terça-feira, 18 de abril de 2006

Beckettianas

Instalação-vídeo de Mathieu Ticolat: evocação de L´Innominable
e
Passeio pelos blogues (para recuperar o tempo pascal perdido) e verifico, entre outras coisas, que na passada semana se editaram muitos rostos de Beckett. Todos gostamos de concordâncias e ritmos profundos, é certo. Numa perspectiva mais iconoclasta e pessoal, deixo-vos aqui uma história (excerto de excerto de uma breve história) beckettiana que se passou comigo há vinte e dois anos precisos.
Uma vez, era sábado e Primavera, fui levado a uma casa de fadas perto do Amstel. Recebeu-me uma senhora de idade, alta, com um olhar penetrante. A escada era estreita, as paredes exíguas, mas o impensável sótão, esse, era amplo e estava repleto de pinturas, instalações e esculturas. Madeiras retorcidas, cromatismos fortes, materiais puros, aparências "COBRA", muito metal, ferrugem e uma clara aversão à plástica clean. Era o museu privado de um artista que mal tinha sobrevivido a um campo de concentração japonês, na Indonésia. Ouvi histórias, vi imagens, segui rastos. Havia até rostos a pairar num areal imaginário. Onde tinha eu já visto aquilo tudo? À saída, talvez devido a uma inexplicável empatia, a dona da casa, que era viúva do artista desaparecido, deu-me para as mãos a primeira edição do L’Innominable (excelente livro de 1953 da Minuit). Há vaticínios assim.