terça-feira, 12 de abril de 2005

Crónica e pensamento, limitada

Já se sabe que Eduardo Prado Coelho não tem tempo para ir à blogosfera, ao terreno desestruturado dos “posts”, à contaminação das escritas. Às vezes, porventura devido aos atractivos teóricos que o movem, chego a estranhar o facto. Mas o espaço mais nobre e almofadado da crónica - essa inscrição orgânica e claramente cativa da lógica do papel - é hoje, no seu Fio do Horizonte (clicar “imprensa” no Header), sujeito a uma análise “sumaríssima” (o léxico futebolístico aplica-se aqui lindamente). Diz o Eduardo:

Há crónicas de todos os géneros e feitios. Umas são comentários políticos. Outras têm uma dimensão panfletária. Algumas evocam aspectos da vida pessoal. Outras especializam-se, como Vasco Pulido Valente, em dizer mal de tudo e espalhar um ácido corrosivo sobre toda a realidade. Há também as crónicas económicas, as crónicas desportivas - especializaram-se numa fatia da realidade.
Mas há sobretudo as que gostam de pensar: pensar a política, pensar a vida cultural, multiplicar o espaço das ideias, a sua razão de ser. Exemplos notáveis: Pacheco Pereira, Vital Moreira. E, mais recentemente, Miguel Veiga
.”

Esta separação entre a crónica que “pensa” e a crónica que “não pensa” intriga-me. Sobretudo o caso de Pulido Valente (e outros omissos, como o caso de Helena Matos que, segundo o Eduardo, dirige uma revista “à direita”, embora tenha “ideias avançadas”) intriga-me ainda mais. Poderá reduzir-se o esforço de Vasco Pulido Valente, goste-se ou não (eu não sou um incondicional dessas crónicas, mas admiro-as), a um mero “dizer mal” que se limitaria a “espalhar um ácido corrosivo sobre toda a realidade”?
O que é, afinal, “pensar”? Um ditame que se cola a quem decompõe, como num micro-ensaio, os vários níveis que se subsumem a uma dada visão do mundo? E o que é uma crónica? Não será um discurso ecléctico, criada por um jogo de linguagem, onde um formato lúdico, apelativo e, ao mesmo tempo, sucinto é decisivo?
Uma crónica pode reflectir o peso das referências, é certo, mas não a entendo como um peso que se enuncie por necessidade.
Por outro lado, “pensar”, sobretudo no espaço da crónica, não pode de modo nenhum ser apenas entendido como um exercício de súbita decupagem do mundo. “Pensar”, no espaço da crónica, deverá ser o prazer da deambulação das palavras, o culto de imagens, a apologética provocadora, o ludema à procura de sentido no olhar dos leitores.
Tanto melhor, se esses deambulares fragmentários espelharem as referências sistematizadas (pensadas com a profundidade que não cabe na cróncia) que se disseminam pela rede contemporânea do nosso mundo. Tanto pior, se a crónica se fizer tão-só escrava dessas referências e apenas rodopiar redondamente à volta delas, sem qualquer prazer que advenha do tacto e do ardil da linguagem.