao que, hoje em dia, pode ser já caracterizado como sendo a ‘cidadania expressiva’ (um imenso jorro “telepático” global, segundo a expressão de Sloterdijk, que carece ainda de uma adequação das linguagens tradicionais às ‘estruturas’ do novo meio).
Este novo redimensionamento dos horizontes expressivos corresponde a um espaço potencial que anteriormente não estava a ser desenvolvido por diversas razões, sendo as principais (a) o controlo apertado dos mecanismos de edição e (b) o desfasamento entre o desejo de inciativa expressiva e os meios que a tornassem massificadamente possível.
A ideia (ingenuamente blogosférica) que, de repente, tudo e todos se tornaram “escritores” ou “autores” advém desta ‘ruptura’ operada na rigidez dos mecanismos de edição e na eficácia expressiva proporcionada pelos “hosts” (Blogger, etc.).
Há, contudo, uma interessante analogia entre este caudal de novas escritas e “escritores” (o número de blogues não deixa de crescer de modo exponencial) e o final da censura que, no caso português de há trinta e dois anos, toda a inteligentsia pensou que viria acompanhado do anúncio de um número ímpar de obras de qualidade até então ofuscadas do público. Se hoje se sabe que este último facto se traduziu afinal no verdadeiro mito de Abril de 1974 (pondo de lado uma meia dúzia de honrosas excepções), também se pode afirmar que, no caso dos blogues, a optimização massificada da expressão não logrou tornar visíveis, até hoje (salvo a mesma meia dúzia de excepções), novos “génios” anteriormente ofuscados pelo “sistema”.
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Ortega Y Gasset percebeu muito bem no seu tempo que as vozes que nunca tinham aparecido no espaço público começavam subitamente a singrar. E baptizou-as, sem grandes ironias (La Rebelión de las masas, 1939), como a voz do “señorito satisfecho” ou do “niño mimado de la historia humana”. Adoraria saber como é que Ortega baptizaria, nos tempos que correm, este novo ‘caudal’ que procura sagaz e desesperadamente o ‘core’ de uma renovada expressão.
Ter-se-ia ele lembrado da questão do “tom”?