quarta-feira, 16 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO NONO EPISÓDIO
(A penumbra fria da ausência)

Quando Edmundo viu a gare de Mestre, sentiu uma pequena vertigem. Depois, a pouco e pouco, a sereníssima cidade foi aparecendo no meio da Laguna. Um fio entre águas a prenunciar este dia 22 de Setembro de 1968. O comboio pára finalmente na estação de Veneza às 10 e pouco da manhã. Passaram entretanto horas e horas e o português mais não fez do que esperar desalentadamente à porta da Catdral de S. Marcos. Onde andaria Albe?
Depois Edmundo perdeu-se. Seguiu pela Calle Traghetto, pequena via que desce a nascente, na direcção do Canale Grande. Rente às paredes do Palácio de Dandolo, o nosso homem foi-se arrastando com o olhar sempre preso ao abismo com que a rua subitamente acaba no minúsculo cais de S. Toma. Onde andaria Albe?
A vista é demorada e irrespondível: cruzam-se ao fundo embarcações, recortes esguios surgem e esvaem-se; pequenos mastros, sombras, um vapor rasteiro contemplado do outro lado do Canale Grande pelas janelas do Moncenigo. A luz é difusa, amplia-se na estreiteza da rua, pemumbra fina que os passos atravessam até ao fim. Quando o empedrado acaba e a água de novo começa, toda a cidade parece revisitar-se na súbita imagem. Onde andaria Albe?
O estranho dia continua e parece libertar aquela respiração do Outono que sucede às primeiras chuvas. E a impaciência torna-se enigmaticamente redentora, quase fugaz, ilibando-se aos olhares indiferentes dos transeuntes. Onde andaria Albe?
Edmundo acaba por refugiar-se num pequeno hotel perto do Rialto. Ao longo de horas e horas, cruza impiedosamente a cidade de um lado ao outro, tentando desvendar vultos, perseguir silhuetas, auscultar perfis. E nada. Nada de Albe. Nenhuma varanda ou janela de hotel dá aos olhos de Edmundo a imagem mais esperada. Nenhuma. Onde andaria Albe?
A sereníssima urbe cintila na sua navegação ritual, segredando por ínvias lendas e marés desconhecidas o que Edmundo não pode sequer imaginar.
Que se terá passado?

(No próximo episódio, Albe aparecerá perdida em Veneza. E perguntar-se-á: porquê?)

Continua
*
(publicação da versão Inglesa no blogue Minion)