terça-feira, 24 de maio de 2005

Lendo The Spectator

Do número de The Spectator que ontem recebi, há duas coisas a destacar (para além do tema da capa que se prende com os “antis” que hoje se fabricam na Alemanha: Anti-semitismo, anti-americanismo, anti-capitalismo, etc.).
A primeira é a assunção registada no artigo de Peter Oborne (“The European constitution contains some good sense. That´s why the French dislike it”), segundo a qual aquilo que é o centro do movimento do “Não” no Reino Unido, o medo da excessiva centralização, é o oposto do argumento do “Non” francês, ou seja, o medo da perda de influência na actual centralidade. Eis, em poucas palavras, como uma tradição liberal interiorizada - a inglesa - pode equivaler, perversamente, a um desejo de estatuir vertical e orgânico (à française)!
A segunda é a crítica ao livro de Thomas Friedman (The World Is Flat: A Brief History Of The Globalized World In The Twenty-First Century, Allen Lane, pp.428). A obra traça com lucidez o impacto de diversas etapas tecnológicas pós-queda do muro de Berlim (a quebra das barreiras comunicacionais com o aparecimento dos PCs, a informação digitalizada, a fibra óptica, o Internet Explorer a meados dos anos 90, os 250% de incremento da pesquisa Google por dia - 150 milhões há três anos, hoje um bilião - , etc.).
Esse impacto tem conduzido o Ocidente à especialização de bens e serviços de qualidade, enquanto os países tradicionalmente pobres se têm especializado em bens de menor qualidade mas mais baratos. Contudo, e tendo em conta a meteórica tendência chinesa e indiana, entre outras, de investimento no saber e na tecnologia (por exemplo, um dos dois centros de investigação da Microsoft é precisamente em Pequim), Thomas Friedman conclui:

Contrary to what the zero-sum economists of the anti-globalisation movement appear to believe, we are living through a time in which developing countries benefit from leveling of the playing field, through lowered barriers and technological innovation” ( o que o autor considera ser “The flat world”).

É evidente que este quadro interessante é depois relativado com o atraso da África e do Islão em geral. Basta dizer que apenas um país dito “árabe” - não gosto, tecnicamente, da expressão - está cotado no Nasdaq. Mais: cerca de 25% de todos os alunos de origem islâmica que se formaram nas duas últimas décadas fizeram-no no Ocidente (o que não significou, por si só, a adesão a uma dada abertura, pois como se sabe, foi esse precisamente um dos esteios da criação da al-Qaeda).
Concluindo: Friedman caracteriza um mundo turbulento, mas no caminho (a prazo) de um certo nivelamento dinâmico e estimulante. Quem se limita à “cultura anti” - a chamada autofagia ocidental que vive do privilégio da liberdade que parece subliminarmente combater - prefere a fuga para a frente para melhor fingir que não vê que este mundo já não é o que era há umas décadas.
Mas ele roda.