quinta-feira, 16 de junho de 2005

Europa

Há uns quinze anos bastava dizer “a guerra” para legitimar o sonhado esteio europeu. Tudo valia em nome da paz e da liberdade, ainda que o escrutínio raramente se acercasse dos cidadãos. A coesão, nessas circunstâncias, não era verbo desconcertante. Mas o tempo mudou radicalmente e a “guerra” já não é mais a ferida mal fechada de há duas décadas. Hoje, essa mesma “guerra” já não passa de um filme quase mudo e estupidamente ignorado. Nas novas circunstâncias, a coesão, os tratados, as generosidades, o próprio projecto europeu são coisas a perderem o sentido (o mais estúpido da condição humana é o “horizonte” que é sempre o “horizonte de uma conjuntura”). Há quem faça moda desta fácil constatação que é ver cair em movimento prenunciado um continente inteiro. Há quem adore escorços de apocalipse, agonias destemperadas e memórias à deriva. É fácil desdizer quando o dito já está a arder em chamas na frente dos nossos olhos. E o facilitismo da moda tanto entra na boca de cena do “Não” - não há como um “Não” para unir sem qualquer esforço de alternativa -, como entra na boca de cena do “Sim”, porque, neste caso, não há nada como um “Sim” consensualizado para cativar a inércia alheia (veja-se o “Sim” do parlamento alemão). Mas a Europa, quer se queira quer não, viverá sempre para além da tensão entre este “Sim” e este “Não”. Há uns quinze anos, ou há duas décadas, a “guerra” era o quanto bastava para superar os “Sins” e os “Nãos” potenciais (os vencidos ainda se escondiam sob a balaustrada silenciosa dos vencedores). Nessa altura, não era difícil encontrar grandes líderes e causas. Hoje, o que bastará para salvar a súbita crise do malabarismo criado por Giscard e pelos seus insondáveis aliados? Que nova “guerra”, que novos “líderes”, que novas “causas”, que novos “problemas”?
Há um compromisso anunciado, mais um, a deslizar entre o “Sim” e o “Não” que nos vai ocupar em cimeira de fim-de-semana. Já todos o conhecemos. Falta agora sentir o tom da sua enunciação. É disso que é feita a política: da adequada prosódia da alocução.