segunda-feira, 4 de abril de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
TRIGÉSIMO PRIMEIRO EPISÓDIO
(As estranhas luzes de Edmundo)

Edmundo tinha tomado a sua decisão e, sem pensar duas vezes, partiu de carro. Era Janeiro e nem o frio conseguiu desanimar o romântico e destemido homem de negócios. Escalou pela estrada nacional Lisboa - Porto e, depois de Coimbra, inflectiu para o interior, entre montes e vales, até chegar a Vilar Formoso.
À sua volta, luzia um incrédulo “Portugal dos Pequeninos” a cheirar a girassol encantado e a campanários gelatinosos. Uma harmonia desleixada a sobrevoar a ruralidade triste e sem qualquer futuro. Estradas estreitas, pastores e cães podengos de pelo longo, sinaléticas de alvenaria branca com letras negras de luto. Um país a preto e branco que não inibia Edmundo de cantar a plenos pulmões as Janeiras que, há muito, havia aprendido com António Romeu na alegre companhia das lavadeiras do Rio Zêzere.
Depois da fronteira, veio subitamente a grande espera.
Problemas graves no País Basco tinham motivado a criação de uma imprevista barreira policial. Entre a alfândega e a estação dos caminhos-de-ferro, concentravam-se milhares de pessoas em filas ordenadas e, para além dos pequenos parques, nos campos em redor, havia centenas de autocarros e camiões estacionados. Todo o mundo parecia ter parado, enquanto a Guardia Civil fiscalizava todos os detalhes, todos os movimentos, todos os sinais de perigo.
De repente, como se tudo se tivesse passado num ápice quase sem duração, a verdade é que Edmundo não se lembra de mais nada: apenas viu uma luz a abrir-se na frente dos seus olhos, uma luz imensa, uma clarão talvez azulado e depois muito muito branco e, ao longe, cada vez mais ao longe, a paisagem informe, as vozes muito agudas, os guardas em linha, os telhados ainda escuros, os pneus talvez a derreterem-se, os passeios alongados, as ervas cheias de insectos, os postes de luz muito muito altos, as nuvens sem fim, mas tudo, tudo se esvaíra. Tudo. De repente foi mesmo assim: tudo se esvaíra.


(O próximo episódio, porventura o penúltimo, está ainda por escrever. Seja como for, salvo sugestões em contrário - até porque o estado actual de Albe e Edmundo poderia gerar algumas centenas de páginas -, tudo aponta para a inevitabilidade de um reencontro)

Continua