sábado, 10 de junho de 2006

O “tom” dos blogues - 30

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Por que é que acabam tão rapidamente os blogues?
A pergunta poderia ficar em suspenso diante da realidade que todos observam dia a dia como se fosse uma coisa dada. Pois é verdade, de meses a meses, blogues com um ou dois anos de idade encerram as suas portas, dando origem a uma migração dos seus autores, ou para outros blogues, ou para a criação de novos blogues. O tempo de vida médio de um blogue é extremamente curto, mas é inversamente proporcional à sua elevada taxa de fertilidade. A mobilidade que se expressa neste ‘nasce-e-morre’ é vertiginosa e configura um dos sinais mais explícitos da vitalidade do meio.
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À medida que as gerações se sucedem, alteram-se os autores, as composições, os nomes e os estilos. Mas o que muda quase sempre de modo profundo (e fecundo), logo que um autor reaparece num novo blogue, é o enquadramento formal e o design. Estes aspectos clássicos da cultura material raramente existem em estado de metamorfose como acontece noutros locais da rede e sobretudo na eferverscência do mundo contemporâneo off-line. No caso da blogosfera, alteração de design significa, na maioria dos casos, o processo de ‘nasce-e-morre’ (o Miniscente, entre muitos outros blogues, é excepção a uma regra que - empiricamente - creio ser maioritária).
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Também raramente este ‘nasce-e-morre’ se assume através de novos propósitos editoriais. Os novos blogues abrem e a consciência que neles aparece é feita de imagens e figuras que salientam uma nova tonalidade expressiva, como se a aventura de cada ‘re-nascimento’ se traduzisse pela modelação e adaptação ao meio blogosférico de uma nova maneira. Mais uma vez, o “tom” ressurge como o mais importante elo da contenda que objectiva a quase permanente transmutação dos blogues.
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Há muitas espécies autoreprodutoras no nosso universo. Nesses ecossistemas, cada ser agencia a sua morte e reproduz-se, ao mesmo tempo, no ser que lhe legitima o genoma. Assim é o metabolismo pendular dos blogues. Questão de sobrevivência. Quando Nietzsche, em 1887, disse que o niilismo era o cansaço do homem diante do próprio homem (Genealogia da Moral), mal imaginávamos que essa fadiga imensa havia de percorrer o ensimesmamento da blogosfera mais de um século depois. É esse cansaço (dos blogues face a si mesmos) de quem não suporta a troca diária da coisa pela sua imagem que impele grande parte dos blogues a uma renovação intempestiva. Independemente dos meios, das justificações e dos balanços. Muitas vezes, o cansaço é tal que os autores que criam novos blogues removem da memória aparente da rede o testemunho do seu anterior blogue. De facto, a matéria permanece e bastará ir aos motores de busca para que ela reapareça. Um cansaço sempre ensombrado. Poe teria gostado.
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Se não há percurso e decantação editorial na blogosfera, também não existe reflexão individualizada acerca do processo deste ‘nasce-e-morre’. Ele ocorre e repete-se como na botânica, sem que as fenecidas plantas e as suas neófitas se ocupassem de razões. Um ‘exame de consciência’ ontológico nunca poderia ter lugar num blogue, já que aquilo que o anima é uma liberdade que vive lado a lado com a mais invisível das compulsões (nos média clássicos é o lucro que naturalmente se assume como a grande compulsão; aqui é a voracidade narcísica do niilismo).
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Tal como as imagens povoam o campo blogosférico através de processos indiscriminados e até aleatórios, tentando encontrar o seu ‘lugar próprio’, também a sobrevivência do meio parece directamente ligada à ininterrupta voragem do ‘nasce-e-morre’.
Mefistófeles predisse-o, afinal, nas últimas palavras do Fausto:
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Mefistófeles- Acabou-se ! Palavra sem sentido !
Acabou-se porquê ? acabou e nada
É tudo a mesma cousa ! Então que vale
A eterna criação ? Cousas criadas
Ao nada reduzir ! ‘ Está acabado’!...
Que quer isto dizer ? É exactamente
Como se nunca fosse, e todavia
Circula, como tendo inda existência !
Preferira ao que acaba o vácuo eterno.”
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Já tinham pensado nisso?