domingo, 13 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO SEXTO EPISÓDIO
(A paixão poética pelas pegas de touros)

Com se nos conhecêssemos, há muito, eu diria que a coisa era quase inexplicável, vi-o a andar na minha direcção, meio a falar sozinho, tal era o ar pródigo do sorriso e das sílabas a transbordarem, a atropelarem-se umas às outras.

- Nós levamo-lo a Girona e vamos consigo, então o que acha da ideia ? - e eu admirado com tal prontidão, a ver ao longe a Albe, por trás do pai que quase me abraçava com a inesperada proposta, a rodopiar sobre si própria, a abrir a flor da face num contentamento invulgar, a acenar sobre a justeza da solução.

- Agradeço muito, mas... como posso eu aceitar uma proposta dessas ? - E Albe a abrir os braços, o pai a olhar-me no fundo dos olhos, a mãe sentada na cadeira de lona com o Match a fazer de leque.

- Está bem, está bem, então eu aceito, mas com uma condição: serão os três meus convidados para a tourada ! - e o senhor e a senhora Granet logo disseram que sim, em uníssono, a revelarem complacência e agrado imediatos.

- O Edmundo contou-me que a tourada à portuguesa é completamente diferente da espanhola, pai ! - Atirou ainda Albe, antes da partida e da minha longa explicação acerca da pan que tomara conta do ford escort.
Ao início da tarde, seguimos os quatro para ir ver o toureio a cavalo de Samuel Lupi e a pega à portuguesa que ia curiosamente ter lugar na praça de touros de Girona, a alguns quilómetros da nossa praia de L´Escala.

Eu tinha metido na cabeça escrever um livro sobre pegas de touros. Era uma obsessão que me perseguia, há muito. Advinha daquele momento, fora do tempo, em que tudo pode e vai acontecer entre o imenso desafio dos iniciados e timoneiros e o grande touro das salinas, altivo e negro, a responder ao repto e a começar a correr sob o rumor da multidão, sob o calor da tarde impiedosa, sob a nuvem de poeira que já se encapelou no ar e é vê-lo, agora, ao touro, de narinas abertas, de cascos em ziguezague, os ferros amotinados como espigas de sangue e, na frente, o cabo forcado do mundo com as mãos na anca a tecer o momento do embate, do encontro, do istmo fatal; parece uma infinidade esse espaço entre touro e homem, entre batida e letargia, entre tudo e nada, é a hora h, outra vez, nascida da palavra sem som, de onde o maior dos rugidos ecoa, por fim, como num parto, para que homem e touro, abraçados entre cornos e braços, no tumulto único da criação, acabem juntos por vencer o signo da vida, o sortilégio da fortuna e o feitiço dos fortes.
Grande festa, a da pega de touros !


(No próximo episódio, vamos ter palmas aficcionadas, churros, galantarias românticas, tragos de erva doce e muitas… muitas mulheres com folhos de cores vivas)

Continua
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(publicação da versão Inglesa no blogue Minion)