quarta-feira, 6 de abril de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
TRIGÉSIMO TERCEIRO (E ÚLTIMO) EPISÓDIO
(A nuvem de Lisboa)

Terá sido a última vez que o vi na vida.
Havemos os dois de morrer com dois segredos gravados na alma, e isso bastar-nos-á.
Há limiares que só se entendem nesta conformidade, ou neste comprazimento de um recato que deve ser extremo e que não deve conhecer limites.
É mesmo verdade: fiquei ali a olhar para António Romeu e para a Casa dos bicos e concluí, naquele preciso momento, que existe, de facto, uma lucidez no arrebatamento. Entre o brilho, o fulgor e, por outro lado, a perspicácia e a inteligência. Há momentos, na vida, em que um dos pratos da balança se parece bastar a si próprio, mas, depois, mais cedo ou mais tarde, surgem sempre as falhas, as omissões, os cortes e o imprevisto.
Tão imprevisto é o mergulho abismado da paixão como é, agora, ver um amigo a andar na direcção do Terreiro do Paço sem dar mostras de se lembrar de mim.

Deixei rapidamente o Campo das cebolas e, por telemóvel, combinei encontrar-me com a Albe, em frente ao Hotel da Lapa. Comemorámos o nosso dia, o aniversário do nosso encontro, junto à piscina. Mais uma vez.
Olhei para a água e juro, Albe, que tornei a ver-te, outra vez, a flutuar, a fundear de braços abertos ou unidos em aro límpido, puro, antigo.

E Albe olhou em frente e como que viu a silhueta esbranquiçada de um fato de linho e, para além dos óculos escuros que lhe cobriam a face, havia uma estrela do mar gigante.

Tal era a nuvem que cobria Lisboa a essa hora.