segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

O mundo da "Cultura" - 1 (act.)

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Existe um mundo da cultura, ponto final. Um mundo que se autoproclama (tal como um país se proclama) e que tem uma imagem própria claríssima: vê-se, nas sociedades actuais, como a derradeira luz de uma sacralização perdida. Esse mundo da cultura é composto por: (a) uma restritíssima bolsa de arte; (b) um conjunto estável de encenadores, músicos e actores residentes (apesar do nomadismo cíclico); (c) alguns escritores convidados (vão a todas os colóquios oficializantes); (d) um parco número de programadores “culturais” empiricamente certificados; (e) anfitriões vários de subsídios regulares (locais, regionais e nacionais); (f) bolseiros e jurados que distribuem os dinheiros anuais do cinema; (g) alguma encenação concorrencial entre ‘opinion makers’ (o legado dos antigos “intelectuais” e “críticos”); (h) mentores de diversíssimos “patrimónios”; (i) algumas instituições do estado (central e local) e privadas (fundações, etc.); (j) um pequeno recorte dos 'média' (em formatos variados que actualizam o chamado "jornalismo cultural"), (l) uma razoável rede em grande medida estatal de contratantes de “eventos” (produtores, agenciamentos, adjudicantes, etc) e (m) políticos e patrocinadores que recorrem ao simulacro e à actividade culturais com finalidades óbvias. Tal como na escatologia medieval, o grande convento tem que ser tratado, apesar da fé (da doutrina e do poder da “criação”). Eis, pois, onde deve entroncar a discussão, para além dos caprichos circunstanciais tipo “pós-cultura”: até que ponto se está, ou não, disposto a utilizar recursos públicos para salvaguardar a plenitude e a existência do grande convento contemporâneo?