domingo, 20 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
VIGÉSIMO TERCEIRO EPISÓDIO
(O pesadelo de Edmundo)

A mulher de negro sorriu ao longe como que a despedir-se e Edmundo ficou estoicamente em suspenso a olhar para o fausto do iate, enquanto um dos oficiais fardados já levantava âncora e o gorgolhar do motor agitava águas.
E Edmundo, atordoado com o desapareciemnto de Albe e com a cintilante aventura da noite passada, voltava agora a perder-se na cidade. E na sua frente tudo pareciam visões de spleen: era o ouro visionário dos relógios, eram vultos em movimento, eram fachadas em câmara lenta.
Um desalento sem centro, sem perspectiva, sem brilho.
Perto do Ca'd'oro, junto ao Grande Canal, de novo o mercado antigo. É Campo Pescaria, átrio de colunas e do tempo ainda parado. Um imenso burburim que parece ampliar o desvario embala os passos rápidos de Edmundo. Errância pura, perdição. Indiferença.
Foi assim até ao fim, neste último dia de Veneza.
Sonhos de capa e máscara, milhares de albatrozes do alto mar a picarem o corpo indefeso de Edmundo, um fogo sem fim por baixo do alçapão que apenas se abre no momento em que Edmundo volta a acordar. Noite de altares barrocos, de morte lenta, de pesadelo com sabor a limos, ou a lodo, ou àquela espessa areia movediça que parece querer afundar o frágil equilíbiro do solitário português.
E no outro dia de manhã, quando Edmundo finalmente acordou, agitado e atordoado, disse de si para si e em voz muito alta:
- Mas que fiz eu, meu Deus?

(No próximo episódio, finalmente, ficar-se-á saber onde anda Albe)

Continua