domingo, 18 de setembro de 2005

Entre a expectativa e nada

Se alguém conta que um índio — que à mesa de um inglês em Surate viu abrirem uma garrafa de cerveja e toda ela, transformada em espuma, derramar-se — mostrava com muitas exclamações a sua grande estupefacção, e à pergunta do inglês — «que há aqui para tanta admiração?" — respondeu: "eu também não me admiro de que isso saia, mas de como vocês conseguiram metê-lo aí dentro", então rimos e sentimos um afectuoso prazer, não porque porventura nos consideremos mais inteligentes que esse néscio, ou por algo comprazente que o entendimento nos tenha permitido observar aí; mas a nossa expectativa era de tensão e subitamente dissipa-se em nada. Ou se o herdeiro de um parente rico lhe quer dar um funeral realmente solene, mas lamenta que não o consegue, pois (diz ele): «quanto mais dinheiro eu dou às minhas carpideiras para parecerem tristes, tanto mais divertidas elas parecem», então rimos ruidosamente e a razão reside em que uma expectativa se converte subitamente em nada.”

(Kant, C.F.J., ”§ 54. Observação”)