quarta-feira, 6 de abril de 2005

Apenas pixels

Quando morreu João XXIII, lembro-me de ter ficado muito impressionado pelo modo como o cadáver do papa era solenemente transportado ao longo da Praça de S. Pedro. Era miúdo. Para além disso, o preto e branco da televisão quase oval aparecia impregnado de uma consistência mágica, longínqua e arrepiante. Era a fotogenia a dialogar com aquilo que, no reino da imaginação, é da ordem da "neutralização" (uma súbita fuga para além das fronteiras do real). Este tipo de espanto terá sido, também, familiar nas remotas origens da imagem móvel e na inscrição fotográfica que a antecedeu. Hoje, quando encaro a intensidade da meta-ocorrência que se desenhou em torno do falecimento de João Paulo II, apenas sinto exaustão e excesso. Fica o colorido forte das vestes com que a presença do papa parece querer silenciar tamanho ruído. Mas o que sobra, afinal, é muito pouco: apenas voz que se transpõe em voz, em fluxo de voz e em comentário branco, sem contornos, sem fim. Apenas pixels. Mais nada.