quinta-feira, 1 de setembro de 2005

A "inscrição" lusitana

Ontem vi e ouvi com atenção a apresentação de candidatura de Mário Soares. O mais importante para mim foi a moldura humana que ali acorreu. Reflectia o establishment, a inteligentsia e o reiterado acomodamento que, embora com contornos completamente diversos, quase se assemelhou a uma "brigada" de triste memória.
Tenho praticamente a certeza de que o ritual em torno de Cavaco Silva não destoará, se não ultrapassar mesmo a cenografia ontem pungentemente vivida no Altis lisboeta.
O regime anterior, no seu íntimo modo anti-democrático de fazer e imaginar a política, prolongou durante décadas uma sede de não renovação quase asfixiante. Mesmo os mais novos, que foram singrando na década de 60 e no início da década de 70 (a geração ballet rose), repetiram ininterruptamente a velhice e o sentido de "brigada do reumático" dos seus mitógrafos e epónimos.
Parece-me grave que o regime democrático, com quase trinta anos de história, mantenha a mesma invariante histórica tão pouco sadia e tão própria dos corpos com pouca fertilidade e em franca decadência.
Soares disse que vinha combater o pessimismo e Cavaco virá falar na 'rectidão do centrão'; mas a intemporalidade que perpassa nesses discursos e na galeria viva que os acompanha tem a cor do abismo e respira (inapercebidamente) uma espécie de ávido ressentimento da tristeza.
Como dizia Marivaux, há quem goste "mais da miséria alegre do que da miséria triste" (Arlequim, Acto II, Cena V de A Surpresa do Amor, 1722).